Londres "dá lição" ao Rio e finaliza obras olímpicas com um ano de antecedência

Roberto Pereira de Souza

Em São Paulo

  • Londres 2012/Divulgação

    Ao centro do estádio olímpico, o símbolo de que falta apenas um ano para os Jogos

    Ao centro do estádio olímpico, o símbolo de que falta apenas um ano para os Jogos

Se algum patriota achar que o trabalho brasileiro para a realização das olimpíadas Rio 2016 está dentro do melhor cronograma, cuidado: os ingleses, que vão sediar os jogos de 2012, têm uma lição histórica a ensinar aos gestores cariocas. Eles venceram o tempo com sobras: terminaram tudo o que era necessário com um ano de antecedência. Todos os equipamentos esportivos já estão sendo testados, sem uma única reclamação séria por erro de projeto ou preço abusivo cobrado com taxa de emergência.

Mais surpreendente ainda: não houve aditivos aos contratos e os preços foram exatamente o que o projeto estabeleceu. Total da planilha: 9,3 bilhões de libras esterlinas, que valem cerca de R$ 27,06 bilhões. Os ingleses não sabem traduzir a lucrativa expressão “aditivo de contrato”, que aumenta o preço das obras no Brasil com certo amparo legal da lei 8666/93, que rege as licitações brasileiras.

Os ingleses compraram as olimpíadas e economizaram como se fossem para uma guerra de grandes proporções. Salas de reuniões foram apelidadas com nomes de generais da Segunda Guerra Mundial. O nome da empresa criada para cuidar das Olimpíadas-2012, no subúrbio pobre de Stratford, Zona Leste de Londres (ODA) resume em três letras o que a tropa de engenheiros e pedreiros deveria fazer: Olympic Delivery Authority. Literalmente, Autoridade de Entrega Olímpica.

Feita a entrega, começaram os testes em julho de 2011. Nada escapa às sessões de checagem, com eventos reais nos ginásios, piscinas, pista de hipismo, vila olímpica, quadras de vôlei, shopping center, linha ferroviária, estação de trem de última geração, purificação de água, geração elétrica, estação de esgotos e refrigeração sustentável.

Tubulações pressionadas, lajes carregadas, elevadores subindo e descendo, piscinas aquecidas, tatames estirados, corridas de atletismo... Até agora, apenas um pedaço de forro do shopping de Stratford se soltou, mas não houve vítimas.

Qualquer tentativa de comparação entre o que os britânicos fizeram desde 2005 e o que os brasileiros farão nos próximos cinco anos até 2015, quando o Rio de Janeiro entregará as obras necessárias para sediar as Olimpíadas-2016, esbarrará em uma muralha cultural com duas colunas mestras: planejamento e economia.

Redundância inglesa: eles só gastam o que planejam gastar e só constroem o que planejam. Só isso pode impedir a gastança desmedida de dinheiro (público ou privado) e o uso indevido de recursos que tenham pouco aproveitamento após os grandes eventos.

Dois anos após a indicação de Londres como a próxima sede das olimpíadas, o chefe do projeto decidiu visitar as obras do parque olímpico na distante e poluída Stratford, 30 minutos de trem a leste da capital inglesa, em companhia do repórter Graham Ruddick, do jornal Daily Telegraph. A visita foi em 2007.

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A conversa revela que o chefão Howard Shiplee não gosta de esportes. Ele gosta mesmo é de construir. Ele é um amante das grandes obras, dos buracos na terra, das valetas de drenagem. O fascínio construtivo começou na adolescência, no pós-guerra, quando foi aprendiz de pedreiro, assentando tijolos.

“Você pensa que é grande, mas você não sabe como isso é realmente grande. Você precisa pensar nisso como se fosse uma mobilização dos recursos de um país que está indo para uma guerra”, relembrou Howard Shiplee, de 62 anos, voltando ao dia 6 de julho de 2005, quando ouviu essa frase da boca do presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge.

 Sheplee sempre soube do orçamentocrítico que teria para tocar suas obras, em um continente em crise financeira.

Em Londres, todos projetos passaram pela sala do chefe da ODA, Howard Shiplee.

Com a Europa em crise econômica, o parlamento inglês questionou cada centavo do orçamento final de 9,3 bilhões de libras esterlinas. A primeira etapa do projeto olímpico inglês exigiu do comandante Howard Shiplee toda estamina disponível em seu organismo. “Foram reuniões longas com pessoas da comunidade. Os projetos contemplam opiniões dos moradores que vão ser beneficiados pelo legado”, explicou Sheplee ao Daily Telefraph.

Os moradores de Straford foram tratados como verdadeiros stakeholders do mundo moderno, ou parte interessada do projeto todo. “Fizemos audiências públicas para colher informações de como poderíamos atender a demanda daquela periferia”, relembrou o engenheiro que chefiou todas as obras e supervisiona os testes dos equipamentos esportivos das Olimpíadas 2012.

”As informações que captamos na primeira fase serviram para detalhamento do projeto”, lembrou Sheplee.

Londres teve um projeto socialmente responsável, a julgar pelos resultados divulgados pela mídia local. O parque olímpico foi instalado em uma área usada para acomodar restos da Segunda Guerra Mundial. O parque olímpico foi projetado entre rios poluídos por produtos químicos e restos de bombas. Antes de a obra começar, a água já era potável e a terra descontaminada.

Mas não é só isso: com alta taxa de desemprego (acima de 10%), violência e demanda por infraestrutura de transportes públicos, em Stratford, os ingleses planejaram o máximo dispostos a gastar o mínimo. Restos da Londres bombardeada, durante a Segunda Guerra Mundial, foram reutilizados na construção de paredes calçadas e fundações.

A concretagem foi diminuída porque a produção de cimento joga carbono da atmosfera. A cultura da Segunda Guerra foi resgatada das valetas de Stratford. “Estudos estratégicos amadores mesclados com estudos profissionais de logística”, era o que dizia o general George Patton, durante o conflito mundial. O pensamento é usado sem reservas por Howard Shiplee. Os projetistas, que trabalharam com ele, apelidaram sua sala de reuniões em Stratford de “Patton room” (Sala do Patton).

A analogia com a Segunda Guerra não é gratuita. A Europa atravessa a pior crise econômica desde os anos 30 do século passado. Os Jogos de Londres consumiram cerca de R$ 27,06 bilhões em um momento em que o governo inglês fazia cortes dramáticos nos gastos públicos, aumentando a necessidade dos mais pobres, principalmente dos migrantes asiáticos.

“Somos a chama de esperança nesse momento de dificuldades econômicas. Mais que isso, estamos ocupando nossa indústria, nossos técnicos, nossos operários. Se não fossem os Jogos o que aconteceria com esse patrimônio?”, pergunta-se Shiplee. Segundo o executivo, as Olimpíadas geraram contratos diretos no valor de R$ 9 bilhões, criando mais de 75 mil oportunidades de negócios na cadeia de suprimentos. As obras foram divididas entre 98% dos empresários britânicos.

As vagas ajudaram 20% dos moradores de Stratford: 10% estavam desempregados oficialmente e outros 9% serão treinados para o primeiro emprego, na construção civil, incluindo centenas de mulheres. E para evitar problemas de caixa nas empresas contratadas, o pagamento passou a ser feito a cada 18 dias e não mensalmente.

O governo inglês abriu a possibilidade de a iniciativa privada captar recursos para finalizar as obras. Mas na crise que abala o continente europeu, faltaram o equivalente a R$ 1,5 bilhão para conclusão das obras da vila olímpica. O governo entrou em cena e fechou o buraco. Ao todo, as obras empregaram cerca de 4 mil operários, consumindo menos de R$ 30 bilhões.

Ginásios, parques, estádios, piscinas, pistas de hipismo, restaurantes, centro de imprensa, satélite, tratamento de água estão distribuídos em 24 milhões de metros quadrados.

Outra lição inglesa: o legado olímpico precisa ser bem aproveitado pela população que mais necessita do investimento. Dificilmente eles aceitariam o fato de o Maracanã ser reformado duas vezes, uma em 2006 e outra em 2011, consumindo cerca de R$ 2 bilhões.

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