O que a desistência da seletiva olímpica diz sobre o futuro de Cesar Cielo
O Mundial de esportes aquáticos disputado em Kazan (Rússia) e a seletiva olímpica de Palhoça (SC) eram os principais eventos no calendário de 2015 para o nadador Cesar Cielo, 28. E por motivos diferentes, os dois tiveram o mesmo desfecho: o atleta saiu antes do término, sem completar seu programa de provas ou atingir objetivos pessoais nas competições. A menos de oito meses das Olimpíadas de 2016, a temporada de um dos maiores nomes do esporte brasileiro terminou como um gigantesco ponto de interrogação. Mas afinal, como isso pode refletir nos Jogos do Rio de Janeiro?
Os percalços da temporada 2015 colocaram em xeque até a participação de Cielo nos Jogos Olímpicos. O velocista representou o Brasil em duas edições e colecionou três medalhas (em Pequim, ouro nos 50m livre e bronze nos 100m livre; em Londres, bronze nos 100m livre). Para estar na Rio-2016, porém, tem apenas mais uma chance: o Troféu Maria Lenk, em abril, no estádio aquático olímpico da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
“O Cesar é um grande nadador. Nós não temos qualquer desconfiança nele e sabemos que num curto espaço de tempo ele pode se recuperar”, disse Alberto Silva, o Albertinho, coordenador da equipe masculina da natação brasileira.
Cielo deixou Kazan, onde defendia o bicampeonato mundial dos 50m borboleta e o tricampeonato mundial dos 50m livre, por causa de uma inflamação no ombro esquerdo. Depois disso, ficou parado por dois meses e fez apenas dez semanas de treinos antes da seletiva olímpica.
Em Palhoça, o nadador participou apenas do revezamento 4x50m (21s44 com saída lançada) e da prova matutina dos 100m livre (49s55, 11º tempo, o que não o classificou sequer para a disputa final). Cielo saiu insatisfeito das duas provas, e isso foi determinante para a decisão de abandonar a seletiva olímpica.
A ideia de sair da competição foi discutida com representantes do Minas Tênis Clube ainda na área da piscina de Palhoça. Quando chegou ao hotel em que estava hospedado, Cielo fez o check-out e avisou Gustavo Maglioca, médico da seleção brasileira. “Ele me mandou uma mensagem no celular dizendo que estava indo embora, e eu disse que respeitava. Também desejei boa viagem. Simples assim”, contou o doutor.
O problema é a cabeça?
Pessoas que convivem com Cielo identificaram a cabeça como a principal questão a ser superada pelo nadador atualmente. Ele é descrito como um profissional extremamente perfeccionista, que se cobra em níveis extremos. Por isso, ainda que soubesse que não tinha condições ideais na seletiva de Palhoça, não soube conviver com os tempos ruins.
“Como qualquer grande atleta, a gente sabe que ele é movido por resultados”, disse Albertinho. “Essa questão emocional pode influenciar bastante”, adicionou.
Por todas as mudanças na preparação durante o ciclo olímpico e por todos os insucessos recentes, Cielo tem agora um desafio de recuperação de confiança. Ao menos duas pessoas que lidam diretamente com o nadador classificaram esse como o grande desafio dele para 2016.
A temporada 2015 de Cielo: lesão inédita e o fim da hegemonia mundial
Cielo abriu 2015 com um 23s28, o que até então era a melhor marca do planeta nos 50m borboleta, mas depois sofreu para empilhar bons resultados. Em abril, no Rio de Janeiro, terminou o Troféu Maria Lenk sem conquistar medalhas de ouro, o que não acontecia desde 2005.
Em 11 participações no Maria Lenk, Cielo amealhou 26 pódios em 32 provas (19 ouros, seis pratas e um bronze). Neste ano, o nadador atribuiu a falta de vitórias a uma mudança na preparação. Ele montou uma equipe multidisciplinar exclusiva, liderada pelo técnico Arilson Silva, e criou um planejamento voltado ao Mundial de Kazan.
Até por isso, Cielo pediu para não disputar os Jogos Pan-Americanos de Toronto. Ele foi o único dispensado do evento entre os principais nomes da natação brasileira.
Quando chegou a Kazan, porém, Cielo não conseguiu comprovar eficiência na aposta. O nadador foi apenas o sexto colocado nos 50m borboleta, prova que ele completou em 23s21, e pediu dispensa antes de defender o tricampeonato mundial dos 50m livre.
A lesão: pausa inédita e foco diferente
Cielo foi submetido a exames de imagem após ter sido cortado do Mundial de Kazan. A avaliação identificou dois tendões inflamados no ombro esquerdo, e o nadador optou por um tratamento convencional. Ficou parado por dois meses, período considerado inédito pela comissão técnica do atleta – ele teve duas semanas de pausa entre os últimos ciclos olímpicos, por exemplo.
A volta de Cielo aos treinos foi feita de forma gradual, com cargas pequenas, sem forçar a articulação. O plano de recondicionamento do nadador foi feito sem considerar a seletiva olímpica em dezembro. “Ele foi prudente em não querer acelerar as coisas”, avaliou Albertinho.
Em outras ocasiões, Cielo fez ciclos menores de treinamento. Antes de disputar o Mundial de piscina curta de 2010, em Dubai, por exemplo, o nadador fez um trabalho de apenas nove semanas. Para Palhoça, mesmo com dez semanas, a ideia foi priorizar 2016.
Nesse plano de recuperação focado em 2016, Cielo mudou até a prova mais trabalhada. Apesar de ser o recordista mundial dos 100m livre, o velocista vinha negligenciando a distância e priorizando os 50m livre. Neste ano, a prioridade se inverteu.
A ideia de priorizar os 100m foi uma aposta num trabalho menos agressivo, o que seria mais fácil para a articulação. Além disso, Cielo pretendia brigar por um lugar no revezamento 4x100m livre da Rio-2016 – o Brasil pode inscrever até seis nadadores.
A participação conturbada de Cielo na seletiva olímpica
Após ter ficado mais de quatro meses sem nadar uma prova oficial, Cielo marcou o retorno para a seletiva olímpica disputada em Palhoça. Na quarta-feira (16), foi o segundo do Minas Tênis Clube no revezamento 4x50m e fez 21s44, tempo que o atleta não considerou bom. Tecnicamente, ele errou a execução de movimentos na chegada – algo que há havia acontecido em Kazan.
Nada deixou Cielo mais irritado, porém, do que o desempenho nos 100m. Com 49s55, ele foi apenas o sétimo na bateria e o 11º nas eliminatórias. O tempo foi quase um segundo superior ao índice de entrada do nadador na prova (48s58).
“Eu acho que nem ele ficou satisfeito. A gente tinha uma expectativa, por ser o Cesar, de um resultado melhor do que o 49s5 que ele fez”, admitiu Albertinho.
A boa notícia para Cielo é que o nadador não sentiu dores no ombro. Além das provas, ele treinou normalmente na piscina da Unisul. “A gente tinha uma preocupação primária, que era se ele executaria o movimento sem dor. Ele tinha uma lesão, e essa lesão foi diagnosticada e tratada”, disse Maglioca.
Preparação de Cielo será tema de nova conversa com a CBDA
Depois do hiato em que se recuperou da lesão no ombro, Cielo e seu estafe técnico sentaram para conversar com a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos). Apresentaram planos de preparação para a Rio-2016 e discutiram detalhes sobre metas pessoais do atleta. Agora, após Palhoça, um novo encontro deve acontecer.
“Vou aguardar uma conversa com ele e o estafe dele quando eles tiverem uma posição do que eles acreditam ou não, do que foi bom e do que não foi tão bom, do que eles precisam melhorar. Quando eles tiverem isso maduro, aí sim vamos conversar. Vi o que estava planejado e vi que eles não iam atropelar ou compactar o programa para dar resultado. Nisso a gente concordou. Agora é esperar que eles façam uma avaliação, e aí entender o que eles acham. Só aí é que vamos dar uma opinião. Quero ouvir primeiro dele”, relatou Albertinho.
Cielo trocou de técnico quatro vezes desde 2012. A comissão técnica multidisciplinar que trabalha com ele atualmente foi montada no início deste ano e tem uma série de parâmetros específicos para o nadador.
Na época do Mundial de Kazan, existia na CBDA uma restrição à comissão montada por Cielo. O grupo era descrito por pessoas da entidade como excessivamente técnico, sem rotinas específicas para o nado. Além disso, são profissionais com perfil permissivo, algo que combina pouco com o estilo competitivo do nadador.
Em setembro deste ano, Cielo admitiu a possibilidade de fazer mudanças bruscas na preparação para os Jogos Olímpicos.