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Ex-namoradas na seleção: Dinamarca ensina como tratar LGBTs no esporte

AFP PHOTO / ANDREJ ISAKOVIC
Kristina em ação; "Mulle", como ela é conhecida, é estrela da seleção dinamarquesa imagem: AFP PHOTO / ANDREJ ISAKOVIC

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Kolding (Dinamarca)

Se quiser ser campeã do Mundial de handebol jogando em casa, a Dinamarca precisa do entrosamento de duas ex-namoradas que viraram melhores amigas. Armadora e pivô da seleção local, respectivamente, Kristina Kristiansen e Mette Gravholt levam a relação próxima para dentro da quadra e são armas do país nórdico, que dá uma aula de como tratar a homossexualidade no esporte. 

A relação entre as duas companheiras está longe de ser um tabu na Dinamarca. Kristina e Mette se conheceram quando tinham 18 e 24 anos, respectivamente. No começo de suas carreiras, as duas se apaixonaram, tentaram um namoro e desistiram depois de um ano. Hoje, dividem clube, seleção, quarto na concentração e a responsabilidade de levarem o país a um título que não vem desde 1997.

Reprodução/Instagram
Kristina faz piada com a amiga Mette após vencê-la em um jogo; hoje elas atuam juntas imagem: Reprodução/Instagram

"Nós fomos feitas para ser amigas, e não namoradas. Só precisávamos descobrir isso. E desde então nós temos sido muito amigas. Uma não consegue ficar sem a outra. É tão bom que a gente possa ficar junto", disse Mette Gravholt ao jornal Ekstra Bladet em 2013, durante o Mundial da Sérvia, quando ambas deram uma entrevista conjunta falando sobre o assunto. 

"Eu acho que as meninas do handebol estão em uma posição especial neste sentido. Elas têm um longo histórico de lésbicas nos times. Isso acontece desde os anos 1990 e explica porque as pessoas lidam com isso naturalmente”, diz Christian Bigom, vice-presidente do Pan Idraet, um clube social de Copenhague focado na comunidade LGBT.

A relação, hoje, envolve outras pessoas. Kristina e Mette namoram e as atuais parceiras são acostumadas desde o início a conviver com a proximidade da ex. "Se você é minha namorada, é também semi-namorada da Mulle [apelido de Kristina]. É como que o meu pacote. É minha família, minha irmã", avisa Mette. 

Kristina admite que, no começo, teve medo da reação das pessoas. Logo depois, viu que não passaria por nenhum problema. "“Quando eu tinha 18 anos, eu tinha uma namorada e queria poder mostrá-la para todo mundo. Então eu mandei uma mensagem para minha família e meus amigos e fiquei torcendo para que eles seguissem me amando [risos]. Então vieram as respostas e ninguém disse nada negativo”, contou Kristiansen sobre o momento em que se assumiu lésbica.

A relação nunca foi um problema para as duas, que conviveram bastante ao longo da carreira. Desde 2007, elas jogaram no mesmo clube em pelo menos cinco temporadas. Hoje, atuam no Nykobing, da Dinamarca, e levam a relação próxima para o handebol. 

"A história delas é muito interessante, elas são muito grudadas. A ligação que elas têm dentro de quadra é muito forte, não preciso nem te falar que você vai ver. No começo dessa temporada cada uma teve de se apresentar. A Mette falou da história dela. De que saiu da segunda divisão, foi jogar na primeira com o treinador que ela está há oito anos e que namorou a Mulle e hoje elas são muito amigas. E todo mundo sabe de tudo", disse Babi, goleira do Brasil que joga no mesmo clube que a dupla.

País (quase) ideal para comunidade gay

A Dinamarca é um dos países com melhores condições para a comunidade LGBT. Uniões civis de homossexuais são consideradas legais no país desde 1989, a lei que proíbe a discriminação é de 2004 e a adoção passou a ser aberta a todos os casais a partir de 2010.

Segundo a editora Lonely Planet, especializada em guias de viagem, a capital Copenhague é a cidade “mais amigável” para gays em todo o planeta. Em 2009, ela recebeu os Outgames, espécie de Olimpíada focada no público LGBT.

No Brasil, a situação ainda é bastante diferente. Fora do esporte, nem todos esses direitos estão garantidos e a comunidade LGBT luta para aprovar uma lei contra a homofobia. Entre os atletas, assumir-se homossexual ainda é um tabu. Laís Souza, por exemplo, chegou a se incomodar com o tratamento que recebeu após se revelar gay em uma entrevista.

Além dela, poucas atletas falam abertamente sobre homossexualidade. Larissa, do vôlei de praia, e Mayssa, do handebol, foram outras exceções recentes.

Para os dinamarqueses é mais difícil

Christian Bigom avalia que a vida para os gays que praticam esporte no país não é tão simples, ainda que a Dinamarca esteja tão evoluída no tratamento aos homossexuais.

“Aqui nós podemos casar, adotar... Nós temos vários direitos. Só que ainda precisamos avançar em termos de tolerância, aceitação, combate à discriminação. Na minha opinião, pelo esporte ser um ambiente tão historicamente masculino, ainda é difícil para os gays participarem”, diz o dirigente.

Na Dinamarca, o esporte é desenvolvido em clubes sociais que oferecem os mais diversos esportes para os praticantes. O Pan Idraet, clube de Bigom, tem mais de 80 mil associados e trabalha para desenvolver um ambiente seguro para a comunidade LGBT. Ele defende que o caminho para que a tolerância seja total passa por uma mudança de comportamento.

“Para combater a homofobia, você tem de abolir termos homofóbicos. Enquanto isso for aceito por técnicos e torcedores, vai ser um hábito difícil de ser quebrado. Muitos clubes fizeram campanhas contra o racismo, e hoje termos racistas não são mais aceitos. O jeito que você fala sobre as pessoas reforça os preconceitos”, disse Bigom, que ainda aponta um outro caminho.

“Se assumir é uma questão muito pessoal e nunca forçaríamos ninguém a assumir nada, mas é claro que falar publicamente sobre sua orientação sexual ajuda. Você sempre vai inspirar adultos e crianças, que vão buscar a sua história e ler sobre você. Referências cumprem um papel incrivelmente importante nesta questão”, diz Bigom. 

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