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Protesto de atletas expõe crise na canoagem e vira problema para Rio-2016

Antoine Morel / UOL

Antoine Morel e Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

A discussão não é apenas financeira. A abrangência não é apenas o evento-teste da Rio-2016. O protesto realizado pela equipe de canoa do Brasil na última sexta-feira (04), no Rio de Janeiro, escancarou uma crise que repercutiu muito além da Lagoa Rodrigo de Freitas, sede do torneio preparatório para os Jogos Olímpicos. Os atletas da equipe da casa se recusaram a competir e fizeram críticas contundentes à gestão da confederação nacional da modalidade (CBCA). E isso assustou autoridades do esporte local.

O COB (Comitê Olímpico do Brasil) já começou a fazer um trabalho de conciliação para tentar minimizar o conflito. Inicialmente, dado o nível da crise, a abordagem será feita em encontros separados (atletas de um lado, dirigentes de outro). “Até agora não houve prejuízo de performance por causa disso, mas nós estamos monitorando e cuidando para evitar que existam repercussões no âmbito esportivo”, disse Jorge Bichara, gerente-geral de desempenho da instituição.

Não existe um prazo para que o confronto seja dirimido, mas o assunto é tratado como prioridade no COB. Sobretudo pela combinação entre tempo exíguo até os Jogos Olímpicos e expectativa de desempenho da canoagem. A modalidade é uma das principais apostas do Brasil para obter medalhas na Rio-2016, e isso é fundamental para os planos do país – a meta estabelecida pelo comitê local é amealhar ao menos 27 láureas, dez a mais do que em Londres-2012.

Isaquias é um dos pilares desse plano de ascensão. O brasileiro é um dos melhores do mundo na categoria C1 1000 – foi bronze no Mundial de 2013 e brigou pela liderança do ano seguinte até sofrer uma queda na reta final. Na atual temporada, em Milão, foi ao pódio também na C1 200 (bronze) e na C2 1000 (ouro). Por tudo isso, é aposta viável nas três provas em 2016.

Prova da expectativa em torno da canoagem é que o ministro do Esporte, George Hilton (PRB-MG), ligou pessoalmente para COB e CBCA na sexta-feira para entender a proporção da crise e saber se precisaria intervir.

O cerne do protesto dos atletas brasileiros foi a interrupção do pagamento do patrocínio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), principal parceiro comercial da CBCA. “Não é uma questão de dinheiro, até porque o COB assumiu a bronca e bancou exatamente o que eles dariam. O que acontece é que a gente não acha certo competir usando no uniforme apenas uma marca que não ajuda em nada”, disse Isaquias.

A explicação da CBCA é que houve um entrave burocrático. A entidade alega que a ausência de um laudo ambiental para Lagoa Santa-MG, sede dos treinos da equipe de canoa, atrasou em 105 dias a liberação do contrato. “O dinheiro já foi aprovado, e o documento agora está na mão dos atletas. Se eles assinarem, poderão receber em dez dias”, comentou Tomasini.

Até por terem recebido do COB, contudo, os atletas repetiram várias vezes na sexta que a questão não era sobre dinheiro. “É por respeito. Nós não aceitamos várias coisas que estão sendo feitas na confederação”, declarou Nivalter.

Há outras demandas claras e pontuais, como a hospedagem. Atletas da canoagem ficaram na escola de educação física do Exército, na Urca, durante o evento-teste da Rio-2016. Os quatro rapazes da equipe de canoa foram dispostos em dois quartos duplos, e o técnico espanhol Jesus Morlán teve de dividir uma acomodação tripla com pessoas que não eram do time. “Quero ver onde o presidente está hospedado. Aposto que ele não está dormindo em beliche”, questionou Isaquias.

Tomasini é um dos mais longevos entre os presidentes de confederações esportivas no Brasil. Ex-atleta, o cartola que comanda a canoagem nacional ocupa o atual cargo desde abril de 1988.

“Eu sou o mais antigo entre os atletas do time, e o que eu posso dizer é que nada disso vem de hoje. Nós estamos cansados de o presidente prometer coisas e não cumprir e de só nos procurar na época das competições”, disse Nivalter.

Por tudo isso, a maior preocupação que dirigentes do esporte nacional têm sobre o protesto é o quanto ele vai repercutir depois do evento-teste. Tomasini já avisou que a CBCA não pretende punir os atletas por terem boicotado a competição, mas tampouco acredita que o relacionamento melhore quando os pagamentos do BNDES forem retomados.

“A questão toda é o desempenho. É isso que nós não queremos que seja afetado. Nós também entendemos que os ambientes dos atletas não precisam ser totalmente harmônicos”, encerrou Bichara.

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