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Rio vai intensificar acolhimento de mendigos no ano da Olimpíada

Ana Carolina Fernandes/Folhapress
Mendigo dorme no Rio. Cidade tinha cerca de 5,5 mil moradores de rua em 2013 imagem: Ana Carolina Fernandes/Folhapress

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

Jorge Luiz Costa de Souza tem 50 anos e vive nas ruas do Rio de Janeiro desde 1997. Estava por calçadas e praças da cidade quando ela recebeu a Jornada Mundial da Juventude em 2013 e a Copa do Mundo em 2014. Conhece a rotina de trabalho dos agentes municipais que lidam diariamente com os mendigos cariocas. Por tudo isso, diz estar se preparando: “A ‘Operação Cata Tralha’ vem aí, malandro. Vai ter Olimpíada e a prefeitura não vai querer ninguém dormindo na rua.”

Jorge Luiz está bem informado. De fato, a Prefeitura do Rio vai intensificar em 2016, ano dos Jogos Olímpicos, o trabalho de “acolhimento” da população de rua. Meses antes do início da Rio-2016, quatro novos albergues públicos serão abertos na cidade. Reformas em abrigos já existentes também serão concluídas. Tudo isso, oficialmente, para oferecer àqueles que dormem debaixo de marquises uma oportunidade para “retomarem sua trajetória de vida”.

A SMDS (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social) é a responsável pelas melhorias no tratamento da população de rua do Rio e pelo projeto de ampliar o acolhimento dessas pessoas. O órgão afirma que ninguém que não queira ir para abrigos será retirado das ruas. Nega também qualquer ligação entre a ampliação da rede de atendimento aos sem-teto com a realização da Olimpíada.

Seu plano para os mendigos, entretanto, tem gerado desconfiança. Quem vive pelas ruas da capital fluminense já fala em “maquiagem” da cidade receber milhares de atletas e turistas estrangeiros. Já quem acompanha de perto as ações municipais vê uma tentativa de “limpeza social”.

“Eu temo que esse projeto seja parte de uma tentativa de higienização”, afirmou o padre Gustavo Auler, assessor religioso da Pastoral da População de Rua do Rio. “O que sei até agora é que vão ampliar o abrigamento da população. Tudo leva a crer que deve repetir-se o que aconteceu na Copa do Mundo”, diz.

Em 2014, dias antes do início do mundial de futebol, 669 mendigos foram retirados das ruas do Rio. A conta foi feita pelo MP-RJ (Ministério Público do Estado), que informou também que boa parte dessas retiradas foi feita contra a vontade dos que foram recolhidos --o que é ilegal.

Ainda Segundo o MP, andarilhos foram levados de áreas turísticas para o Abrigo Rio Acolhedor, no subúrbio. Dias depois, o MP solicitou a interdição do local alegando péssimas condições de manutenção.

Na época, a SMDS negou qualquer recolhimento forçado de mendigos. Questionada pelo UOL Esporte nesta semana, a secretaria declarou enfaticamente que “não há nem nunca houve, na cidade do Rio de Janeiro, uma política de higienização, com a retirada de pessoas em situação de rua em função da Copa do Mundo ou de qualquer outro evento”.

Quem vive nas ruas do Rio rebate. Fernando José de Oliveira, 43 anos, dorme em calçadas há quatro anos. Chamou de “sequestro” a abordagem de alguns agentes municipais realizadas antes e durante a Copa do Mundo. “Vi colega que foi acordado por guarda municipal. Quando percebeu, já estava com tudo o que tinha na van da prefeitura. O pegaram pelo braço e ele teve que ir para o abrigo.”

O sociólogo e pesquisador da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Dario Sousa e Silva Filho, diz que relatos ratificam o aumento do recolhimento compulsório de mendigos durante a Copa. Ele estuda a população de rua há anos. Segundo ele, o abrigamento forçado acontece em outras épocas no Rio, mas fica mais frequente durante grandes eventos.

Sousa e Silva está ciente dos planos municipais de intensificação do acolhimento de mendigos a partir do ano que vem. Ele, contudo, não critica o projeto pois diz não ter elementos suficientes para avaliá-lo. O estudioso só faz uma ressalva: “Se não houver uma mobilização social e um acompanhamento da iniciativa, há uma possibilidade grande de desrespeito dos direitos da população de rua”, diz. “Ninguém pode ser abrigado contra vontade.”
 

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