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China agencia astros e morde 30% do lucro

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Eles estão por toda Pequim. A sobrancelha felpuda do gigante do basquete Yao Ming decora outdoors no centro. Escondendo um prédio em obras, um tapume exibe o sorriso de Liu Xiang, ouro nos 110 m com barreira dos Jogos de Atenas. E as curvas da musa dos saltos ornamentais, Guo Jingjing, adornam o rótulo de refrigerante.

Esses são os protagonistas entre os garotos-propaganda que a China escalou para a Olimpíada em casa, mas eles são donos apenas de 70% de suas características físicas e de seus rendimentos (mesmo os embolsados no exterior). Afinal, o resto vai para a federação de sua modalidade e o clube que o revelou.

O barreirista Liu faz até uma analogia para explicar particularidade. “Nosso esporte segue a lógica de um restaurante chinês: o dinheiro é como um prato de comida, passando por todos para que cada um tenha sua porção”, argumenta a maior promessa de ouro chinês em Pequim-2008.

Símbolo do país que mais cresce no mundo, a vida de Liu Xiang traduz o tal “socialismo de mercado” da China. Apesar da mordida estatal, ele ganha US$ 1 milhão anual desde 2004, mas o astro mora nos alojamentos do centro de treinamento de Xangai, dividindo um apartamento com seu treinador. Liu é garoto-propaganda de 16 empresas, de todos os ramos possíveis – ele estrelou até um comercial de TV da Nike que teve direção do brasileiro Fernando Meirelles.

O atleta empresta sua imagem até para a fábrica de cigarro Baisha. É por esse contrato polêmico que Liu bate Yao Ming no número de patrocinadores (15 tem o pivô do Houston Rockets). Mas o gigante alçou vôo de produto internacional após boas temporadas no basquete profissional norte-americano da NBA.

EFE

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Ming lidera o ranking de rendimento das celebridades chinesas, elaborado pela revista Forbes, com honorários de US$ 25 milhões por ano. Os analistas apontam que nenhum ícone esportivo do passado, nem mesmo Pelé e Michael Jordan, tem o potencial de vendas do chinês, afinal, ele tem por trás 1,3 bilhão de consumidores, fora os admiradores estrangeiros. Além de spots de TV, ele é tema de duas biografias e até de um documentário exibido no Festival de Toronto (Canadá).

“Sei que sou o capitalista mais conhecido da China, mas tremo cada vez que chega uma conta”, confessa. Nos EUA, para o assombro de seus colegas de time texano, ele morou com os pais. Só se livrou desse ônus por vir de um país de filhos únicos quando se casou. A cerimônia foi um acontecimento em Xangai, com 100 convidados, mesmo número de seguranças e de jornalistas e centenas de curiosos do lado de fora.

Já a rainha da indústria das celebridades é Guo Jingjing, ouro no salto ornamental sincronizado em Atenas-2004. As revistas de fofoca relatam seus casos amorosos com o colega de plataforma Tian Liang e com um playboy de Hong Kong. Já as publicações de moda estampam propaganda de cosméticos e grifes de roupa com retratos da saltadora.

Mas tanta exposição na mídia gerou uma reprimenda da Administração Geral de Esportes, órgão do governo chinês que cuida dos esportes de alto rendimento. Já a federação de vôlei estipulou que as jogadoras da seleção só poderiam ter um patrocinador pessoal para não atrapalhar nos treinos. O governo chinês serve como agente da carreira de suas estrelas, mas também pode fazer o papel do pai repressor.

O atleta que sentiu mais esse lado foi justamente o pioneiro chinês na NBA, Wang Zhizhi, que rivalizava com Ming quando jogavam, respectivamente, no Bayi Rockets e no Shanghai Sharks. Ele se transferiu após muita negociação para o Dallas Maverick em 2001, rejeitando convocações de sua seleção para defender a franquia texana. Bateu de frente com os dirigentes, o que lhe valeu um banimento de quatro anos.

Zhizhi pagou pelo vanguardismo, mas quem colheu os frutos foi outro ala-pivô chinês, Yi Jianlian, que faz sua primeira temporada no Milwaukee Bucks. Adidas e Nike fizeram uma batalha para assinar com ele. Resultado do leilão, dos mais cinco contratos de patrocínio e do salário nos EUA é que Jianlian já é a quarta celebridade chinesa mais bem paga, só perdendo para Yao Ming, Liu Xiang e uma atriz de cinema.

Outros coadjuvantes aproveitam o boom publicitário no país comunista, como os mesa-tenistas Wang Nan e Yan Sem, as tenistas Sun Tiantian e Li Ting, o nadador Wu Peng e o jogador de futebol Zheng Zhi. O curioso é que o país até 20 anos atrás só tinha cartazes com Mao Tse-tung rodeado por musculosos operários e parrudas camponesas. Hoje, são os atletas locais e os logos internacionais que brilham na propaganda.

Publicado no dia 25 de abril de 2008

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