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Mais de meio Brasil está na miséria na China

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Hoje em dia, o senhor Wang é fazendeiro só do ar quente que sai dos túneis do metrô. Sentado na entrada da estação Wangfujing, coleta em seu pratinho no máximo sete yuans (US$ 1) por dia. Com esse rendimento, está incluído na faixa das 100 milhões de pessoas que ficaram na miséria no país que mais cresce no mundo nos últimos 30 anos. É mais da metade da população do Brasil, calculada em 190 milhões.

Essa pobreza chinesa reside principalmente no campo, como 60% da população do país, e vê de longe o aumento do abismo social no país socialista. Milhares desses camponeses migram para as cidades para trabalhar na construção, em subempregos ou mendigar – um roteiro conhecido no Brasil na época do “milagre”, antes da crise dos anos de 1980.

Calcula-se que até a próxima Olimpíada, Londres-2012, mais 250 milhões de chineses se estabelecerão em centros urbanos, ou seja, mais do que toda a população brasileira se mobilizando para esses subúrbios asiáticos.

AFP

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Mendicante agarra perna de executivo em Pequim

O senhor Wang, de costas para a avenida Dong Chang, a mais movimentada da capital, quer ignorar a correnteza de carros novos que passam por trás dele: “Não são os ricos que me ajudam. São as pessoas que pegam metrô.” Um garotinho se aproxima e deposita umas moedas que o pai lhe deu - alguns mendigos na China se agarram às pernas dos transeuntes, em uma maneira bastante incisiva de pedir um trocado.

O agricultor abandonou a província de Henan (centro do país) e sua fazenda depois que uma doença deformou sua perna e o impossibilitou de trabalhar na terra. “Não tenho sonhos. Só quero continuar vivo”, sentencia o pedinte que desde o início do ano enfrenta as temperaturas negativas das madrugadas na capital.

Perto dali um colega mendicante recolhe plásticos. Seu porte é de guerreiro mongol. Na cabeça, uma chapka, boina das estepes feita de peles de animais. No rosto, um vasto bigode, atípico entre os chineses. Cobrindo o corpo, um casaco verde dá um tom marcial ao desvalido. Não quer dar entrevista, tem medo que descubram que não possui a licença para morar em Pequim e o expulsem para sua cidade natal, ao norte. Dobra a esquina e some.

Segundo a ONU, a China retirou da pobreza 250 milhões de pessoas entre 1980 e 2005. Naquela data, Deng Xiaoping, líder da abertura que deu no “socialismo de mercado”, anunciou para todos os compatriotas: “Enriqueçam, ficar rico não é crime.”

Resultado foi que a classe média urbana colheu os frutos da expansão, enquanto a China rural estagnou. A distância social duplicou e surgiram os chamados “chuppies”, os yuppies chineses, com seus carros esportivos amarelos (a cor imperial) e casas em condomínios fechados estilo norte-americano. Esses vão assistir aos mais concorridos eventos da Olimpíada nos melhores lugares (a cerimônia de abertura custa R$ 1.700 no setor A). Já o senhor Wang vai perceber que os Jogos estarão acontecendo pela maior presença nas ruas de pessoas narigudas – como os chineses enxergam os ocidentais.

Publicado no dia 26 de março de 2008

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