UOL Olimpíadas 2008 UOL em Pequim
 

Na China, pátria fica entre a peteca e a raquete

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Em uma típica viela de Pequim, dois garotos jogam badminton, com uma menina servindo de gandula. No parque Bei Hai, uma dupla de funcionários públicos usa uma garrafa de refrigerante como rede e dá raquetadas em uma peteca para se distrair durante o horário de almoço.

Se no país do futebol o cartão postal é um terrão com moleques de bermuda batendo bola, na China, mais vasta e muita mais populosa que o Brasil, o que domina são os esportes compactos, que tomam pouco espaço. O curioso é que o badminton e o tênis de mesa, esportes de salão e jardim da Inglaterra vitoriana, viraram febre no país comunista.

“Gostaria ir ao ginásio acompanhar a Olimpíada, mas minha família não tem dinheiro para os ingressos”, se queixa a menina Zhang, enquanto os primos jogam badminton em uma travessa do bairro de Houhai. A entrada mais barata da modalidade vale 50 yuans (R$ 16) e já está esgotada.

É um valor muito alto para os habitantes dos hutongs, as tranqüilas e populares vielas de Pequim que se viram convulsionadas com a proximidade dos Jogos. No total, foram 62 km² desses bairros foram demolidos nos últimos três anos para dar lugar para locais de competição ou para dar uma cara mais moderna para a capital chinesa, afinal, por suas estreitas vias não passam os moderníssimos carros que são o símbolo da nova China. Antes de ir abaixo, esses bairros tiveram suas casas marcadas pelo ideograma chai (destruição).

Flávio Florido/UOL

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Já na entrada do parque Bei Hai, uma placa aponta que o grosseirão futebol e suas boladas estão proibidos por lá. Já o volátil badminton ocupa o lugar. “Os equipamentos estão sempre no meu carro. Trabalho perto daqui e três vezes por semana corremos para aqui para jogar”, conta Chen Xie, que com o colega de repartição pública.

Metros dali, a peteca ganha cores e chapas de metal para ser equilibrada em “embaixadinhas”. Todo o corpo pode ser usado, menos os braços e mãos. É o jianzi, modalidade tradicional que pode ser jogada em quadra com rede ou apenas em uma rodinha de praticantes mantendo a peteca no ar. Por lá, é possível ver uma garota toda vestida com roupas de grifes ocidentais equilibrando com maestria a peteca.

Em outros parques é o pingue-pongue que domina, com mesas de concreto sendo disputadas por estudantes e aposentados. Os veteranos menos esportivos preferem o mahjong, espécie de dominó com figuras de estações, plantas, ideogramas e números. Quando há aposta por dinheiro, uma roda de espectadores cerca os senhores em disputa.

Mas o cenário no parque reúne mais atividades. Um senhor toca er-hu, violino rústico de timbre agudo. Outro sopra sua gaita, conectada a um amplificador pendurado em seu pescoço. Um calígrafo escreve com água no piso de cimento. Seu pincel, feito com cabo de vassoura, garrafa plástica e esponja, escreve um poema que fala de sonhos, livros, amigos e cerveja. Os ideogramas evaporam rapidamente e, ao finalizar a peça, o começo dela já não se pode ler mais.

Mas quem chama mais a atenção é o senhor Fucha, que canta em brados retumbantes músicas em homenagem à Revolução Comunista de 1949. A acústica do lago em frente ajuda. A garrafa de chá verde molha a garganta no intervalo. “Estou esperando minha mulher aqui, está sol e estou feliz. Por isso, estou cantando”, confessa o senhor Fucha, professor aposentado de física de 71 anos.

Ele pergunta de onde somos. “Baxi? Baxi is friend”, se exalta, em uma mistura de mandarim e inglês, quando ouve Brasil. Ele logo emenda: “Lonaldilo.” Como os chineses têm dificuldade em pronunciar a letra “r”, é assim que sai o nome de Ronaldinho. Mas está muito bem o conhecimento de futebol do senhor Fucha, afinal, quantas pessoas no Brasil poderiam citar um dos últimos campeões mundiais ou olímpicos do badminton chinês?

Publicado no dia 7 de abril de 2008

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