! Serginho, sobre a Rio-16: "Gosto de torcida xingando. Preferia jogar fora" - 11/05/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Serginho, sobre a Rio-16: "Gosto de torcida xingando. Preferia jogar fora"

Gustavo Franceschini e Paula Almeida

Do UOL, em São Paulo

Aos 40 anos o líbero Serginho terá a chance de brigar por uma medalha em casa, naquela que deve ser a última Olimpíada de sua vitoriosa carreira. Oportunidade de ouro? Não exatamente. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o medalhista de ouro dos Jogos de 2004 revela, aos risos, o que pensa sobre jogar em casa na Rio-2016.

“Hoje o Brasil não é favorito. Às vezes dá aquele leve favoritismo porque vai jogar em casa, mas eu preferia jogar fora. Sou o cara que gosto de torcida xingando. Até porque no nosso histórico a gente ganhou tudo fora. Ganhou o Pan-americano sofrido aqui dentro em 2007, mas eu preferia jogar fora, não queria jogar aqui no Brasil não”, diz Serginho.

O histórico, de fato, não colabora. Só na geração de ouro do vôlei masculino, da qual o líbero é um dos ícones, são três fases finais de Liga Mundial perdidas em casa – 2002, 2008 e 2015. Antes dele, o Brasil ainda perdeu um Mundial (1990) e outra Liga Mundial (1995) diante de sua torcida.

Na entrevista, Serginho fala mais sobre esse histórico negativo, faz críticas à nova geração do vôlei, comenta o polêmico livro de Giba e diz o que pensa sobre ser porta-bandeira do Brasil em agosto. Confira os melhores momentos da conversa a seguir: 

“Se for o porta-bandeira, estou cagado”

Eu, por mim, a possibilidade disso [porta-bandeira] acontecer é zero. Já vieram buzinar no meu ouvido de que poderia ser eu e eu não posso falar o que eu estou sentindo. Estou num medo danado. Se for eu, estou cagado, não tem jeito. Não penso. Eu sinceramente não penso. Amigos e algumas pessoas vieram falar, do COB ninguém. Eu não acho que sou digno para tal coisa não.

E quem seria o porta-bandeira ideal?

Ah qualquer um, põe uma cadeira lá. Qualquer um, eu só acho que não sou digno. Acho que qualquer atleta brasileiro... Acho que tem de ser uma pessoa que se identifique com o povo brasileiro. O povo brasileiro sofre, então na hora lá tem de ser um atleta que represente isso. Mas qualquer na Olimpíada, seja no vôlei, no judô, qualquer um... Mas eu tô morrendo de medo. Se for eu, quando entrar lá eu desmaio.

Jogar em casa? Serginho gosta mesmo é de torcida contra

Vejo que a seleção está num bolo, não somos os favoritos. Acho que está igual pra todo mundo. O Brasil tem condições de ser primeiro lugar ou ficar fora da semifinal. Não é aquele Brasil de 2004 que chegou como favorito e... [foi campeão]. Hoje o Brasil não é favorito. Às vezes dá aquele leve favoritismo porque vai jogar em casa, mas eu preferia jogar fora. Sou o cara que gosto de torcida xingando. Até porque no nosso histórico a gente ganhou tudo fora. Ganhou o Pan-americano sofrido aqui dentro em 2007, mas eu preferia jogar fora, não queria jogar aqui no Brasil não. Pelo histórico. É ruim, entre aspas. Teve [a Liga Mundial] no Mineirinho, em 2002, antes de ir para o Mundial, que perdeu para a Rússia. Aí foi para o Mundial e ganhou o Mundial fora. É brincadeira, mas estou falando do Sérgio... Não é um problema, de repente o Bruno gosta de jogar em casa, o Murilo gosta de jogar em casa. Eu não gosto [risos].

Próxima geração é a pior que já viu

Eu vejo que hoje nós temos algumas carências em algumas posições. Eu vou falar dessa geração mais nova. O [líbero] Tiago Brendle hoje é reserva absoluto. Se acontecer alguma coisa comigo ele está pronto, mas ele já tem lá seus 25 anos. A gente quer moleque de 18, 19 anos. Eu acho que a gente está sofrendo muito com a nossa base. Não digo que o trabalho está sendo malfeito não. Alguns técnicos estão tirando leite de pedra, mas a geração que está vindo é tecnicamente abaixo de todas as outras. Está vindo uma molecada de nível técnico muito inferior. A gente não quer muita força física, a gente quer jogador habilidoso, rápido. Só força física não vai dar certo, senão a Rússia ganhava tudo. Não é assim que funciona.

Giba assumiu “entregada” em 2010. Serginho não vê problema

O Giba é um dos melhores amigos que eu conquistei no vôlei, mas o Giba quando ele fala tem de assumir. O único que não assume o que fala é o papagaio, que fala e não assina. Mas assim, se eu estou naquele grupo também, o que foi decidido está decidido. Se eu vou pra uma guerra eu vou lutar com as armas que eu tenho, entendeu? E se usou a regra, qual é o problema? A regra está lá. E a gente tinha Marlon machucado. As pessoas não lembram.

Nota da Redação: Em 2010, o Brasil foi acusado de perder um jogo contra a Bulgária, no Mundial de vôlei, para escapar do cruzamento com adversários mais fortes. Na época, a seleção negou qualquer “marmelada”. No ano passado, antes do lançamento da sua biografia, Giba admitiu que o time perdeu a partida em questão de propósito. Machucado, Serginho não foi àquele Mundial.

Faltou transparência à seleção no episódio?

Mas qual é a transparência nisso? Olha, vou ser sincero. A partir de um momento, certas coisas não dá para enganar. Se o Giba na época falou... Eu lembro que ele tinha comentado: ah, não, não fez isso. Certas coisas, assume que dói menos, eu sou assim. E se decidiu fazer, acabou. Foi campeão mundial. Está errado? E se tivesse perdido? Quem precisa de resultado não liga para isso, a regra está aí. Tem muita gente que fala muito mal na internet e aí não é gente do voleibol, é gente que quer estragar o voleibol. Eu não quero jamais ver o Brasil vice-campeão ou fora do pódio. Se você vai ficar em segundo lugar para que Rússia, Polônia e Sérvia se matem entre os 3 para sair dois, que saia um e dois vão pra casa, por que você não vai fazer? Vai enfrentar todos esses caras depois? Não é fácil não. Passar saque viagem deles é complicado. Vai falar de Copa do Mundo... Será que o Brasil queria pegar a Alemanha do jeito que pegou? Não vamos escolher adversário? Não é melhor pegar o mais fraco? Ah, o que vier a gente ganha... Vai com essa de o que vier a gente ganha.

Apoio às ações do Sesi contra Dilma Rousseff

A gente tem uma ligação muito forte com nosso presidente Paulo Skaf. A gente convive bastante com ele, sabe quais são os pensamentos dele. É uma pessoa direita, do bem, que sabe muito de política. Fez muito pela educação nesse país junto com o Sesi. A maioria do time acompanha todas as ações do Sesi. Nosso presidente nunca chegou: ‘Olha, vocês têm de votar em mim’. Muito pelo contrário. Ele sempre foi um cara transparente, uma pessoa muito fácil. Ele é um cara que é de muito fácil acesso. Eu até brinco com ele: ‘Olha, o senhor precisa ir lá em casa comer um churrasco’. Ele fala assim: ‘Você só fala’. E na verdade eu só falo mesmo, porque eu acho que ele não vai. Qualquer dia ele vai puxar minha orelha e falar: ‘Cadê o churrasco que você tanto fala? Estou na porta da sua casa’.

Nota da Redação: Paulo Skaf é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que comanda o Sesi, time em que Serginho atua. Homem-forte da campanha “Não vou pagar o pato”, contra o Governo Federal, Skaf colocou o slogan e a imagem do pato de borracha que simboliza a ação nos uniformes do time de vôlei durante a última Superliga.

Como foi o dia em que conheceu Usain Bolt na Vila

Lembro que eu estava com o Vicente Lenílson [velocista brasileiro]. A gente se dava muito bem com o pessoal do atletismo. Lembro que a gente estava no refeitório e eu falando com ele perguntei: ‘E aí, Vicente, quais são as chances?’ Isso foi em Pequim. Então ele falou: ‘Serginho, tem um jamaicano aí que está difícil’. Falei: ‘Por quê?’ Ele: ‘Rapaz, o cara corre, hein? E ele é ruim de saída’. Eu falei: ‘Mas você é bom de saída’. Ele: ‘Eu sou bom de arrancada, mas depois não dá para pegar ele não. Ih, ó o negrão passando aí’. E o Bolt tinha acabado de passar. Estava sozinho, de chinelo, cantando. Eu falei: ‘Ah, você não vai perder para esse negrão aí não, né?’ Ele: ‘Rapaz, esse negrão corre demais’. Depois que a gente viu o Bolt correr. As pessoas não sabiam quem ele era, tanto é que ele passou sozinho. E na Vila tem muito disso de quando chega um atleta mais famoso, com nome, outros vão em cima para tirar foto. Quando ele voltou pra Vila ele não andou mais sossegado. Aí encontrei o Vicente e ele: ‘Eu não te falei? Não te falei que não dava para pegar o negrão?’. [Risos] Foi bem legal isso aí.

CT próprio em Pirituba para disseminar o vôlei

Eu estou tirando forças não sei de onde para fazer isso. Não digo que é uma escolinha, é um CT. Escolinha é para criança. A minha ideia é de buscar gente, dar chance para a molecada que quer vencer dentro do vôlei, olhar de perto. Aqueles que tiverem condições eu quero indicar para os clubes. Quero dar chance para os jogadores que estão lesionados nos clubes, levar lá para fazer recuperação. Não digo que só vai ser para menino de 13 a 16 anos. É para aquele senhor que sonhou em ser jogador de voleibol treinar em alto nível. Porque eu sei que muita gente ficou pelo meio do caminho. Não tem jogadores que jogam futebol society de fim de semana? Tem o pessoal do vôlei que gosta de jogar vôlei e vai poder vivenciar o vôlei em alto nível. Eu espero inaugurar dentro de dois meses, por volta das Olimpíadas. Já tem o espaço, estou esperando chegar o piso e dar sequência.

“Devo minha evolução ao Bernardinho”

Sou suspeito para falar dele. A minha evolução de atleta normal para se tornar atleta de ponta eu devo a ele. Não só a ele, mas a toda a comissão técnica da seleção, aos médicos. Ele que me deu a chance. Ele e o Ricardo Tabach [assistente de Bernardinho] que me lapidaram. Eu sou um cara que sou na quadra o que sou dentro de casa. A relação que eu tenho com meus amigos, com meus filhos, com a minha família eu tenho com o Bernardo e com todo mundo da seleção. Alguns que estão na seleção têm meio que um medo de chegar pela figura do Bernardo. É lógico, pelo respeito que ele impõe, mas eu tenho uma relação muito boa com ele, de tantas brigas que nós já tivemos. Eu e ele e ele comigo. De brigar feio mesmo e ser uma briga honesta e sincera. De olhar no olho e você se abraçar e dizer: ‘Estamos juntos’. É o cara que tem de estar à frente da seleção brasileira, sempre foi. E o vôlei deve muito a ele pelo que ele fez. 

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