Quarteirão de Ipanema ajuda a moldar sonho de pódio do Brasil na Rio-2016
Não é apenas por terem nascido no Rio de Janeiro que os brasileiros Evandro Júnior, 25, e Pedro Solberg, 30, vão jogar em casa nas Olimpíadas deste ano. A dupla, uma das representantes do país no torneio masculino de vôlei de praia da Rio-2016, treina e mora em Ipanema, a menos de seis quilômetros de onde a arena dos Jogos será posicionada. Também é ali que eles montaram toda a estrutura de fisioterapia, massagem, psicologia e musculação. A preparação de uma das maiores esperanças de pódio para o país está diretamente ligada a um raio de poucos metros.
Evandro e Pedro vivem em andares diferentes do mesmo prédio numa rua que fica exatamente em frente ao ponto da praia em que é armada a rede de treino deles. Os apartamentos dos jogadores têm estrutura para que todo o trabalho complementar seja realizado ali – a exceção é a parte de musculação, mas a academia que a dupla frequenta fica a menos de um quarteirão.
“A gente queria ir até os profissionais, mas no início do ano houve uma reunião, e eles decidiram fazer tudo em prol da gente. Montaram um pouco das coisas na minha casa e um pouco das coisas na casa do Pedro”, relatou Evandro em entrevista exclusiva ao UOL Esporte. “Tudo fica no mesmo quarteirão. A fisioterapia fica aqui: metade no meu quarto e metade no quarto do Pedro. Nosso psicólogo atende em casa, nossa massagista atende em casa. Tudo isso faz parte do nosso centro de treinamento”, completou.
A comissão técnica dos dois jogadores de vôlei de praia tem hoje dez profissionais (dois técnicos, preparador físico, fisioterapeuta, nutricionista, massagista, psicólogo, fisiologista e dois auxiliares). A estrutura é bancada pelo conjunto e pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil).
“Que bom que está tudo perto. Tem minha academia aqui, e eu vou andando para a academia. Tem o supermercado em que eu faço compras, e eu vou andando para o supermercado. Tem o restaurante em que eu almoço quase todo dia, e eu vou andando para lá. Meu treino, então, nem se fala: a praia é aqui na frente. Ainda tem isso: a gente é atendido em casa. O fisioterapeuta, a massagista, nosso psicólogo. É uma facilidade muito grande. É perfeito para a gente. Está sendo muito bom poder usufruir desse quarteirão”, contou Pedro.
A rotina enclausurada em um quarteirão também facilita o controle sobre os dois. Evandro e Pedro são marcados de perto pelos integrantes da comissão técnica e pelos próprios parentes. Ambos têm feito rotinas semelhantes de controle para a Rio-2016.
“Dá um pouco de trabalho”, admitiu Ana Oliveira, mãe de Evandro. “Um hambúrguer, aquele X-Tudo, cachorro quente. Agora tem um bom tempo que ele não come. Tanto é que ele conseguiu ganhar a forma que precisava, porque nas férias ele tinha abusado um bocado. Ele fechou totalmente a boca, mas a tentação é esse feijão com arroz. Ele não consegue deixar de comer”, adicionou.
“Sou fissurado. Gosto muito. Na maioria das vezes em que eu engordei foi por causa de arroz e feijão. Tenho prazer de comer. Principalmente quando a gente fica lá fora jogando. Quando eu volto, só penso nisso”, reconheceu Evandro.
No caso de Pedro, o desafio é com outro tipo de alimentação: “Eu gosto mais de doce. Gosto muito de torta, bolo, biscoito, Coca-Cola. Adoro. Também gosto de beber, mas faz parte. Para tudo tem sua hora, e agora não é hora, mesmo”.
Idealizada por Pedro, preparação em Ipanema expõe diferenças entre jogadores
A concentração do trabalho da dupla em Ipanema tornou-se possível depois de Evandro ter se mudado para o bairro. Pedro sempre morou na região e treina no mesmo local desde garoto – o conjunto que vai representar o Brasil na Rio-2016 foi formado há menos de dois anos.
“Eu sempre treinei aqui. Essa rede sempre foi a minha rede. Jogo aí desde garoto. Então, já gostava e já pensava nessa ideia de quanto mais próximo eu morar do meu centro de treinamento, mais fácil vai ficar minha vida. Dei a sorte de encontrar um apartamento aqui do lado e sorte de ter vagado o apartamento lá debaixo para o Evandro”, contou Pedro, que é filho da ex-jogadora de vôlei Isabel.
Mais experiente da dupla, Pedro também detém o histórico com mais altos e baixos. Foi o mais jovem campeão do circuito mundial de vôlei de praia (em 2008) e brigou pela vaga olímpica no ciclo de Londres-2012. Foi acusado de doping no ano que precedeu os Jogos – e depois inocentado.
Evandro viveu em São Paulo durante boa parte da adolescência, depois de ter sido aprovado em uma peneira de vôlei de quadra do Banespa. Migrou para a praia apenas em 2009 e vive atualmente o auge da carreira – a dupla encerrou a temporada passada com o segundo lugar no ranking mundial da modalidade.
As diferenças entre os dois, contudo, não se resumem a hábitos culinários ou experiência no vôlei de praia. O fato de trabalharem e viverem juntos quase todo o tempo expõe aspectos em que essas características opostas são mais evidentes.
“O Pedro é mais ansioso, mais ligado, mais elétrico, e o Evandro é bem mais relaxado, mais calmo, até preguiçoso às vezes. A gente tem de botar os dois no ritmo para que eles tenham uma sintonia boa”, contou Ednilson Costa, um dos técnicos da dupla.
Em casa, por exemplo, Evandro mora sozinho. Recebe visitas constantes da mãe, Ana, e da irmã, Luana. Há alguns meses, as duas costumam ser acompanhadas por Sheik, um cachorro maltês que é a nova mascote da família. Pedro vive com a namorada. Também tem a mãe, Isabel, como companhia frequente, mas costuma dividir o tempo livre entre aulas de violão e restaurantes da região.
A própria relação com o esporte distancia os dois membros da dupla. Evandro é flamenguista e curte basquete (é fã especialmente de Stephen Curry, armador norte-americano do Golden State Warriors). Pedro prefere o tênis para acompanhar ou jogar nas férias, mas o segundo esporte dele é o surfe. “É a única coisa que eu vou praticar quando acabar a carreira no vôlei”.
“É uma relação de casal, mas sem sexo. Tomamos café da manhã juntos, almoçamos juntos, jantamos juntos. A gente ficou no Circuito Mundial do ano passado. Foram três ou quatro meses lá fora, direto, e a gente chegou a um ponto em que não aguentava mais um olhar para a cara do outro. Mas é assim, e se tiver de ser assim vai ser. Por mais que sejam meses ou anos convivendo assim. O que nós podemos ganhar é bem mais importante”, ponderou Evandro.
Em quadra, personalidades da dupla são bem mais parecidas
O curioso é que Evandro e Pedro, com diferentes personalidades e histórias de vida que são distantes, são reconhecidos como uma dupla com muitas similaridades em quadra. Ambos são jogadores de ataque e bloqueio, o que é pouco comum no circuito internacional – o mais normal é que pelo menos um dos integrantes da dupla seja mais defensor.
Outro aspecto em que os dois se parecem é o fator anímico: Evandro e Pedro são jogadores de vibração e cobrança constante em quadra.
“O Evandro é um cara que tem uma estatura diferenciada. Um cara que tem 2,11m naturalmente tem vantagem sobre os outros. Só que obviamente não basta ter apenas essa vantagem. Tem de ter uma vontade, uma alegria, e o Evandro sempre me passou isso. Sempre apostei nele e sempre acreditei que ele ia acabar virando um dos melhores jogadores do mundo”, elogiou Pedro.
“Eu sou mais novo, nunca passei por isso que estou vivendo agora, e o Pedro já viveu duas corridas olímpicas. Lógico que eu sou mais cobrado por nunca ter passado por isso tudo, mas o Pedro deixa livre para que eu fale. É uma parceria em que não só o experiente fala. O mais novo pode puxar. É uma parceria bacana e tem dado supercerto”, avaliou Evandro.
Fora de quadra, a dupla ainda tem em comum a proximidade com a família. “A gente tem uma história de vida bem diferente, mas a gente tem coisas muito parecidas. E coisas muito importantes de olhar para o mundo, como a relação com a família. O Evandro tem uma relação com a família que é muito parecida com a relação que eu tenho com a minha família. A mãe dele é muito próxima, a irmã dele é muito próxima. Elas contam muito com ele, e ele conta muito com elas. Ele tem os amigos verdadeiros de infância e mantém isso, coisa que eu também tenho. Meus amigos são meus amigos até hoje. Acho que a gente tem pessoas de lugares diferentes, mas nossa relação é muito parecida”, contou Pedro.