Ativista cria loja de lembranças críticas da Rio-2016 e recebe ameaças
“Aqui a reação tem sido muito boa. Estou aqui do lado para explicar e conversar. Na internet é que há outros tipos de retorno: tem gente falando que deseja que aconteça um monte de coisa ruim para eu precisar da polícia. Algo como ‘Espero que você seja assaltado, estuprado ou morto para você precisar da polícia e depois mostrar sua crítica a eles’. Esse tipo de ameaça”.
Menos de 24 horas depois de ter publicado na rede social Facebook um vídeo sobre sua primeira exposição, o ativista social Rafael Puetter, conhecido como Rafucko, ainda estava impressionado com a diferença de reação das pessoas a uma intervenção que simula uma loja de souvenires dos Jogos Olímpicos Rio-2016 para falar sobre a violência do Estado contra os cidadãos. “Publiquei o vídeo ontem. A maior parte das pessoas apoia, mas as pessoas que são contrárias gritam bem alto e de forma assustadora”, relatou.
Rafucko, na verdade, tem lastro na internet. Publicou o primeiro vídeo no Youtube em 2008 e mantém há três anos um site com posts que abordam questões de cunho social – violência do Estado, mídia, indígenas e remoções estão entre os temas mais recorrentes. O ativista chegou a fazer um talk show com entrevistas de políticos e artistas sobre esses assuntos.
Usar a Rio-2016 como mote é algo que o ativista vinha trabalhando internamente. A oportunidade surgiu em uma convocatória pública para uma residência, que teve exposição em março no galpão Bela Maré, situado no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, e agora está sendo transferida para o Centro de Arte Hélio Oiticica, no centro da cidade. As obras foram abertas para o público no dia 2 de abril e permanecerão até o dia 21 de maio.
“O nome do projeto é composições políticas, e a gente tinha de trabalhar a partir de uma imagem que saiu na mídia nos últimos dois ou três anos. Cada um escolheu uma imagem”, contou Rafucko. “Meu projeto é uma performance de venda de souvenires”, completou.
A diferença é o conteúdo das lembrancinhas. São produtos comuns em qualquer loja de souvenires, como canecas, sandálias e cartões postais, mas não há imagens dos pontos mais visitados ou conhecidos do Rio de Janeiro. Em vez disso, as estampas têm imagens críticas sobre o comportamento da Polícia Militar e a remoção dos moradores da Vila Autódromo, comunidade que foi desalojada para dar lugar ao Parque Olímpico da Barra da Tijuca.
“Eu fui a lojas de souvenir, mas não à loja oficial do Rio, para pegar ideias do que se vende como lembrança do Rio de Janeiro. Tentei reproduzir essas lembranças, mas com fotos e imagens de lembranças que eu acho que devem ser levadas também. No caso, a violência, que não é apenas policial”, disse o artista.
Os souvenires estão sendo realmente vendidos, e os custos são destinados a bancar a produção. A quantidade é pequena (Rafucko fez apenas três versões de cada mascote e dez canecas, por exemplo). A maior parte do estoque já foi comercializada. “A ideia de usar o logo oficial vem de como a cidade violenta os cidadãos. O que seria um souvenir sincero? O que seria uma lembrança sincera para a população? Acho que seriam esses”, explicou o idealizador do projeto.
O foco das estampas é a violência do Estado, e Rafucko ainda queria retratar isso com a poluição. No entanto, o artista não conseguiu viabilizar tecnicamente um souvenir que fizesse menção a isso.
“É muito absurdo que você tenha vários tipos de violência. A cidade que é sede dos Jogos Olímpicos, que todo mundo está vendo e que todo mundo vai visitar, tem tudo isso. Acho que a partir do momento em que todo mundo está celebrando e usando a cidade de certa forma esses problemas passam a ser pertinentes a todos. As pessoas precisam saber”, concluiu. Rafucko não pretende ver nenhuma competição da Rio-2016 e tampouco pediu autorização do comitê organizador para utilizar o logotipo oficial do evento. Consultados pelo UOL Esporte, os responsáveis pela competição disseram que se trata de uma manifestação artística e minimizaram a situação – o uso de símbolos do torneio em ações comerciais é proibido pelo Ato Olímpico, assinado em 2009, que é uma lei federal.