Rio rescinde contrato e abandona último legado ambiental da Olimpíada
Nenhum dos grandes projetos ambientais ligados à Olimpíada será concluído antes do início dos Jogos. Após o governo do Rio atrasar a despoluição da Baía de Guanabara e a limpeza das lagoas da região do Parque Olímpico, foi a vez da prefeitura abandonar o projeto de recuperação de rios cariocas anunciado com legado da Rio-2016 para a cidade.
A limpeza e canalização dos rios, todos da Bacia de Jacarepaguá, estão previstas no chamado caderno de encargos dos Jogos Olímpicos de 2016 –documento que reúne compromissos assumidos por conta do evento. Mesmo assim, a execução dos serviços prometidos ao COI (Comitê Olímpico Internacional) parou no final do ano passado após sucessivos atrasos.
Por conta desses atrasos, aliás, a prefeitura do Rio rescindiu no final de dezembro o contrato que mantinha com o Consórcio Rios de Jacarepaguá para a recuperação da hidrográfica da região. O consórcio é formado por duas construtoras, a Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia. Ambas estão envolvidas em esquemas de corrupção apurados na Operação Lava-Jato.
As empresas foram contratadas em 2011 para recuperar seis rios cariocas (Covanca, Pechinca, Tindiba, Banda da Velha, Rio Pequeno e Rio Grande). Receberiam quase R$ 236 milhões pelos serviços, que deveriam ter sido concluídos ainda em 2014. Naquele ano, porém, atrasos viraram tema de cobranças administração municipal sobre as empresas. Em 2015, as construtoras foram novamente advertidas. Em dezembro, acabaram afastadas do projeto.
A recuperação dos rios de Jacarepaguá é monitorada pela SMAR (Secretaria Municipal de Saneamento e Recursos Hídricos). No final de fevereiro, o UOL Esporte procurou o órgão para obter informações sobre a rescisão do contrato para limpeza dos rios e o futuro do projeto após o afastamento da Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia. Ainda não obteve resposta.
Em comunicado, a SMAR afirmou que continua agindo para a recuperação da Bacia de Jacarepaguá –não informou como. Segundo o órgão, 14 rios devem ser limpos dentro do projeto atrelado aos Jogos Olímpicos, ao custo de R$ 370 milhões. Em nove deles, as obras já foram concluídas. Em pelo menos três rios, o trabalho está inacabado: Covanca, Pechincha e Tindiba. Todos estavam sendo recuperados pela Andrade Gutierrez e a Carioca.
O prefeito Eduardo Paes minimizou a questão: “Já fizemos quase tudo por lá”, afirmou ele, questionado sobre a execução do projeto. “Está tudo praticamente pronto.” Procuradas, Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia não se pronunciaram.
Legados ambientais ‘engavetados’
Além da recuperação da bacia de Jacarepaguá, a prefeitura do Rio se comprometeu a instalar UTRs (unidades de tratamento de rios) em cursos d’água que desembocam na região do Parque Olímpico por conta da Rio-2016. O projeto não saiu do papel. A SMAR informou que a instalação só será feita quando o governo do Estado limpar as lagoas de Jacarepaguá, outro compromisso olímpico.
A limpeza das lagoas não avançou. O governo chegou a assinar um contrato para a execução do trabalho. Problemas no licenciamento ambiental da obra atrasaram seu início. A SEA (Secretaria Estadual do Ambiente) já admitiu que, até o início da Olimpíada, as lagoas não estarão limpas.
O mesmo acontece que a Baía de Guanabara. A despoluição do espaço seria o grande legado da Olimpíada. Estimou-se que, em 2016, 80% do esgoto que é despejado no local seria tratado. O governo do Estado trabalha para que esse percentual chegue a 60% até a Olimpíada.
O único projeto da área de meio ambiente ligado à Rio-2016 que, oficialmente, está em dia é o do saneamento da zona oeste do Rio, tocado pela prefeitura. Acontece que ele, planejadamente, não ficará pronto para a Olimpíada. A expectativa é que só a primeira fase da iniciativa seja concluída para os Jogos.
Ambientalistas lamentam
“Infelizmente, não consigo ver legado ambiental nenhum”, afirmou o engenheiro ambiental David Zee, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). “O governo prometeu coisas importantes. Nada saiu do papel, a não ser as arenas olímpicas e as obras de transporte.”
Zee acompanha a situação de rios e lagoas de Jacarepaguá. Disse que a recuperação dos espaços beneficiaria toda a população carioca. Ele disse, porém, que o Poder Público não enxergou esse benefício. Preferiu focar esforços em obras de instalações esportivas, as quais “têm uso muito específico. ”
“Foi perdido muito tempo. Agora, enquanto inauguramos novos ginásios, os rios que passam ao lado do Parque Olímpico são verdadeiros valões de esgoto.”
O biólogo Mario Moscatelli ratifica a avaliação de Zee. Segundo ele, a Olimpíada de 2016 quase não terá legado ambiental. “Nada de estrutural foi feito”, disse ele. “Há iniciativas pequenas e pontuais. Mas, levando em consideração o que foi prometido, trocaamos um Porsche V8 por uma Fusca 67.”