! Como a prefeitura derruba casas e intimida moradores por obras da Rio-16 - 26/02/2016 - UOL Olimpíadas

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Como a prefeitura derruba casas e intimida moradores por obras da Rio-16

Júlio César Guimarães e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

Ainda era cedo quando Altair Guimarães foi avisado por vizinhos. A casa simples que ele havia recém-construído na Vila Autódromo estava sendo demolida pela prefeitura do Rio. Tratores escoltados por agentes da Guarda Municipal chegaram por volta das 7h da manhã do último dia 11 no bairro ao lado do canteiro de obras do Parque Olímpico. Altair estava fora. Viajara durante o Carnaval. Quando chegou à comunidade, já era mais um morador removido para dar espaço a obras para a Olimpíada de 2016.

“Fiquei sabendo da demolição quando ela já estava acontecendo”, conta Guimarães, que tem 61 anos e é o atual presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo. “Chegaram aqui com mandados judiciais em nomes de pessoas que ninguém nunca ouviu falar na comunidade. O pessoal até tentou resistir. Mas quando eu cheguei, a casa já estava no chão.”

Naquele mesmo dia, outras duas casas foram demolidas a poucos metros da principal área de competições da Rio-2016. Um mês antes, em 5 de janeiro, outra moradia vizinha ao Parque Olímpico havia sido posta abaixo. Já na última quarta-feira (24), foi a vez de a Prefeitura remover do bairro a sede da associação de moradores e a casa de Heloísa Helena Costa Berto, mãe de santo conhecida como Luizinha de Nanã.

“A Prefeitura conseguiu na Justiça a imissão de posse do imóvel às 22h do dia anterior. De tarde, conseguiram o mandado para demolição. Às 17h, já estavam com o circo armado para derrubar minha casa. A demolição não durou nem dez minutos”, diz Pedro Berto, 24 anos, filho de Heloísa Helena.

Casas ficam no caminho de novas avenidas, diz prefeitura

2016, definitivamente, não tem sido fácil para os moradores da Vila Autódromo. Conforme o início da Olimpíada se aproxima, a Prefeitura intensifica ações para a extinção do bairro existente há cerca de 50 anos ao lado de onde fica hoje o canteiro de obras do Parque Olímpico.

O município alega que precisa retirar da Vila Autódromo casas que ficam no caminho do projeto de ampliação de uma das avenidas que dá acesso à maior parte das instalações esportivas da Olimpíada. O projeto, porém, nunca foi divulgado pela prefeitura, apesar da cobrança de moradores.

A administração afirma também que algumas casas estão sendo demolidas pois ficam à beira da Lagoa de Jacarepaguá, contrariando a legislação ambiental. Antes que as derrubadas começassem, entretanto, o prefeito Eduardo Paes admitiu que quem quisesse poderia permanecer no bairro mesmo com a chegada da Rio-2016.

Luz já foi retirada e moradores vivem em meio a entulho

Acontece que, na prática, não é isso que tem ocorrido. Faltando menos de seis meses para a Rio-2016, cerca de 50 famílias ainda vivem Vila Autódromo – há três anos, eram 600. Das que ficaram, quase todas resistem a sair do bairro. Todas descrevem diversas formas de pressão exercidas pela administração municipal para que elas aceitem deixar o bairro em troca de uma indenização ou de um apartamento em um condomínio construído por meio do Minha Casa, Minha Vida.

“Todo dia é um problema diferente no bairro”, relata Luiz Cláudio Silva, 52 anos. “Vivemos em meio a entulho de casas demolidas e buracos deixados por tratores. A prefeitura também já mandou retirar os postes de luz, dividiu o bairro com tapumes e a toda hora manda a Guarda Municipal fazer operações no bairro. Tudo isso é para nos forçar a sair. Mas por que não podemos ficar?”

Luiz Cláudio é professor e mora na Vila Autódromo há 24 anos. Sua casa não fica à beira da lagoa. Segundo ele também, nunca foi apresentado um projeto que comprove que o imóvel onde ele vive atrapalha a ampliação da avenida que leva ao Parque Olímpico. Mesmo assim, a prefeitura busca na Justiça o direito de pôr abaixo sua moradia.

“Minha casa foi incluída num decreto assinado pelo prefeito no ano passado e considerada como de interesse público. Agora, interesse de quem? Eles vão é dar o meu terreno para as construtoras do Parque Olímpico, que depois da Olimpíada vão construir condomínios de luxo por aqui”, reclama.

O defensor aponta ilegalidades na atuação da prefeitura

João Helvécio de Carvalho é coordenador do Nuth (Núcleo de Terras e Habitação) da Defensoria Pública do Rio. Ele atua na defesa dos moradores da Vila Autódromo e aponta uma série de ilegalidades na tentativa da prefeitura de remover o bairro.

Segundo ele, a prefeitura ignora o direito à moradia de cidadãos para realizar obras para a Olimpíada. Utiliza-se ainda de uma legislação da época da ditadura de Getúlio Vargas para obter na Justiça o direito de demolir imóveis ocupados por quem não quer deixar a Vila Autódromo. “A Prefeitura obtém imissão de posse dos imóveis com base numa lei de 1941. A lei está em vigor, mas ela deve ser aplicada com respeito ao que diz a Constituição. Isso não tem sido feito”, afirma Carvalho.

O defensor lembra ainda que, em 2013, antes do início das demolições na Vila Autódromo, moradores elaboraram junto com arquitetos e urbanistas um plano de urbanização do bairro condizente com as necessidades olímpicas do Rio. Esse plano foi premido num concurso internacional de urbanismo, o Deutsche Bank Urban Age Award. Previa o investimento de R$ 14 milhões na comunidade.

Carvalho diz ainda que o estudo nunca foi levado em conta pela prefeitura. Segundo moradores, mais de R$ 200 milhões já foram gastos pelo município para indenizar as cerca de 550 famílias que aceitaram deixar a Vila Autódromo após a prefeitura anunciar que precisaria realizar demolições no bairro. Parte dessas famílias comprou um outro imóvel fora do bairro e outra vive hoje no condomínio de apartamentos construído na mesma região da Vila Autódromo.

A Prefeitura do Rio de Janeiro foi procurada pelo UOL Esporte há uma semana para comentar acontecimentos relatados pelos moradores. Não respondeu.

No início do mês, o prefeito Eduardo Paes voltou a declarar que demolições são necessárias para a Olimpíada. Disse ainda que nem todos os moradores da Vila Autódromo precisarão deixar o bairro. Segundo ele, está em negociação um projeto para urbanizar o local depois que as remoções necessárias forem concluídas.

No sábado (27), moradores da Vila Autódromo farão uma apresentação da versão atualizada do plano popular de urbanização do bairro. Paes foi convidado.

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