Bernardinho admite insônia por Rio-2016 e angústia com crise política
Bernardinho tem perdido o sono. Comandante da seleção brasileira de vôlei masculino há 15 temporadas, o treinador de 56 anos foi um dos artífices do período mais vitorioso do país na história da modalidade. Empilhou títulos na mesma proporção em que consolidou um estilo extremamente passional - gritos e reações efusivas na beira da quadra, dedicação total fora dela. Agora, dois fatores têm contribuído para deixar o técnico preocupado. A menos de três meses de encarar a pressão de ser anfitrião dos Jogos Olímpicos, ele tem acompanhado com angústia a crise política em que o país está imerso.
Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, em meio a uma sessão a outra de treinos em Saquarema (RJ), Bernardinho admitiu que tem trabalhado para evitar a insônia decorrente da preocupação com a Rio-2016. O comportamento do treinador sobre os Jogos beira a obsessão. “Essa paranoia extrapolou os dias e começou a ir para as noites”, disse o treinador.
No entanto, a preparação do Brasil e o estudo sobre os rivais não são os únicos motivos de preocupação para o técnico. Bernardinho também está aflito com os rumos políticos do país, que vive um caos político a menos de três meses da abertura dos Jogos Olímpicos.
Confira abaixo os principais trechos da conversa:
A crise política e a preocupação de Bernardinho com os rumos do país
O que me preocupa muito é a qualidade dos nossos políticos. Ao ver a votação, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado federal, me preocupa ver que a maior parte dos nossos representantes é de má qualidade – e óbvio que há exceções nos dois casos. Eles não têm a capacidade, o conhecimento ou o conteúdo para estar ali nos representando num poder tão importante quanto é o legislativo. Mais do que isso, eles levam muito para o pessoal. Não debatem ideias e debatem pessoas. Esse é um problema do país. Não do político brasileiro, mas do país como um todo: a falta de lideranças porque é um país de muitas transgressões. São transgressões permanentes. Isso aqui é uma coisa corriqueira, que todo mundo faz, e aí não é crime de responsabilidade ou não é. As transgressões corriqueiras são vistas como menos graves, e então não tem problema. Se é uma transgressão, é uma transgressão. Não importa a natureza. E eu falo isso não apenas sobre a ex-presidente ou não, mas de qualquer pessoa. Elas levam as coisas muito naturalmente ou normal do cotidiano, mas é do brasileiro.
Técnico admite angústia sobre debate político
Eu particularmente acho que é um momento de angústia. Nenhum brasileiro pode estar feliz com o momento que o país vive. Não pode estar nem mesmo confiante porque você não enxerga líderes que inspirem imaginar que no futuro próximo teremos um futuro melhor. É fruto de preocupação. A gente olha para frente, para as futuras gerações, e eu vejo meu papel um pouco assim. Quem sabe tentar ajudar a criar condições para que uma outra geração que não a minha, porque não será a minha que vai transformar isso, possa mudar isso. Vejo cada vez mais a repulsa em relação à política. As pessoas não querem de forma alguma participar.
Para Bernardinho, crise política prejudica o brilho da Rio-2016
Quanto à questão de Olimpíada e de como está o clima, é um momento complicado. Eu, particularmente, tenho muitas frustrações em relação ao país. Isso tira um pouco essa coisa do brilho da Olimpíada. É um país em que muitas vezes eu questiono se há prioridades. Há tantos investimentos em tantas coisas, mas você vê no Rio de Janeiro um hospital fechando por falta de verbas e escolas desocupadas.
Expectativa para a Rio-2016 faz Bernardinho sofrer com insônia
Eu tenho até me controlado e tentado me trabalhar para que as noites não sejam de péssima qualidade. Algumas noites começaram a ser ruins porque este é um ano muito difícil por vários aspectos. Primeiramente pelo aspecto humano: você gera frustrações quando não convoca alguns jogadores que têm expectativa. Ao mesmo tempo, tem uma preocupação com a performance melhor possível, e para isso você precisa ter uma equipe preparada. São muitos aspectos a serem considerados, e algumas das minhas reflexões e decisões que vão ter de ser tomadas num breve espaço de tempo já começam a não apenas fazer parte do meu dia, mas da minha noite. Essa era uma preocupação que eu tinha do ponto de vista pessoal: faltam três meses para as Olimpíadas, mas desde já perder a qualidade das noites e não conseguir dormir direito pensando nessas coisas todas. Essa paranoia extrapolou os dias e começou a ir para as noites. Tenho de trabalhar para que eu possa seguir fazendo as coisas que têm de ser feitas e tomar decisões com serenidade, sabendo que fazem parte do processo, por mais duras que possam ser.
Treinador não aponta Brasil como favorito absoluto no vôlei masculino
Você tem adversários que estão numa grande condição, gerações talentosíssimas que algumas equipes têm. Talvez até superiores à nossa, e isso é fruto de preocupação também. Temos de arrumar formas de sermos competitivos contra essas grandes equipes.
Por que Bernardinho está preocupado com o fato de jogar em casa
É uma coisa positiva. Você tem a torcida a seu favor. O time tem de estar pronto e consciente de que se der seu máximo e se entregar de corpo e alma ali a torcida vai estar empurrando e vai estar junto. Todo mundo quer jogar em casa. A única coisa que me causa preocupação são os grandes elementos que podem tirar o foco: uma família que quer um ingresso difícil de conseguir, um amigo que surge na Vila para visitar. O voleibol vive uma pressão grande por ser um esporte que tem trazido medalhas historicamente. Existe uma expectativa por medalha, e o fato de ser em casa com torcida pode aumentar um pouco isso, mas o jogador brasileiro tem de estar acostumado com essa pressão por resultado. O que me preocupa mais é essa possibilidade de perda de foco, de elementos “intrusos” e externos tirarem a concentração ideal que um momento como esse exige.
Por que o vôlei masculino do Brasil vai trabalhar com um psicólogo para a Rio-2016
É um psicólogo que já trabalhou conosco no início da geração anterior, em 2002 e 2003, no Mundial da Argentina e na Copa do Mundo do Japão. Já esteve conosco e tem conhecimento de alguns jogadores que estão aqui e do trabalho que é feito. Pode ser essa ferramenta a mais para dar esse algo mais e trabalhar especificamente o que nós vimos nesses dois ou três anos em termos de necessidades individuais e de como eles vão lidar com essa pressão. Alguns jogadores que serão protagonistas numa competição em que nunca participaram, como o Lucarelli. Ele estava em Londres num projeto de vivência olímpica, mas não foi efetivo. Hoje ele é um protagonista nesse processo, mas como ele vai lidar com esse peso do protagonismo numa competição tão importante?