Olimpíadas 2016

Confederação de rúgbi quer convencer torcida a não vaiar rivais do Brasil

Divulgação/CBRu
Torcida celebra try do Brasil em partida de rúgbi contra Uruguai imagem: Divulgação/CBRu

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

Na última vez que houve competição de rúgbi na Olimpíada, os Estados Unidos levaram a Paris-1924 uma seleção cheia de jogadores de futebol americano, chegaram à final contra os franceses e surpreenderam os donos da casa, alcançando a medalha de ouro após uma vitória por 17 a 3.

A seleção anfitriã, favorita absoluta àquela altura, reagiu bem à derrota. A torcida não. Um dos americanos recebeu uma garrafada na cabeça e caiu desacordado, enquanto a multidão tentava chegar ao campo para pegar os outros. A cerimônia de entrega de medalhas aconteceu ao som de vaias e insultos. Os americanos precisaram sair do estádio escoltados sob uma chuva de cuspe e pedras.

Assim acabou a história do rúgbi olímpico, que começa a ser reescrita agora em 2016, no Rio, quando o esporte voltará ao programa dos Jogos.

De 1924 para cá, pode-se dizer que o rúgbi evoluiu e conseguiu consolidar um código de conduta e de valores morais, entre os quais um item ganhou destaque entre todos os outros: o respeito absoluto ao adversário. Tornou-se conhecida, por exemplo, a tradição de o time anfitrião oferecer comida, bebida e presentes aos rivais depois de cada partida, independentemente do resultado em campo.

Considerado um dos primos mais jovens do rúgbi, o futebol traçou um caminho diferente. No esporte mais popular do planeta, adversários são vistos às vezes como inimigos em uma guerra que pode começar em campo e extrapolar às arquibancadas. 

Por isso, quando a seleção brasileira de rúgbi recebeu a uruguaia no último sábado e a torcida da casa passou a vaiar e xingar insistentemente os jogadores de azul, um anúncio no telão do estádio Allianz Parque soltou algo como: “Silêncio, por favor. No rúgbi devemos respeitar nossos adversários!”

O mesmo pedido foi feito pelo locutor oficial da partida e recebido com vaias ainda mais intensas. Os apupos e xingamentos se concentraram nos momentos de maior tensão, como quando o chutador uruguaio se preparava para cobrar penalidades — uma situação que exige concentração absoluta do atleta.

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João Luiz da Ros, o Ige, capitão da seleção brasileira de rúgbi contra o Uruguai imagem: Divulgação/CBRu

"O pessoal vem com a mentalidade do futebol, mas aqui [no rúgbi] tem que funcionar diferente", disse após a partida João Luiz da Ros, capitão brasileiro, incomodado com o tratamento oferecido aos rivais. "Mas é um trabalho de educação que precisa ser feito pouco a pouco."

A confederação brasileira concorda com isso e já avisou que vai continuar tentando convencer a torcida a fazer silêncio respeitoso quando os adversários do Brasil precisarem de concentração.

“[As vaias] São um reflexo do fato de que o esporte está ganhando novos fãs, e a maioria está acostumado com o futebol, onde vaiar o outro time é algo normal”, disse em bom português o CEO da confederação brasileira, o argentino Agustín Danza. “No rúgbi, você respeita totalmente seu adversário, você não vaia, não xinga. Faz parte da cultura do esporte e é nosso trabalho passar essa mensagem ao público.”

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Moisés Duque diz acredita que a pressão da torcida faz parte da atmosfera do estádio imagem: Divulgação/CBRu

O tema, claro, é controverso. Moisés Duque, o chutador da seleção brasileira, acredita que a participação da torcida, seja com apoio ao time da casa ou vaiando os visitantes, faz parte da composição da atmosfera do estádio. Ele, porém, é contra xingamentos pois isso não "faz parte do espírito do rúgbi" e defende a campanha de educação dos torcedores.

É curioso vê-lo se preparar para chutar uma bola. Ele a equilibra em uma base de plástico feita especialmente para isso, dá alguns passos para trás e dois para o lado, enquanto olha fixamente para aquele objeto ovalado que precisa ser chutado em um ponto muito específico ou tudo estará perdido.

Quando se sente pronto, Duque balança o corpo de um jeito engraçado, dá um último passo para trás e inicia a corrida em direção à bola, encontrando-a com um chute potente de direita. Foi assim que ele converteu uma penalidade em fevereiro, que virou a maior a vitória da história do rúgbi brasileiro, um 24 a 23 sobre os EUA em Barueri.

Quando Duque joga em casa, esse momento de concentração máxima é acompanhado de um silêncio sepulcral. Quando joga fora, há barulho. "Para mim, dá no mesmo", comentou o jogador, quando questionado sobre se vaias o atrapalham de alguma forma. 

A comunidade internacional do rúgbi parece estar um pouco mais preocupada com essa questão e, depois que cenas de vaias e xingamentos contra rivais foram vistas na Copa do Mundo no ano passado e em torneio interclubes deste ano, não foram poucos os analistas que se perguntaram, alarmados: "O rúgbi está virando o futebol?"

Identidade

Mas tudo pode ser apenas uma questão de ponto de vista, claro. Para muita gente que admira os altos valores morais do rúgbi, vaiar o adversário não significa necessariamente desrespeitá-lo: seria apenas uma tentativa inocente de tentar influenciar no resultado de um jogo.

“Vaiar o time rival chega a ser normal em muitas culturas”, opinou o torcedor e jogador amador de rúgbi Rafael Takano, que esteve no último sábado no Allianz e confessa ter apupado os uruguaios.

“Acontece que na Irlanda surgiu essa tradição de fazer silêncio absoluto na hora do chute do adversário, mas isso também é uma forma de pressão respeitosa. O que precisamos é criar uma identidade nossa e não importar uma cultura estrangeira que não faria sentido nenhum aqui.”

Takano, que já morou na Nova Zelândia, contou sobre o curioso caso do Waikato Chiefs, uma popular equipe de lá, cujos torcedores levam ao estádio imensos sinos para chamar vacas e ficam tocando-os sem parar numa tentativa de desconcentrar os rivais.

Um dia, a administração de um estádio em Wellington proibiu a entrada desses sinos alegando questões de segurança. Os adversários podem ter contemplado alguns segundos de paz e silêncio, mas os neozelandeses não se fizeram de rogados: dias depois, criaram um aplicativo de celular para reproduzir digitalmente o som dos sinos de vaca.

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