Controle antidoping rígido incomodou COB e confederações antes da Rio-2016

Eduardo Ohata e Gustavo Franceschini
Do UOL, no Rio de Janeiro
COB/Divulgação
Marcus Vinicius Freire, do COB, se queixou do número de exames antidoping feitos em 2016

Nos últimos seis meses, a rigidez do controle antidoping brasileiro aumentou. De olho na Olimpíada, a ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem) intensificou os exames-surpresa e atletas chegaram a ser avaliados duas vezes em uma mesma semana. A frequência incomodou o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e boa parte das principais confederações do país.

“Trabalhei por seis anos em órgãos que combatem o doping. Nunca reclamamos por ter de realizar exames, mas sim pela quantidade exagerada a que os principais atletas eram submetidos pela agência durante a preparação. Em menos de um mês tiveram que fazer 10 testes, isso atrapalhava a preparação”, disse Marcus Vinicius Freire, diretor-executivo do COB, na última quarta, na Vila Olímpica.

“Não foi acima, foi muito acima [do normal]. Sou a favor da rigidez, mas acho o número excessivo. Teve ocasião que o atleta fez exame na casa dele e no treinamento estava o nome de novo. Na mesma semana o cara fez dois exames de doping. Desnecessário”, disse Ney Wilson, gestor de alto rendimento do judô. “Acho que é bom a gente manter sempre fazendo os testes, mas foi demais nos últimos meses. Numa modalidade com nenhum ou quase nenhum histórico de doping. A gente é favorável, mas dentro de um limite razoável", disse Daniel Santiago, diretor-executivo da vela. “Estamos bem alinhados com o COB. Os atletas que estão dentro desse programa têm de colocar a qualquer momento do dia onde eles estão”, completou José Alexandre, diretor-técnico do taekwondo.

Esse sistema mudou. Quem tornou essa rigidez um padrão foi a gestão de Marco Aurélio Klein à frente da ABCD. Em 24 de junho, o laboratório credenciado do Brasil foi suspenso pela Wada (Agência Mundial de Controle de Doping). Na esteira do gancho, Klein foi destituído do cargo pelo Ministério do Esporte. Imediatamente o programa de testes-surpresa foi suspenso, deixando os atletas brasileiros livres de exames do tipo até um mês depois, às vésperas dos Jogos, quando a própria Wada assume o controle.  

A discussão tornou-se pública porque Luiz Horta, membro da antiga gestão da ABCD, disse ao jornal Lance! que COB e Ministério do Esporte pressionaram a agência para diminuir o número de testes. “Querem medalhas, sejam elas limpas ou não”, chegou a dizer o especialista em doping nascido em Portugal. Além de judô, vela e taekwondo, a reportagem consultou representantes de outros seis esportes e, exceção feita ao handebol e ao ciclismo, todos demonstraram alguma insatisfação com o expediente da ABCD.

Frequência de exames está dentro das regras

Os exames consecutivos atendem às normas da Wada (Agência Mundial de Controle Antidoping). A agência permite que se realize até 30 exames em atletas de ponta ao longo de um ano. A proposta da ABCD era que os atletas de ponta fossem testados, em média, seis vezes de janeiro até a abertura da Rio-2016. Só que este cenário é muito diferente do que se via nos últimos anos.

Em 2012, a Wada alertou, durante os Jogos de Londres, que o Brasil precisava incrementar seu controle antidoping – na época o país sequer tinha laboratório credenciado. Responsável pela rigidez recente da ABCD, Marco Aurélio Klein, antigo presidente da agência, chegou a dizer em 2015 ao UOL Esporte que só 20% da base de atletas do país fazia algum tipo de exame antidoping.

Depois da saída de Klein, quem assumiu a agência foi o ex-judoca Rogério Sampaio. Oficialmente, a suspensão dos testes-surpresa não está relacionada à saída do antigo gestor da ABCD, e sim ao fato de que o laboratório brasileiro estava suspenso. 

“Não adianta coletar se não temos como analisar as amostras”, disse Sampaio à reportagem. Em tese, a agência poderia enviar as amostras para serem analisadas fora do país, só que a opção foi descartada. “O laboratório de Lisboa está suspenso, o de Barcelona, sobrecarregado porque o de Madri está suspenso, e o de Bogotá não conseguiria suportar a quantidade, pois é pequeno. Esses laboratórios que citei são públicos, o LBCD tem convênio com eles. Se fosse usar um outro laboratório teria que ser feito um processo licitatório”, completou.

No fim, depois de 2.227 coletas de urina e sangue ao longo de 2016, os atletas deixaram de ser testados a menos de dois meses das Olimpíadas.