Infraestrutura

Ex-membro da ABCD acusa COB e Ministério de diminuírem combate ao doping

O português Luis Horta, que trabalhou de setembro de 2014 a junho deste ano na Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), acusou, em entrevista exclusiva ao jornal "Lance", o Ministério do Esporte e o Comitê Olímpico do Brasil (COB) de "sufocarem" o combate ao doping no país. De acordo com o médico, o interesse das duas entidades seria para que atletas que competirão nos Jogos Olímpicos Rio-2016 não fossem submetidos a testes surpresa às vésperas do evento.

Nas palavras do médico, referência internacional no controle antidoping, o Ministério do Esporte e o COB têm como meta a conquista de medalhas no Rio de Janeiro "sejam elas limpas ou não".

Horta trabalhou na ABCD como consultor internacional contratado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e foi uma espécie de braço-direito de Marco Aurélio Klein, ex-secretário do órgão, que faz parte do Ministério do Esporte.

Klein foi exonerado do cargo no dia 1º de julho pelo atual ministro Leonardo Picciani, que assumiu o Ministério do Esporte em 12 de maio. Ao mesmo tempo, Horta optou por não renovar seu contrato para seguir trabalhando no Brasil. O novo acordo começaria em 2 de julho.

"Decidi deixar a ABCD e não dando continuidade ao contrato que celebrei com a Unesco, por uma questão de proteção da minha dignidade profissional e pessoal", disse Horta, que já exerceu funções dentro da Agência Mundial Antidoping, e foi presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) entre 2009 e 2014.

Horta decidiu fazer suas acusações contra o COB e o Ministério do Esporte apenas quando voltou a Portugal. Neste momento, o médico encontra-se em Lisboa.

Em entrevista por e-mail, o especialista no combate ao doping disse que o Ministério do Esporte e a atual gestão da ABCD (liderada agora pelo ex-judoca Rogério Sampaio) suspenderam os exames fora de competição no chamado Grupo Alvo de Testes, que contém 287 atletas que fazem parte da elite do esporte brasileiro (leia mais ao lado).

Segundo Horta, a interrupção começou 45 dias antes do início dos Jogos Rio-2016 - dia 21 de junho.

"Tratava-se de um momento crucial da política antidopagem do país, relativa à garantia que se estava a dar a todo o Programa Mundial Antidopagem de que as medalhas do Brasil seriam limpas", disse.

Horta também acusou o atual comando do Ministério do Esporte de sufocar as ações da ABCD. Ele, no entanto, preferiu não revelar de que forma isso acontecia.

"Após a entrada em funções do novo responsável máximo pelo Ministério do Esporte e mesmo antes da saída do Marco Aurelio Klein, a ABCD começou a ser sufocada pela máquina administrativa do Ministério do Esporte, precisamente por estar a cumprir as suas obrigações de acordo com Código Mundial Antidopagem, com a Convenção Internacional contra a dopagem da Unesco e com a legislação brasileira relativa a antidopagem", falou.

COB também vira alvo

Luis Horta também fez queixas e críticas em relação ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), especialmente sobre o diretor executivo de esportes, Marcus Vinicius Freire.

De acordo com o médico, houve pressão por parte de Marcus Vinicius para que a quantidade de testes fora de competição no Brasil não fosse tão excessiva.

"A ABCD sempre teve um objetivo que é comum, penso eu, a todos os brasileiros, que o Brasil ganhe muitas medalhas nos Jogos Rio-2016. No entanto, a ABCD sempre desejou ter como objetivo primordial que essas medalhas fossem muitas, mas limpas, o que decerto é defendido pela grande maioria dos brasileiros. Este objetivo, viemos a descobrir, não era partilhado por todos os interlocutores, pois alguns desejam apenas que fossem muitas medalhas, independentemente de serem limpas ou não! Tudo ficou muito claro quando o COB, através do seu dretor executivo (Marcus Vinicius Freire), começou a pressionar a ABCD na pessoa do seu responsável máximo, Marco Aurelio Klein, expressando a sua insatisfação relativa à quantidade excessiva de controles de dopagem fora de competição que estavam a ser realizados pela ABCD nos atletas brasileiros que iram participar Jogos Rio-2016 e à forma rigorosa como a ABCD estava a realizar a gestão das falhas relativas ao sistema de localização (Whereabout)", disse.

Ainda de acordo com Horta, a pressão de Marcus Vinicius Freire sobre o trabalho da ABCD aconteceu por meio de mensagens enviadas por celular a Marco Aurélio Klein, ligações telefônicas e em uma reunião entre as duas entidades na sede do COB, no Rio. O LANCE! falou por telefone com Klein no último sábado, mas ele preferiu não se pronunciar.

"A verdade é que a ABCD incomodou muita gente, porque com a sua isenção e espírito de servir o país, mexeu com muitos interesses instalados há muitos anos na antidopagem do Brasil. A ABCD tratou pela primeira vez a antidopagem como uma política de Estado no Brasil", completou o português.

Ministério do Esporte rebate acusação

O Ministério do Esporte confirmou ao LANCE! que a realização de exames antidoping pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) estão interrompidos neste momento. Em nota enviada na última segunda-feira por meio de sua assessoria, a pasta informou que nenhum teste antidoping foi realizado pela secretaria do ministério entre os dias 1º e 22 de julho - período que coincide com a nova gestão da ABCD, liderada por Rogério Sampaio.

O Ministério do Esporte, no entanto, afirma que o controle foi interrompido por causa da suspensão do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), no dia 22 de junho - o laboratório só foi recredenciado pela Agência Mundial Antidoping em 20 de julho.

"Não houve decisão política alguma de interromper testes. O Ministério do Esporte e a ABCD estão empenhados na luta contra a dopagem no esporte. A interrupção dos testes previstos para o período de 1 a 24 de julho ocorreu única e exclusivamente por conta da suspensão do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem pela Wada, em 22 de junho (a liberação do laboratório ocorreu apenas em 20 de julho). Desde 24 de julho o LBCD está 'fechado' pelo COI, aguardando apenas os testes com os atletas que disputarão os Jogos Rio 2016. Ainda assim, a ABCD consultou três laboratórios internacionais com quem mantém acordos para a possibilidade de receber amostras do Brasil no período: o laboratório de Lisboa está suspenso, enquanto os laboratórios de Bogotá e Barcelona alegaram que estavam com capacidade esgotada e não poderiam atender a ABCD", relatou o Ministério do Esporte.

A pasta ainda chamou de “absurda” a acusação de Luis Horta, de que haveria um interesse de autoridades esportivas do país na diminuição do controle dos atletas da elite nacional, para conquistarem medalhas "limpas ou não" nos Jogos Rio-2016.

COB diz que exames quase diários prejudicavam treinos dos atletas

O Comitê Olímpico do Brasil (COB) também se pronunciou. Na última segunda-feira, por meio de nota oficial enviada pela assessoria do comitê, Marcus Vinicius Freire, diretor executivo de esportes, disse que uma das principais queixas do comitê era sobre a rigidez da ABCD na gestão do programa Whereabout. Atletas que não são encontrados para testes surpresa três vezes no espaço de um ano são punidos da mesma forma como se tivessem dado positivo em um exame antidoping.

“Antes de mais nada é preciso explicar que quando a equipe de teste comparece ao endereço indicado e o atleta não está lá, significa um teste perdido. Se isso acontecer três vezes, é quase tão grave quanto um exame positivo”, disse ele. “A ABCD, para mostrar serviço e treinar seu pessoal, decidiu multiplicar os exames e testar à exaustão nossos atletas. Obviamente, a chance desses atletas incidirem em faltas, e serem suspensos por isso, mesmo estando totalmente limpos, aumentou consideravelmente".

O diretor do COB também disse que a grande quantidade de exames nos atletas brasileiros vinha atrapalhando a preparação dos mesmos para a Olimpíada do Rio. “Os exames quase diários, trazem evidente prejuízo para a continuidade do treinamento. Essa a divergência do COB com a ABCD. Jamais protegemos atletas para acobertar o uso de substâncias proibidas“.
 

Topo