Por que um nadador dos EUA escreverá números no próprio rosto na Rio-2016

Há uma série de motivos para dizer que Caeleb Dressel, 19, é diferente do restante da equipe de 45 atletas da natação que vai representar os Estados Unidos nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Está na cara, literalmente: o velocista que ficou em segundo lugar no classificatório dos 100 m livre costuma escrever números no próprio rosto antes de entrar na piscina. Mas afinal, por que ele faz isso?
A inscrição no rosto é uma demonstração de fé de Dressel. Católico fervoroso, o nadador costuma escrever versículos da Bíblia no rosto antes de entrar na água. Seus trechos favoritos são Filipenses 4:13 (“Tudo posso naquele que me fortalece”) e Isaías 40:31 (“Mas os que esperam no Senhor renovarão as forças, subirão com asas como águias; correrão e não se cansarão; caminharão e não se fastigarão”).
O uso da própria face para demonstrar a fé foi inspirado em Tim Tebow, 28, jogador da NFL (liga profissional de futebol americano). O quarterback que estreou pelo Denver Broncos em 2010 chamou muita atenção por dois motivos quando estava no início da carreira: o desempenho expressivo, contrariando críticas por sua mecânica de movimentos, e as demonstrações de fé. Ele também costumava escrever trechos da Bíblia no rosto antes de entrar em campo.
O hábito de Tebow virou costume de Dressel em 2015, quando o nadador venceu o título da competição nacional universitária de 50 jardas. Logo em sua primeira participação, tornou-se o primeiro aluno da universidade da Flórida a obter uma medalha de ouro no evento.
Superstições fazem parte de preparação de Caeleb
O repertório religioso, contudo, não é o único traço de personalidade que Dressel manifesta ao escrever no próprio rosto. O nadador é descrito pelos próprios atletas norte-americanos como o atleta mais cheio de manias entre os que integram a elite nacional. Por questões que abarcam fé ou pura superstição, é difícil encontrar no time alguém que tenha tantos rituais quanto o velocista.
Dressel não amarra as bermudas, por exemplo. A mania começou quando ele tinha apenas cinco anos e esqueceu de atar o cordão antes de pular na piscina. Como venceu aquela prova, transformou o lapso em costume.
O nadador norte-americano também costuma ter uma pulseira dentro da bermuda em grandes competições. Mais uma vez, o hábito é decorrente de um lapso: o adereço pertencia a um amigo que morreu, e ele usava no braço em um evento como forma de homenagem. Quando subiu ao bloco de largada, percebeu que havia esquecido de tirar o objeto e que não havia mais tempo para entregá-lo a alguém. A solução, então, foi inserir aquele bracelete no traje.
Nadador não gosta de falar de natação em casa
O início de Caeleb na natação foi uma decisão da mãe, Christina. Era uma espécie de homenagem para o pai dele, Michael, que havia sido atleta das piscinas na época em que estudou na universidade. Também era uma forma de lidar com a hiperatividade do garoto, o mais inquieto entre quatro filhos (dois meninos e duas meninas).
Nas primeiras competições, porém, ainda era difícil lidar com o gênio de Caeleb. Quando o nadador tinha oito anos, a mãe e os oficiais de prova tinham de contê-lo para que o pequeno atleta não saísse correndo na área da piscina.
Nessa época, duas características além da hiperatividade já se manifestavam de forma efusiva em Caeleb. O nadador era extremamente competitivo e chamava atenção pelo bom humor. Desenvolveu ainda na infância um talento para imitar pessoas. “Em 80% do tempo ele usa com nosso pai ou nossa mãe”, contou Kaitlin, 23, irmã do atleta. “Ele consegue captar coisas como expressões faciais ou jeito de falar”, completou.
Outro traço que se manifestou logo em Caeleb foi a velocidade. Em 2011, quebrou o recorde nacional dos 50 m livre para meninos entre 13 e 14 anos. No ano seguinte, tornou-se o primeiro norte-americano com até 16 anos a nadar 200 jardas em menos de 20 segundos (fez 19s82) e estabeleceu também a melhor marca do país nas 100 jardas – o tempo anterior havia sido anotado em 1990. “Ele sempre foi muito rápido. Isso estava claro desde cedo”, disse Sherridon, 17, a caçula da família.
Caeleb seguiu empilhando recordes e marcas expressivas. Em 2013, na primeira grande competição internacional, obteve um ouro e um bronze no Mundial júnior disputado em Dubai (Emirados Árabes Unidos). Ainda novo, vinha sendo burilado para ser a próxima estrela da natação norte-americana. No ano seguinte, porém, decidiu contrariar toda essa expectativa e se afastou do esporte.
Por que a maior promessa dos EUA decidiu se afastar das piscinas
Desde o início, Dressel sempre foi enaltecido pelo foco e pelo comprometimento. “O foco dele é incrível. É algo que chama atenção desde que ele era criança”, relatou Gregg Troy, técnico do velocista na Universidade da Flórida.
A imersão e o foco exacerbado no esporte aos poucos acabaram tendo efeito nocivo para Caeleb. O primeiro passo do nadador foi pedir uma moratória nas folgas: em casa, natação tornou-se assunto proibido. “Falamos sobre o dia e isso, às vezes, inclui um pouco dos treinos, mas é só. Na maior parte do tempo, preferimos conversar sobre futebol americano ou histórias do cotidiano”, comentou Michael, o pai do nadador.
A pausa na carreira tem a ver com isso. Caeleb era cobrado de forma contundente, a despeito de ser um garoto, e começou a ter desempenho errático. Isso também aumentou a pressão em torno do atleta, dando início a um ciclo de degradação para o ambiente dele. Em 2014, quando decidiu se afastar do esporte, o nadador não tinha certeza se voltaria a treinar. Segundo Christina, ele sentia que estava nadando apenas pelos outros.
Durante seis meses, Caeleb sequer entrou em uma piscina. “Foi um período de amadurecimento”, descreveu Christina. O nadador nunca explicou por que resolveu interromper a pausa. Em entrevista à rede norte-americana NBC naquele ano, afirmou apenas que “precisava de um descanso mental”. Depois disso, enviou apenas uma foto de uma piscina para seus técnicos. Era a senha de que o velocista estava pronto para voltar.
A volta às competições e a chegada aos Jogos Olímpicos
A volta coincidiu com o início da trajetória de Caeleb no esporte universitário. No primeiro ano, em 2015, foi eleito nadador do ano no circuito de estudantes. Venceu as 50 jardas, as 100 jardas e as 100 jardas no estilo borboleta. Em fevereiro de 2016, chamou ainda mais atenção em âmbito nacional ao nadar as 50 jardas em 18s39, quebrando o recorde nacional da distância – a marca anterior era do brasileiro Cesar Cielo, 29, que havia feito 18s47.
Foi ali, na disputa universitária, que Caeleb começou a escrever trechos da Bíblia no rosto. Também nessa época o nadador começou a chamar atenção pelo estilo: ele tem no ombro esquerdo uma tatuagem de uma águia. “Esse desenho é uma recordação constante dos motivos para ele estar trabalhando tanto”, contou a mãe do atleta.
Mais uma vez, o velocista entrou no radar da mídia nacional. Havia enorme expectativa em torno de Caeleb na seletiva nacional disputada em Omaha até o último domingo (03), e ele se confirmou como o mais jovem velocista dos Estados Unidos na Rio-2016. “Nós ainda não sabemos até onde ele pode chegar, mas é um menino de muito talento e gosta de trabalhar duro. Isso pode render muitos frutos a ele”, elogiou Jason Canalog, técnico do atleta.
A perspectiva inicial de Caeleb era disputar apenas os Jogos Olímpicos de 2020. Até por isso, a família toda do nadador ficou emocionada com o resultado. As irmãs, que estavam na área reservada a atletas, invadiram um espaço em que não poderiam estar e abraçaram o velocista. “Parte do trabalho estava feito”, comemorou Christina. A outra parte agora depende da Rio-2016. Antes de entrar nas piscinas do Parque Olímpico da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, o nadador já sabe como estará seu rosto. Resta saber agora como vai estar depois.