Como a CBB foi "terceirizada" e pagou duas vezes por um contrato público

Lúcio de Castro
Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro
Divulgação/CBB
Carlos Nunes, presidente da CBB, é o responsável pela atual gestão e a "terceirização"

As prestações de contas da CBB (Confederação de Brasileira de Basquete) nas duas últimas gestões, de Gerasime Boziks, o “Grego”, (1997 a 2009) e Carlos Nunes (2009 até o presente), revelam: cláusulas nada usuais no mercado e sempre desfavoráveis para a CBB. Rescisões milionárias. E uma confederação “terceirizada” com papel passado. Foram quase R$ 15 milhões gastos em repasse para duas agências de marketing pelo mesmo contrato, pagos em diferentes momentos. Trinta e dois por cento (32%) gastos em comissões, exatos R$ 14.560.000,00 (catorze milhões e quinhentos e sessenta mil reais) de um total de R$ 45.500.000,00 (quarenta e cinco milhões e quinhentos mil reais).

Dinheiro público, vindo do patrocínio da Eletrobras para a CBB. Indo para “agenciamento, intermediação, assessoramento, gerenciamento, produção e promoção de eventos esportivos”, conforme os contratos. Uma das beneficiadas foi montada logo após CBB e Eletrobras firmarem acordo. Com o pai diretor da CBB e o filho sócio da contratada. A outra recebeu pelo negócio em nota fiscal emitida antes mesmo de assinar contrato com a entidade. 

O cruzamento das datas, nomes de empresas e calendário eleitoral da CBB revelam como duas agências de marketing foram pagas pelo agenciamento do mesmo contrato: no dia 5 de janeiro de 2009 (publicação no Diário Oficial da União em 12/1/2009), a Eletrobras assinou com a CBB o contrato de maior valor nos 10 anos de parceria entre as duas, iniciada em 2003. Nome do contrato: ECP-0001/2009. Exatos R$ 45.500.000,00 (quarenta e cinco milhões e quinhentos mil reais). Quando Eletrobras e CBB assinaram esse contrato, Gerasime Bozikis ainda era o presidente.

A agência de marketing operando com Gerasime Bozikis era a Atto Sport Marketing, com direito, de acordo com o estipulado em contrato, a 12% de comissão neste acordo, um total de R$ 5.460.000,00 (cinco milhões, quatrocentos e sessenta mil reais). Quatro meses depois, em 5 de maio, Carlos Nunes toma posse e 25 dias após, já no dia 30 do mesmo mês, acerta com outra agência de marketing, a BSB Marketing Esportivo, (José Carlos Brunoro, Marcelo Dória de Araújo, Rodrigo Ubarana e Eduardo Rezende) que investira na campanha do novo presidente da CBB. Uma cláusula garante comissão por patrocínios já vigentes. E assim, de acordo com o contrato CBB/BSB, apesar dos 12% já pagos pelo mesmo patrocínio para a Atto, a BSB passa a receber parceladamente os 20% de comissão pelo ECP 0001/2009, ou seja, R$ 9.100.000,00 (nove milhões e cem mil reais) como indicam os contratos entre as duas e as notas fiscais obtidas pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação. 

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No dia 18 de maio de 2009, 13 dias depois da posse de Carlos Nunes, é emitida a primeira fatura a favor da BSB, no valor de R$ 78.000,00 (setenta e oito mil reais). Já pelos “serviços prestados no mês”. E na prestação de contas da CBB de maio/2009 para a Eletrobras relativas ao ECP-001/2009, assinada por Édio José Alves, secretário-geral da CBB e na condição de “no exercício da presidência”, já aparece discriminado o preço pelo serviço de “assessoria de marketing”, pago com a verba do projeto “Patrocínio das Seleções Brasileiras Femininas e Masculinas”, vigente desde 1º de janeiro. Mas a BSB só viria assinar contrato com a CBB no dia 30 de maio de 2009, 12 dias depois de emitir a nota fiscal. 

Brunoro ainda não tinha contrato com a CBB mas já andava no corredor. Além dos vencimentos, a fatura de despesas da BSB Marketing com a CBB também começou antes da assinatura. No dia seguinte da posse de Carlos Nunes, 6 de maio de 2009, passagens aéreas são solicitadas, com a referência ao local predileto. “De preferência no corredor”. E a falta de contrato entre a BSB e a CBB não impediu que no dia 28 de maio as refeições dos presidentes de federações, membros do conselho fiscal e diretoria da CBB fossem por conta da BSB e debitadas do ECP- 0001/2009 como “despesas de infraestrutura”. Total de R$ 3.064,52, sendo R$ 50 do táxi, depositados na conta de um dos sócios da BSB. E entre corredores e janelas, R$ 8.693,12 em passagens aéreas para o staff BSB.
 
Quando assinou o contrato com a BSB, a confederação ainda tinha contrato em vigor com a Atto. A notificação extrajudicial expressando por parte da CBB “o desinteresse na renovação do contrato de prestação de serviços” é de 29 de janeiro de 2010. E em 26 de fevereiro seguinte, quando assinam a rescisão, fica estabelecido que ainda seriam pagos a Atto R$ 2.310.000,00 (dois milhões e trezentos e dez mil reais) em 60 parcelas de R$ 38.500,00 (trinta e oito mil e quinhentos reais), corrigidas pelo IGP-M, relativos ao pagamento dos 12% por comissão pelo ECP 0001/2009.
 
Já no contrato estabelecido em 30 de maio de 2009 entre CBB e a agência de José Carlos Brunoro (BSB), de acordo com a cláusula quinta, os 12% da outra agência tornam-se 20% de comissão. 
 
Para o jurista Julio Cesar Chaves Cocolichio, "para celebrar esse termo de parceria eles fizeram uma espécie de licitação. Do ponto de vista da CBB, ela está empregando o recurso de uma maneira ineficiente, e a eficiência é um dos princípios que regem a administração de dinheiro público no Brasil". E ainda completa: "Se verificar [a Eletrobras] que houve mau juízo, notificam a empresa para que cesse ou devolva os valores (Veja mais aqui)".
 
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De acordo com outro jurista, especialista na área, consultado pela reportagem e que preferiu não se identificar, os pontos vantajosos para a BSB não param por aí. “O objeto do contrato é extremamente amplo, representando verdadeira entrega da gestão, integralmente. Não apenas do marketing. Em resumo: a CBB foi terceirizada para a BSB Marketing Esportivo. Isto está claro na leitura do item 1 do contrato. A terceirização completa fica marcada mais ainda quando a BSB também é contratada para a auditoria da entidade”, afirma. 
 
O item 1 fala garante a gestão total nos aspectos administrativos, de marketing e técnicos. O poder irrestrito conferido para a agência de Brunoro na CBB foi além. “O contrato dá espaço para o poderia se chamar até de uma ‘quarteirização’ da CBB. Porque no final do item 2 e no Parágrafo 4 estão dados amplos poderes para uma abertura irrestrita a isso, com contratação por parte da agência de prestadores e com a conta para a CBB”.
 
Em síntese, o contrato que dá amplos poderes para a BSB, dá direito a 20% sobre tudo o que for receita da CBB, “todos e quaisquer negócios já existentes que envolverem o gerenciamento objeto deste contrato”. De acordo com o especialista, “não há ilegalidade, algo que vicie esta remuneração. Foi uma opção contratual, a depender do que a BSB obteve de contratos”. Pouco depois da CBB acertar o contrato de R$ 45,5 milhões.
 
Por fim, a cláusula 9, de rescisão, também é vista como pouco usual. “Chama a atenção pela falta de paridade. As hipóteses de possibilidade de rescisão por parte da BSB são muito mais amplas e benéficas a esta do que as dadas para a CBB”, afirma o jurista.
 
Em março de 2013, a CBB anunciou oficialmente o fim da parceria com a BSB e em julho anunciou a IMX como nova parceira, acumulando mais perdas de rescisão. E os repasses para a BSB prosseguiram, como os encontrados nas notas de agosto, com pagamentos das verbas da Globo Participações e do Bradesco.
 
A relação da gestão anterior a de Carlos Nunes com uma agência de marketing também expõe a fragilidade dos mecanismos de controle dos gastos de verbas públicas no esporte. Os anos de “Grego” foram os anos das transações de um pai com a empresa do filho. Roberto Stuart Beck era o vice-presidente da CBB e integrante do conselho fiscal. No dia 15 de novembro de 2003, a CBB assina contrato com a Atto Sports Marketing. Sócio majoritário: André Stuart Beck, filho de Roberto, o braço direito de Gerasime Boziks. Antes da Atto, André constava em outra empresa de marketing com mais três sócios. De acordo com os registros da Receita Federal, a constituição da Atto, já sem os sócios da empreitada anterior, é em 11 de setembro de 2003, apenas dois meses antes da assinatura com a CBB. 
 
O jurista Cocolichio define a situação: "Aí você tem dois princípios desgastados: eficiência e moralidade. Nepotismo".
 
Além da proximidade entre a constituição da empresa que vai explorar o marketing da CBB e a assinatura do contrato entre ambas, existe uma outra data que merece atenção: cerca de um mês antes da constituição da Atto Sports, começa a entrar um volume de dinheiro jamais visto antes na entidade. É a assinatura do primeiro contrato CBB e Eletrobras, firmado em 14 de agosto de 2003. O ECP- 00012/2003, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Objeto do contrato: “Seleções Brasileiras de Basquete Feminina Adulta, Sub-21, Juvenil e Cadete, e ao 6º Campeonato Nacional de Basquete Feminino Adulto”.
 
A assinatura do contrato entre Eletrobras e CBB antes da própria constituição não representou empecilho para a Atto. Uma cláusula previa remuneração de 12% “sobre valores brutos de todo e qualquer tipo de patrocínio realizado diretamente pela CBB mas que sejam administrados pela Atto, durante o período de duração dos contratos”. Em caso de patrocínio negociado pela empresa do filho do vice-presidente, a taxa de remuneração subia para 20%. 
 
Os tentáculos de Roberto Beck sob a gestão de Gerasime Boziks na CBB não se limitaram a fechar acordo com agência de marketing do filho. Também a empresa de assessoria contábil prestadora de serviços para a entidade é do guarda-chuva de Roberto Beck, a Dracma Assessoria Contábil. Em cujo site está contada a história de que a empresa foi fundada por funcionários da Cory Irmãos Comércio e Representação, pela qual Roberto Beck é citado em processos na justiça. Também no registro da Receita Federal, o endereço eletrônico da Atto para contato é o da Dracma. E o endereço constante na Receita não deixa dúvidas quanto aos elos: Cory Irmãos, Atto Sports e a antiga empresa de marketing, Sport Com Marketing, do filho de Roberto, tem o mesmo teto, no início da Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro.
 
Entre os documentos obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, está um e-mail que une as empresas prestadoras de serviço dos Beck na CBB, Atto e Dracma, trocado entre um diretor da entidade e um sócio da Dracma: “Sérgio estaremos fazendo amanhã o depósito de 1 mês, grato pela compreensão, em relação ao pagamento da ATTO SPORT FAREMOS na data de hoje”.
 
A contratação de uma agência do filho de um dirigente vai contra as normas de contratação dos convênios abastecidos com verba pública, que determina “realização de, no mínimo, cotação prévia de preços no mercado, observados os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade”. Além de vice-presidente da CBB, Roberto Beck também era do Conselho Fiscal. Segundo o estatuto da CBB, em seu artigo 34, cabe ao integrante do Conselho Fiscal “opinar sobre qualquer matéria de natureza financeira que lhe for encaminhada pelo presidente”, “denunciar erros administrativos ou violação da lei ou destes estatutos”. Assim, Beck opinava e decidia sobre os negócios da entidade com a empresa do filho e com outra também ligada a ele.
 

Os outros lados da história

- CBB:
Em um primeiro momento, a reportagem enviou uma série de questões e a entidade respondeu que “a diretoria da CBB decidiu não comentar as perguntas que foram encaminhadas.”
Depois, sobre as questões específicas sobre a relação com as agências de marketing e o pagamento das comissões, a CBB preferiu não responder, limitando-se a ameaça de processos. “A CBB, em face da demanda judicial existente e futuras, somente se pronunciará nos autos dos processos, sobre qualquer fato relacionado aos contratos de patrocínio da Eletrobras. Entretanto, a CBB não se furtará ao direito de buscar a reparação, de todas as formas e meios e contra quem for, daquilo que vier a ser prejudicada por divulgação de inverdades sobre a entidade, seja nessa ou em administrações passadas”.
 
- Eletrobras:
“A Eletrobras não comenta contratos entre seus patrocinados e outras empresas celebrados sem a sua interveniência”.
 
- José Carlos Brunoro e Marcelo Dória, BSB Marketing:
A reportagem procurou José Carlos Brunoro para falar sobre o contrato ser favorável para a CBB, sobre a questão da comissão de 20% para contratos já obtidos e as razões da rescisão. Brunoro informou que as questões da BSB seriam respondidas pelo sócio Marcelo Dória, que enviou para a reportagem: “Sobre o contrato, acho que possa ser percepção, pois realmente ele não se trata de um contrato usual. Seria um contrato de gestão técnica especializada, que alem do mais comum o marketing, tinha incluso em seu escopo toda a consultoria técnica da confederação. Como por exemplo: planejamento Olímpico, todo plano de desenvolvimento das seleções adulta e de base, criações das seleções permanentes, criação da Escola Nacional de Treinadores, reformulação da Confederação e do seu RH, como de sua credibilidade que vinha de uma liga sem ser finalizada, entre outras. Como havia muita dificuldade em se precificar os serviços, pela profundidade do nosso envolvimento, estabeleceu-se um valor fixo como de praxe se trabalha com grandes projetos e eventos. Hoje após o trabalho realizado, digo que seria melhor para a BSB cobrar consultoria HH dos envolvidos do que aceitar um preço fechado. Acho que já respondi acima, mas era exatamente a remuneração de todo trabalho técnico especializado. A rescisão ocorreu por divergências na linha de trabalho a ser desenvolvida. Caso julgue interessante existem muitos números que demonstram o resultado gerado, seja no crescimento do orçamento da CBB, como nos resultados: números de vitorias da seleção na base, crescimento do números de dias treinados por seleção, etc.”
 
O representante da BSB foi procurado também para responder sobre o envolvimento e financiamento da campanha eleitoral de Carlos Nunes e se existia acordo para assumir o marketing em caso de vitória. Marcelo Dória respondeu que “fizemos o plano estratégico para eventual mandato do Carlos Nunes. Não houve financiamento da campanha e sim “investimos” nosso tempo para desenvolver o trabalho. Em relação ao futuro como em todo trabalho de consultoria, temos como política da empresa, desenvolver o trabalho e caso o cliente tenha interesse que nos mesmos implementemos o mesmo, fazemos. No caso foi o que ocorreu. Todas as atribuições que ocorreram após a eleição, foram decorrentes do contrato de consultoria técnica especializada e de marketing firmado com a CBB”.
 
Posteriormente, a reportagem voltou a procurar José Carlos Brunoro e Marcelo Dória para falar especificamente sobre o contrato ECP-0001/2009 e o comissionamento da BSB, sem obter resposta.
 
- Gerasime Bozikis
A reportagem procurou Gerasime Boziks para ouvir sobre o contrato com a Atto. Se as ligações de pai e filho entre Roberto Beck e a agência contratada de André Beck não feriam o estatuto da CBB, a lei que rege os convênios com verba de órgãos estatais e a ética. Ainda sobre a razão para pagamento de comissão para uma agência constituída depois da assinatura do contrato de patrocínio. E também sobre os vínculos da Dracma Contábil com Roberto Beck. Gerasime Bosikis respondeu: “De janeiro 2003 até maio 2009, todos os contratos da CBB com a Eletrobras foram cumpridos integralmente e as prestações de contas aprovadas. Em maio de 2009 terminou o meu mandato e me retirei da CBB”.
 
- André Stuart Beck, Atto Sport Marketing:
A reportagem também fez contato com André Stuart Beck e perguntou sobre os vínculos da Atto com o vice-presidente da CBB, sobre a questão das datas de constituição e assinatura do contrato com a CBB. Andre Stuart Beck respondeu: “Gostaria de esclarecer que em 2003 a ATTO Sports já estava constituída quando da assinatura do contrato entre a CBB e a Eletrobrás, e que venho exercendo a atividade de marketing e eventos desde 1996. No que se refere a outras questões, a ATTO atuou não só com a CBB mas em vários projetos de marketing e eventos até hoje , sempre totalmente  dentro da legislação. Durante um período fomos os responsáveis por toda a negociação e administração do contrato entre a CBB e a Eletrobrás. Portanto, não vemos nenhum prejuízo à qualquer estatuto da CBB”. 
 
- Roberto Beck também foi procurado mas não respondeu. 
 
Atualização às 17h02: O sócio da BSB Marketing, Rodrigo Ubarana, pede para esclarecer que não era sócio da BSB na época da campanha eleitoral da CBB, em 2009