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Pequim esconde caos com medidas extremas

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

O céu de Pequim tem um tom perolado, que seria até bonito se não encobrisse com sua névoa os templos, os prédios, os narizes e as gargantas. Nos raros dias em que chove, o céu limpa, mas a precipitação ácida cobre com uma gosma a frota cada vez maior de carros da capital chinesa.

É esse cenário que as autoridades do país querem esconder quando o cortejo olímpico de atletas, dirigentes, jornalistas e torcedores chegarem por lá em agosto. Mas os planos de “desintoxicação” da cidade-sede cada vez são empurrados para mais perto do dia de abertura e cada vez fica mais longe a promessa de uma “Olimpíada Verde”, um devaneio dos organizadores em uma das 20 cidades mais poluídas do mundo.

A idéia de parar com todas as obras dois meses antes dos Jogos foi descartada na capital do país com mais guindastes do mundo. A nuvem de cimento (produto que a China é a maior consumidora no planeta) só vai parar no dia 20 de julho, 18 dias antes das competições terem início.

Por outro lado, a lista de proibições tem até o banimento das latas de spray durante todo o verão. As termoelétricas, siderúrgicas e refinarias terão de reduzir em 30% a sua atividade. As fábricas, sem filtros para poluentes, serão fechadas. A quantidade de carros e caminhões nas ruas será reduzida pela metade, isso em uma cidade com 3,5 milhões de veículos e que a cada dia são emplacadas mais 1.200 unidades.

O trânsito em Pequim é especialmente caótico. Os pequineses são motoristas ruins, seja pelo extremo zelo com o brinquedo novo da sociedade de consumo, seja pela inabilidade ao volante (a maioria aprendeu após os 30 anos de idade). Até a década de 80, as avenidas eram um mar de bicicletas, e os poucos carros que transitavam eram sedans soviéticos, usados pelas autoridades, e uns poucos carros luxuosos com placas consulares.

Flávio Florido/UOL

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Hoje, a classe média globalizada adota o american way of life, escolha que contribuiu para o país ultrapassar os EUA no ano passado como o maior poluidor mundial. A economia da China cresceu por volta de 10% anualmente nas últimas três décadas, mais preocupada com preços competitivos e metas de produção e deixando de lado medidas ecológicas. Como resultado, a metade dos rios do país está contaminada, e o ar de Pequim tem cinco vezes mais dióxido de carbono que o recomendado para os seres humanos.

O que não se vê em Pequim são motos, afinal, o governo comunista, com sua característica tutelar, considera as duas rodas motorizadas um “transporte pouco seguro”. Contudo, as bicicletas continuam um clássico local. Apesar dos 5 milhões de carros produzidos anualmente (3º maior produtor mundial, após EUA e Japão), a China conta com uma população de 500 milhões delas, volume que cresce em 30 milhões a cada ano.

As bicicletas são usadas como transporte público e também de carga (os chineses fazem mudança, levam lixo reciclável, carregam carvão e até dois passageiros na garupa). Em Pequim, há até prédios de vários andares para estacionar as bikes, e até flanelinhas que cuidam de dezenas nas calçadas, mediante o pagamento de dois yuans (R$ 0,75).

Apesar de o país andar sobre pedais, a China tem apenas duas medalhas olímpicas na categoria. E o par é obra da ciclista Cuihua Jiang na prova dos 500 metros contra o relógio – um bronze em Sydney-2000 e uma prata em Atenas-2004.

Não por nada o bicicleteiro Lu Yuan não vai acompanhar nem as provas de rua do ciclismo de Pequim-2008. Aos 49 anos, ele tira mensalmente 1.000 yuans (R$ 350) montando sua barraca na calçada com tudo para reparar as magrelas. O pouco que sobra de seu ganho vai para bancar a filha na universidade de Economia.

Ele se senta em uma cadeira reclinável na frente de suas estantes e gavetas repletas de peças. E ali é o seu trono (clique aqui e veja foto). Mas ele será despejado dali em agosto para que a cidade fique um brinco, como tantas pessoas que tiram das ruas de Pequim seu sustento. “Vamos ser proibidos de trabalhar durante os Jogos, vou ficar em casa vendo pela TV”, se resigna Lu. Quando o cortejo olímpico passar, ele volta para seu cantinho de calçada.

Publicado no dia 28 de abril de 2008

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