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A comunicação em inglês é falha e ideogramas não são entendidos

A comunicação em inglês é falha e ideogramas não são entendidos

Ao falar do Brasil, a simpatia aparece no taxista

23/08/2008 - 15h22

Taxista de Pequim é síntese de civilização milenar tentando se modernizar

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (China)

Os taxistas de Pequim podem servir de perfeita tradução do país: só olham para frente, e o passado no retrovisor parece só decoração. Freadas bruscas, acelerações desnecessárias e quase batidas seriam evitadas se os motoristas da cidade-sede das Olimpíadas soubessem da utilidade dos espelhos a sua volta. E também do pisca-alerta: eles são capazes de mudar três faixas para o lado em poucos metros e deixar o carro atravessado em avenidas movimentadas para entrar em um acesso lateral.

Mas tudo é resultado da novidade. Esses profissionais eram, na maioria, camponeses até anos atrás. Muitos aprenderam a dirigir com mais de 40 anos. A falta de prática e de noção espacial se junta ao zelo pelo brinquedinho novo - até a década de 80, carro era coisa para autoridades e diplomatas, o povo andava de bicicleta. Hoje entram em circulação na China cinco milhões de carros por ano (mais do que a frota total de São Paulo).

Uniformizados de camisa amarela, gravata preta e calça azul, eles mostram como a tentativa de modernização e abertura econômica da China tem obstáculos mais difíceis que a burocracia e o governo central do país poderiam imaginar. Um exemplo foi a tentativa de ensinar inglês para os pilotos se comunicarem com os visitantes estrangeiros durante os Jogos.

Como era de se esperar, poucos assimilaram instruções como "left" (esquerda), "right" (direita) ou "ahead" (em frente, em inglês). Os mais espertos aprenderam "hello" e "bye bye" e olhe lá. Os taxímetros são bem mais versados no idioma bretão que os taxistas, dando o valor e avisando o cliente para pegar o recibo e não esquecer pertences. Uma solução para quando você se dá conta da dimensão filosófica da incomunicabilidade humana é ligar no celular para sua tradutora para ela tentar explicar ao taxista o que você quer.

Mas a comunicação estaria garantida se eles conhecessem bem a cidade, afinal, muitas vezes mostrando em um mapa detalhado da cidade e apontando o destino, eles não entendem. Outros mal sabem ler o mandarim. Se você apresentar o cartão com o endereço desejado em caracteres chineses e o taxista começar a rodar o papel para ler melhor, fuja dele: não está entendendo os ideogramas mais que você e vai te levar a qualquer lugar ou largar a corrida pela metade no momento em que menos esperar.

Esse capaz seja o principal problema. Os taxistas são muito grossos. Eles recusam as corridas aos gritos. Apesar dos conselhos governamentais para cuidar dos modos, arrotam, exibem flatulência e limpam o nariz na maior cara-dura, atitudes de quem levou para a cidade o jeito de ser rural. Mesmo a recomendação para não fumar no carro e não comer condimentado (a grande maioria dos táxis tem aroma de alho) não foi seguida.

Mas há exceções, e falar que é do Brasil ganha muitas vezes a simpatia do piloto. Como era previsível, o que eles conhecem do Brasil é o futebol (o Carnaval, pornográfico para os padrões chineses, e a música brasileira mal são conhecidos no país).

As referências futebolísticas, entretanto, se limitam aos ídolos atuais, já que o país vivia o isolamento político da pós-revolução comunista quando o Brasil viveu seu auge com a bola. "Baxi, Kaká, Lonaldilo" são as três palavras-chaves quando descobrem sua nacionalidade (tradução: "Brasil, Kaká e Ronaldinho").

O único taxista boleiro encontrado em Pequim foi Zou Xiaopeng, um torcedor fanático do único time de futebol da cidade, o Beijing Gu`on, que conta em seu elenco com o brasileiro Tiago. "Garrincha, Pelé, Zico, Sócrates, Falcão...", começou listar Zou, surpreendendo. O taxista diz que acompanha o futebol europeu e os amistosos internacionais que passam na TV. Ficou decepcionado com a seleção brasileira em Pequim: "Foi irreconhecível, muito abaixo do que os brasileiros jogam nos times europeus", analisou o motorista.

Como a maioria dos chineses, ele gosta muito de futebol, mas sente vergonha de sua seleção nacional. "Nosso time masculino é muito fraco, tem que receber atenção de nossos dirigentes. Afinal, a China melhorou muito em esportes que as pessoas nem acompanham. O futebol tem bem mais público. Nossas mulheres são melhores", explanou.

O banco em que Zou está sentado conta com uma proteção plástica, que o isola dos passageiros. "É para evitar ataques e assaltos à noite. Acontece, mas é raro", conta, contrariando as estatísticas pacíficas da cidade de Pequim. Ouvir notícia, música ou transmissão dos Jogos é raro em um táxi: eles preferem escutar o "ting shu", um narrador que conta histórias tradicionais do país, com imperadores, guerreiros e donzelas. Talvez ali esteja o passado milenar a ser conservado que a China precisa casar com tanta modernidade que se multiplica pela terceira economia mundial e sua capital.

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