Paraolimpíadas

Paratletas querem ser vistos como esportistas, não como merecedores de pena

AP Photo/Kirsty Wigglesworth
Brasileiro Flavio Reitz comemora marca no salto em altura na sua primeria nos Paraolimpíada em Londres imagem: AP Photo/Kirsty Wigglesworth

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

Puxar ferro, treinar em dois turnos, cuidar da alimentação e se recuperar de lesões. Para estar nas Paraolimpíadas é preciso se submeter à rotina e às privações de um atleta. Por este motivo, os representantes do Brasil no Rio-2016 ficam contrariados quando são tratados como coitadinhos.

Craque da seleção brasileira de futebol de 5, time formado cegos, Ricardinho é um exemplo da exigência. Ele bateu ponto no departamento médico do Internacional a partir de abril. Fazia a recuperação de uma fratura na fíbula e do rompimento de dois ligamentos do tornozelo depois de ser atingido por um carrinho durante uma partida por seu clube. 

A recuperação numa equipe de elite do futebol brasileiro devolveu o atleta a rotina de treinamentos em dois períodos, mais sessões com o fisiologista e o fisioterapeuta. Além do trabalho no campo e no consultório, no prato dele só entra o que a nutricionista autoriza. O jogador ainda toma suplementos alimentares. Por todas estas razões, Ricardinho quer ser visto como um atleta de alto rendimento.

O desejo é compartilhado pelos esportistas que defenderão o Brasil nas Paraolimpíadas do Rio. Eles ficam chateados quando os torcedores parecem torcer por pena e nas ocasiões que têm as habilidades físicas ignoradas pela imprensa. A briga dos atletas é para mostrar que agem como profissionais e serem reconhecidos desta maneira.

“Eu quero ser visto como um atleta de alto rendimento porque é o que sou. Treino todos os dias”, defende Ricardinho.

Os representantes do Brasil nos Jogos Paraolímpicos também sabem que precisam dos resultados para conseguirem viver do esporte. Ciro Winckler, coordenador técnico de Atletismo do Comitê Paralímpico Brasileiro, explica que os atletas entenderam que somente conquistando medalhas é possível ter patrocinadores.

Daniel Dias é uma prova. Dono de três Prêmio Laureus e de quatro recordes mundiais na natação, ele conta com 11 patrocinadores. A lista inclui gigantes como Visa, Panasonic e Petrobras.

“Eles (atletas) falam ‘se eu não ganhar medalha acabou a bolsa, vai acabar o patrocínio.’ Eles têm muito claro isso”, diz Ciro.

Medalhas para viver do esporte

Esta mentalidade se choca com o pensamento da sociedade na opinião dos esportistas. O Instituto DataSenado coordenou uma pesquisa com 888 atletas do país e 71% deles disseram sentir preconceito.

Também jogador da seleção de futebol de 5, Jefinho fala que as pessoas não sabem o que um portador de deficiência é capaz. Por este motivo, se surpreendem com o nível de independência que têm no dia a dia. Ser tratado com pena é o que mais irrita. "Não é porque é deficiente que é um coitadinho”, reclama Jefinho.

A irritação muda de patamar quando os atletas são vistos como incapazes. Jefinho conta um episódio em que estava em um ponto de ônibus em Salvador e uma pessoa puxou papo sobre os problemas do transporte público da cidade. Ele fez uma série de considerações sobre o assunto e ouviu uma resposta nada agradável: "não esperava que um cego fosse tão bem informado".

Eliseu Santos é da bocha e sempre conviveu com um vizinho que dava tapinhas no topo da cabeça do cadeirante quando ambos se encontravam. A situação piorava quando os irmãos estavam juntos. Todos recebiam um aperto de mão como cumprimento e ele, os tapinhas na cabeça. Sem aguentar mais ser tratado como criança, um dia disse o quanto a situação incomodava.

Ciro Winckler explica que a partir dos anos 2000 começou o profissionalismo dos esportistas. Em paralelo, ocorreu uma melhora na estrutura de preparação e, hoje, as equipes de natação e atletismo contam com programas permanentes de treinamento em seus centros de excelência.

No atletismo, há um equipamento em que é inserida uma gota de sangue e em três minutos aparece o resultado com várias informações sobre o organismo. O método é bastante usado para monitorar os sinais de fadiga e assim prevenir lesões.

Mas toda a ciência empregada e o esforço dos atletas passam despercebidos da maioria do público. Ricardinho avalia que a imprensa tem grande parcela de responsabilidade.

“A mídia é uma formadora de opinião muito forte. Se mostrar o deficiente como coitadinho, é o que as pessoas vão comprar”.

Mas ele e os demais atletas acreditam que o Rio-2016 possa ser um divisor de águas. Apostam que nunca houve tanto espaço na imprensa e interesse do público. Caso tenham sucesso, a cobrança vai aumentar. Nada que incomode. Ser tratado como gente grande é tudo que querem.

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