Como a guerra com as Farc ligam a Colômbia com as Paraolimpíadas
No dia 12 de março de 2012, o capitão Diego Cuesta comandava um pelotão de 17 pessoas em uma investida contra a coluna Teófilo Ferreira, uma tropa de elite das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), quando chegou em um campo minado no meio da selva. Seus soldados não estavam preocupados: sua unidade era a única da Brigada Móvel, responsável por aquela ofensiva, que não tinha perdido nenhum homem em combate por causa de bombas terrestres.
O problema é que sempre existe uma primeira vez. Capitão Diego, do Corpo de Engenheiros do Exército Colombiano e especialista em explosivos, iniciou o procedimento padrão. Isolou a área, conseguiu dar três passos. Mas no quarto, moveu a estrutura que mantinha a bomba armada. O explosivo foi acionado.
“Naquele momento, você tem a sensação que está deixando o seu corpo. Você morre, volta, morre novamente. A única explicação para que eu continue aqui é que Deus definiu que não era a minha hora”, contou Cuesta para a revista militar Diálogos América.
O acidente pode ter poupado sua vida. Mas o corpo sofreu os efeitos da explosão. Seu rosto foi desfigurado e ele precisou de uma operação de sete horas, com uma cirurgiã ucraniana especialista em lesões oculares, para não perder os olhos. Hoje, tem apenas 40% da visão.
Foi justamente a explosão que colocou o militar na rota dos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro, que começam na próxima quarta-feira (7). Não porque ele se feriu. Mas porque o esporte foi o caminho que encontrou para sua reinserção à sociedade. Diego Cuesta sempre foi nadador e resolveu apostar no esporte.
Três meses depois de sua primeira competição paraolímpica, foi convocado para defender a Colômbia em um evento internacional. Em 2015, pouco mais de três anos depois, ele foi aos Jogos Parapan-Americanos de Toronto, no Canadá, levou três medalhas, duas delas de ouro, e se tornou o primeiro militar vítima da Guerra contra a Farc na Colômbia a se classificar para uma Paraolimpíada.
Dois soldados nos Jogos do Rio
Fabio Torres, cabo do exército, foi o segundo. Há 15 anos, estava fazendo reconhecimento em uma área de selva quando pisou no artefato explosivo – este da ELN (Exército de Liberação Nacional), outro grupo guerrilheiro do país. Sofreu uma amputação na perna esquerda, abaixo do joelho. Na Rio-2016, vai participar das provas de halterofilismo.
A Colômbia vem ao Rio de Janeiro com 39 atletas. Os dois são os únicos militares. Pode parecer pouco. Mas na delegação do Brasil, com 287 atletas, nenhum é militar. A chave para isso é a guerra de mais de 50 anos contra os grupos paramilitares na Colômbia. O conflito começou nos anos 60, quando surgiram as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional). Aos poucos, a guerrilha passou a sequestrar personalidades políticas e cometer atentados. Nos últimos anos, usou o tráfico de drogas para financiar suas ações.
Estima-se que o conflito tenha matado cerca de 250 mil pessoas. Além disso, mais de 8 milhões tiveram de sair de áreas de conflito, por causa da violência. O número de feridos, porém, nunca foi contado. Fontes oficiais, por exemplo, falam em 6921 militares mortos ou mutilados somente em acidentes com minas terrestres. Cuesta e Torres são dois dos mais de 5000 membros das Forças Armadas que participam de programas de reintegração. Desses, 300 fazem parte de projetos esportivos.
67% dos deficientes colombianos são militares
Algumas das estatísticas mais tristes do conflito envolvem justamente os mutilados. Segundo a Coporación Matamorros, uma entidade privada que trabalha em reinserção social com as Forças Armadas colombianas, 67% das pessoas com deficiência física causadas por acidente do país fizeram parte de forças de segurança.
Atualmente, o programa esportivo do Exército tem investimento cada vez mais alto nos centros de reabilitação com foco esportivo. Além disso, desde 2014 existe uma política oficial do governo colombiano para isso – desde então, cerca de 41 milhões de dólares já foram investidos no setor. O objetivo é que, nos próximos Jogos Paraolímpicos, até 50% da delegação colombiana venha desses investimentos.
No último dia 24, o atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou um acordo de paz com as Farc que pode levar ao fim do conflito armado – para isso, será preciso que a população diga sim ao texto do pacto em um plebiscito marcado para o dia 2 de outubro. Entre os termos aceitos pelas Farc para depor as armas estão a realização de reforma agrária e dois temas polêmicos, a criação de um tribunal especial para julgar os guerrilheiros e vagas garantidas no parlamento para membros do grupo.