Canoagem

Técnico de Isaquias prepara conversa séria para evitar efeitos da fama

Juca Varella/Folhapress
Jesus Morlan, técnico da seleção brasileira de canoagem, teme que Isaquias perca o foco depois do sucesso na Rio-2016 imagem: Juca Varella/Folhapress

Bruno Doro e Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

Isaquias Queiroz nem bem havia conquistado sua terceira medalha olímpica, no último sábado (20), e já foi ao Caldeirão do Huck, recebeu um abraço de Fábio Porchat, ganhou um beijo da cinco vezes melhor do mundo do futebol Marta e cantou ao lado de Cláudia Leite. A vida do garoto baiano que saiu da pequena Ubaitaba aos 15 anos para ganhar o mundo em cima de uma canoa mudou muito em uma semana. E isso é só o começo para ele.

É essa transformação que o espanhol Jesús Morlán, técnico do brasileiro, teme. Ele quer ver Isaquias buscar mais medalhas em Tóquio-2020. Mas para isso, o canoísta precisará sobreviver à fama. “Ele pode ganhar mais medalhas, mas o caminho é longo e é preciso ter paciência. Nesse caminho ele vai ter de aprender o que é o sucesso. Você tem de enfrentar obrigações sociais, suportar a pressão. Até os Jogos de Tóquio, todo mundo vai estar perguntando a ele: ‘Será que dá para repetir? Será? Será?’. E ele será o alvo, o claro favorito. Ele tem apenas 22 anos, e é preciso de maturidade para aguentar tudo isso”, ensina o treinador.

As palavras são de quem conhece sobre o tema. Isaquias é o segundo fenômeno que Morlán treina. O primeiro foi David Cal, canoísta espanhol que ganhou cinco medalhas olímpicas, um recorde de seu país. Em sua estreia nos Jogos, conquistou um ouro e uma prata. O problema é que, mesmo sob os olhares atentos do treinador, perdeu completamente o rumo.

“Eu vi qual foi o efeito do sucesso com David. Ele enlouqueceu, mesmo morando comigo. Com Isaquias, não é assim. Em pouco tempo, eu vou para a Colômbia, onde mora a minha família, e ficarei um mês sem falar de canoagem. Como ele vai se virar? Eu sei que ele vai ficar a família, mas não sei se eles já viveram toda essa pressão. Eu já vivi. Então, vou ter uma conversa séria sobre isso”, avisa Morlán.

No caso de Isaquias, o temor do técnico tem muito a ver com a personalidade do brasileiro. O canoísta é expansivo, gosta de festa e costuma ter vida social agitada nos períodos de folga – na reta final da preparação para a Rio-2016, como a equipe nacional ficou concentrada em Lagoa Santa (MG), o atleta tinha sete dias de descanso a cada oito semanas de trabalho ininterrupto.

Amigos e parentes costumam dizer que Isaquias é extremamente focado quando está no esporte, mas que mantém hábitos simples nos períodos de descanso. Como um garoto comum de 22 anos, gosta de sair, dançar, beber e namorar.

Depois do que aconteceu na Rio-2016, contudo, Isaquias deixou de ser apenas um garoto comum. Pelo jeito carismático, pelo cabelo alisado e sobretudo pelos feitos esportivos, o canoísta ganhou relevância e holofotes. O reflexo disso foi um contingente cada vez maior de torcedores nas provas que o brasileiro disputou.

“No começo está sendo divertido. A gente vê o tanto de pessoas que param ele para tirar fotos. Ele quer sair, mas as pessoas ficam em volta e não deixam. A gente vê que é o carinho dos brasileiros, e isso nos motiva muito”, relata Erlon Souza, parceiro de Isaquias na prova C2-1000m – o conjunto conquistou a medalha de prata nessa distância.

Por tudo isso, o papo de Morlán com Isaquias será sério, antes mesmo da comemoração: “Eu vou dar conselhos da melhor maneira que sei. Vai ser uma conversa fora da canoagem, sobre assuntos pessoais. Ele precisa entender o que vai enfrentar”.

A tarefa deve ser dura. Assim que desceu do pódio, Isaquias já pediu férias. Até janeiro, pelo menos. “Não acho uma boa ideia um atleta de 22 anos, ainda em formação, ficar tanto tempo parado. Se ele tivesse 29 ou 30 anos, tudo bem. Pode-se ficar três meses e meio parado sem um efeito negativo. Ele não pode”, diz o técnico.

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