Taekwondo

Nigerino superou drama, fez história e ainda ajudou brasileiro a ser bronze

REUTERS/Issei Kato
Com o peso de um drama familiar às costas, Issoufou Abdoulrazak conquistou a segunda medalha da história de Niger e ajudou Maicon Andrade a subir no pódio da Rio-2016 imagem: REUTERS/Issei Kato

Do UOL, no Rio de Janeiro

De uma só vez, Abdoulrazak Issoufou ajudou a escrever história dos dois lados do Oceano Atlântico. Ao conquistar a prata no taekwondo da Rio-2016, o nigerino tornou-se o segundo medalhista olímpico da história do seus país, Niger, na África Ocidental, e ainda contribuiu decisivamente para a medalha de bronze do mineiro Maicon Andrade, a segunda do Brasil na história da modalidade. O curioso é que o africano foi ao mesmo tempo algoz e redentor do brasileiro na competição.

No último sábado (20), após vitória na estreia do taekwondo da Rio-2016, os dois se enfrentaram nas quartas de final. Melhor para Issoufou. Apesar da derrota, Maicon não foi eliminado, mas precisou torcer para o algoz avançar à decisão para que ele pudesse voltar à repescagem. Se o nigerino perdesse na semifinal, o brasileiro dava adeus à Olimpíada. Mas Issoufou não disputava somente uma medalha no tatame da Arena Carioca 3 no Parque Olímpico da Barra da Tijuca.

“Meu primo morreu por causa do taekwondo. Mas hoje eu ganhei essa medalha para minha família esquecer disso, porque taekwondo não é perigoso. Ele só morreu por acidente. Eu queria mostrar a todos os pais que seus filhos podem praticar a modalidade. Eu venho de uma país pobre. Os africanos têm uma chance de ganhar uma medalha olímpica por causa do taekwondo”, contou.

O objetivo de Issoufou não era somente espantar um fantasma do passado, ou ensinar aos seus conterrâneos a importância do taekwondo. Ele queria mais.

“Meu objetivo era trazer a segunda medalha para o meu país. Em 1972, nos Jogos de Munique, meu avô trouxe uma medalha, o que até agora ninguém tinha repetido. Essa foi para todos os jovens que queriam que eu levasse uma medalha. Até o presidente me ligou para dizer que estava muito feliz”, explicou o nigerino que, apesar de carregar o peso de tanta história, tem apenas 21 anos.

O jovem Issoufou conseguiu. Na semifinal, ele derrotou o usbeque Dmitriy Shokin, avançou à decisão do taekwondo e garantiu pelo menos uma prata na Rio-2016. Depois de 40 anos, a paupérrima República de Niger voltaria ao pódio olímpico. De tabela, trouxe de volta Maicon Andrade à competição.

“O cara do Niger é um atleta muito bom. Eu lutei contra ele muitas vezes antes e venci. Outras ele foi melhor. Eu estava torcendo por ele para que me puxasse para a repescagem e porque às vezes ele me incentiva. Quando ele me puxou, eu sabia que eu seria medalhista olímpico”, contou Maicon.

Ed Jones/AFP Photo
À esquerda, nigerino mostra medalha de prata; à direita, brasileiro com o bronze olímpico imagem: Ed Jones/AFP Photo

Não deu outra. Na repescagem, o mineiro de 23 anos não teve dificuldades para bater o francês Bar Diaye por 5 a 2 e se classificou à disputa do bronze. Na luta pela medalha, Maicon encarou o britânico naturalizado Mahana Cho - seis centímetros mais alto e 10 kg mais pesado que ele.

Maicon saiu atrás. A primeira pontuação só veio no segundo round, quando o britânico abriu 3 a 1. Com uma sequência de golpes, o brasileiro virou o placar para 4 a 3. Quando restava um minuto, Cho empatou. Mas com um golpe a quatro segundos do fim da luta, Andrade garantiu o bronze com um chute giratório para levar a torcida na Arena Carioca 3 ao delírio - com gritos "é campeão" e embalada pelo tema da vitória de Ayrton Senna.

Alguns minutos depois, Issoufou subiu ao tatame para a disputa do ouro. Perdeu por 6 a 2 para Radik Isaev, atleta do Azerbaijão. Mas não saiu derrotado. Ele desembarcou no Rio de Janeiro com duas missões: repaginar a história de sua família com o taekwondo, após a morte do primo; e recolocar Niger no pódio olímpico pela segunda vez na história, repetindo o feito do seu avô 40 anos depois. Não deixou nada em conta. Como se fosse pouco, ainda “ressuscitou” Maicon Andrade para que ele se tornasse o segundo brasileiro medalhista na modalidade nos Jogos Olímpicos. 

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Nota da redação: Com pouco mais de 17 milhões de habitantes, Niger tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo: 0,3 pontos, na 188ª colocação, segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014. Em torno de 70% do seu território é coberto pelo deserto do Saara, enquanto os outros 30% são situados na região semidesértica do Sahel. O país possui baixo índice de escolarização, alto índice de mortalidade infantil, poucas terras cultiváveis e escassos recursos naturais de valor comercial.

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