Taekwondo

Julia Vasconcelos, do taekwondo, curte "pé na jaca" após dieta pesada

Fernanda Schimidt

Do UOL, no Rio de Janeiro

Longe dos holofotes e da vida luxuosa dos astros do futebol e do basquete, ser atleta não é fácil, muito menos glamuroso. Para milhares dos competidores destas Olímpiadas, a Rio-2016 é sinônimo de rotina regrada, privações e muito suor.

Para a lutadora de taekwondo Júlia Vasconcelos, 24, participar dos Jogos Olímpicos significou perder 7kg em cerca de um mês. Ela costuma competir na categoria 67kg dentre as quatro existentes na modalidade, porém a delegação brasileira tinha direito a enviar atletas para apenas duas. O jeito foi descer uma categoria, o que para ela quis dizer baixar dos seus normais 64kg para os 57kg exigidos na pesagem.

“Cortei tudo: chocolate, refrigerante, lanche, Nutella, arroz, macarrão e qualquer carboidrato”, contou ela na tarde de sexta-feira (19), um dia após sua estreia olímpica, enquanto abocanhava um cheeseburguer. A luta, contra a finlandesa Suvi Mikkonen, acabou 10 a 9, interrompendo ali o sonho da medalha. Em menos de 10 minutos, todo o trabalho dos últimos quatro anos havia se encerrado.

“Fiquei pensando nisso ontem. É o momento em que o sacrifício pode ou não mais valer a pena. A essa altura do campeonato e onde cheguei, desistir não passa mais pela cabeça”, falou ela, que adora comer, principalmente doces. Para aliviar os desejos durante a concentração, Júlia usa o tempo livre para procurar receitas na internet e anotar tudo o que gostaria de comer quando a competição acabar. Ela ainda não se decidiu qual será o cardápio quando retornar a São José dos Campos, sua cidade natal, talvez um brownie de Nutella ou um cheesecake de KitKat. Mas o prato principal já foi definido e encomendado, o escondidinho de bacalhau feito pela mãe.

Nos dias de regime intenso, até a vida social sofre. Os amigos não chamam para sair, e Júlia evita até ir ao shopping. “A rotina é o mais complicado, porque é todo dia, de domingo a domingo, a mesma coisa. No Natal e Ano Novo, fiquei em casa, vendo os meus amigos se divertir”, confessou.

A rotina, no caso dela, consiste em um ovo mexido com chá verde e suplementos alimentares no café da manhã, seguido por treino físico e mais suplementos. Antes e depois do almoço, que tem um cardápio composto por brócolis, beterraba e frango ou peixe, são os treinos de taekwondo. Depois, mais suplemento e uma colher de pasta de amendoim, seguido por mais treino físico e suplementos. O jantar, na sequência, tem o mesmo cardápio do almoço. Por fim, uma sessão de fisioterapia e abacate batido com suplementos.

“Com o mau humor, eu já acostumei. O problema é quando o peso trava. O meu fica em 58kg por uma semana e não muda. Faço de tudo, dieta, treino, mas não desce. Dá vontade de morrer”, disse ela. Antes da pesagem, até água é cortada do cardápio.

O sofrimento compartilhado com os lutadores do clube é recompensado também em grupo. “No taekwondo tem um negócio chamado rebote, que é a liberdade de comer depois da pesagem e da luta”, explicou. O rebote dos lutadores é de alto nível. Os cinco amigos se reúnem durante um fim de semana na chácara da mãe de Júlia, e cada um fica responsável por preparar um prato doce e um salgado. Mas há regras: sempre tem de haver brigadeiro de Oreo e não podem ter dois pratos iguais. “Passamos um dia cozinhando. Aí, taca-le pau. No domingo, comemos o que sobrou. É algo só entre os lutadores, um negócio secreto. Bom, era, né?”, disse aos risos.

Júlia adora falar sobre comida, quase tanto quanto comer. “Tenho um sonho que é ir ao shopping e comer em todos os restaurantes da praça de alimentação em um dia”, confessou. As brincadeiras e piadas também são características da lutadora. Depois de ganhar quatro quilos desde a luta contra a filandesa, ela comenta sobre o mês de férias que tem pela frente: “Se eu não chegar aos três dígitos está bom!”

Por enquanto, Julia tem aproveitado para prestigiar as lutas dos colegas do taekwondo e estará na cerimônia de encerramento dos Jogos na noite do dia 21 de agosto. A partir de segunda, terá finalizado os compromissos olímpicos e pretende curtir a calmaria das praias de Ilhabela.

“Ontem eu estava assistindo as outras lutas e comendo. Minha amiga falou: ‘Julia, pelo amor de Deus, você está sem freio!’. Sempre passo mal, mas passo mal feliz”, disse, abrindo um sorriso largo de quem não tem uma folga desde o ano passado. 

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