O Brasil realmente precisa de medalhas olímpicas?
Para pesquisadores, política esportiva valoriza demais esporte de elite e não democratiza prática de modalidades.
Neste domingo, o Comitê Olímpico Brasileiro fará uma reunião de avaliação dos resultados da Rio 2016 já sabendo que o país não atingirá a meta, estabelecida publicamente, de terminar as competições entre os 10 maiores ganhadores de medalhas.
Longe de ser uma tragédia, já que o país, na pior das hipóteses, ficará com 16 medalhas, seu segundo melhor resultado da história, o desempenho deverá despertar uma sucessão de debates sobre investimentos e filosofias do esporte de alto nível.
Na opinião de acadêmicos ouvidos pela BBC Brasil, a campanha da delegação brasileira oferece uma oportunidade de avaliação de prioridades para os próximos ciclos olímpicos.
E não necessariamente apenas as Olimpíadas de Tóquio, daqui a quatro anos. Sobretudo diante dos temores de redução de investimentos por causa da crise econômica.
Uma das perguntas que podem nortear a discussão é sobre o valor de que deve ser dado às subidas no pódio.
"A proposta de uma meta foi feita para justificar o dinheiro gasto na organização dos Jogos Olímpicos. O atleta olímpico é um grupo específico e não reflete o que é o esporte do país. Precisamos fazer uma grande avaliação, porque o modelo de esporte de alto nível no Brasil é privatizado e pautado pelos clubes", afirma Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo e especialista em esporte olímpico brasileiro.
No ciclo olímpico da Rio 2016, o esporte brasileiro recebeu quase R$ 2 bilhões em investimentos para tentar obter o número recorde de medalhas.
Até a noite de sexta-feira, a delegação brasileira tinha obtido 16 medalhas (5 de ouro, 6 de prata e cinco de bronze) em nove modalidades diferentes.
Em duas delas - maratona aquática e canoagem de velocidade -atletas brasileiros jamais haviam subido ao pódio. Conseguiu medalhas múltiplas no mesmo esporte, incluindo três na ginástica artística. Para ter ficado em décimo lugar, teria que ter chegado a pelo menos 20 medalhas.
Como interpretar o resultado?
"Ao tornar a meta pública e enfatizá-la, o COB colocou pressão exagerada sobre todo mundo, praticamente dando nome e sobrenome a algumas projeções. Como vimos nos Jogos, alguns atletas cotados para o pódio não conseguiram medalhas, porque a Olimpíada tem surpresas e conjunturas, e isso agora vai gerar críticas", opina Marco Antônio Bortoleto, especialista da Faculdade de Educação Física da Unicamp.
Durante visita ao Parque Olímpico nesta semana, o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, disse que a avaliação do desempenho dos atletas não será feita apenas observando o número de medalhas.
"A medalha não pode ser o único parâmetro a ser seguido. Vamos considerar posições totais e as classificações históricas de cada modalidade", afirmou Picciani, cuja pasta também contribuiu para o orçamento do ciclo olímpico.
O assunto chamou a atenção também de acadêmicos estrangeiros. Borja Garcia, da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, especializada em estudos esportivos, questiona se o foco em medalhas não desvia demais a atenção de problemas estruturais maiores.
"Não vejo um grande problema em haver uma meta, mas vejo que há no esporte brasileiro a necessidade maior investimento no esporte de base e nas escolas. Sim, conquistas olímpicas são inspiradoras e são parte dos fatores que levam pessoas a fazer esporte, mas há dúvidas sobre o quão duradouro esse fator é", analisa.
Visão de longo prazo
Para Rubio, há equívocos no planejamento esportivo brasileiro.
"Precisamos de políticas esportivas públicas e de modelos de longo prazo. Não adianta apenas colocar dinheiro em função da Olimpíada. E o quadro de medalhas da Rio 2016 é falacioso. Não quero desmerecer os resultados, mas algumas das medalhas conquistadas pelo Brasil ainda são fruto muito mais do esforço pessoal, como é o caso do Isaquias Queiroz (canoagem), descoberto por um projeto social, e não em uma coisa mais estruturada".
A Rio 2016 serviu como um grande laboratório de políticas de esporte de alto nível. Países "gigantes" mostraram posições curiosas: a China, por exemplo, ampliou seu leque de medalhas, passando a pontuar em esportes como a luta olímpica.
Os britânicos apostaram em uma política draconiana, em que esportes que foram mal em 2012 viram seu investimento ser cortado totalmente ou substancialmente, e podem sair do Rio com um histórico segundo lugar no quadro geral.
A Jamaica manteve o foco específico no atletismo, também contando com a ajuda de Usain Bolt, para conquistar nove medalhas, sendo seis de ouro.
Qual deve ser o rumo do Brasil?
"Cada país precisa descobrir vocações. Se queremos ganhar medalha, esse é o lado. Mas o Brasil deveria pensar mais amplamente. Pensar nas medalhas como consequência, não como objetivo principal da política esportiva. Se fosse pensar em um país, pensaria no Japão, que vem conseguindo medalhas, mas cujo investimento no esporte leva mais em conta o desenvolvimento central", diz Bortoleto.
Qualquer plano dependerá de uma resposta para uma pergunta que diversos atletas vêm fazendo nos últimos meses: após a Olimpíada "caseira" e em meio ao encolhimento da economia, haverá redução de investimentos no esporte brasileiro para o próximo ciclo olímpico?
Os sinais até agora são de aperto de cinto. Especialmente no caso de modalidades que receberam recursos de empresas estatais.
"Isso poderá reforçar a necessidade de parar tudo e fazer grande avaliação. Precisamos de uma política de Estado, não de governo", diz Kátia Rubio, da USP.