! Gringos curtem baladas em Deodoro e vivem o Rio como carioca do subúrbio - 20/08/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Gringos curtem baladas em Deodoro e vivem o Rio como carioca do subúrbio

Bruno Freitas

Do UOL, no Rio de Janeiro

Patinho feio entre as áreas oficiais da Olimpíada, a região de Deodoro foi descoberta nas últimas semanas por estrangeiros que geralmente não costumam cruzar as fronteiras do cartão postal. Por proximidade de familiares atletas e do esporte preferido, ou mesmo para economizar uns trocados, alguns forasteiros tiveram a oportunidade de viver alguns dias como um legítimo carioca das zonas Norte e Oeste, longe da imagem e glamour que a cidade prefere exportar. Ao longo dessa experiência, preconceitos e temores acabaram se transformando, invariavelmente, em diversão. Tudo isso num Rio de Janeiro "que não passa na TV".

Deodoro é um bairro de classe média, dominado por instalações militares desde o início do século passado — são 51 no total. A região também abriga bolsões de miséria na favela do Muquiço, comunidade que sofre com esgoto a céu aberto e ataques de bandidos do vizinho Complexo do Chapadão. Por outro lado, está próxima ao berço do samba carioca, com Portela e Império Serrano no bairro de Madureira.

Durante a Olimpíada, Deodoro abrigou eventos de hipismo, ciclismo mountain bike, ciclismo BMX, pentatlo moderno, tiro esportivo, canoagem slalom, hóquei sobre grama, rúgbi e basquete. No legado pós-olímpico, contará com três instalações permanentes: a Arena Deodoro, a pista de BMX e o circuito de canoagem slalom. Estrangeiros de várias procedências circularam pela região nas últimas semanas e, fora das áreas de competição, ganharam uma visão alternativa sobre a cidade sede dos Jogos de 2016.

"As pessoas aqui são muito legais, surpreendentemente. Porque as únicas coisas que sabia sobre o Rio era o que via nos filmes ou no noticiário. Estar nessa área é bem agradável", afirmou Leslie Unufe, que se hospedou na região de Deodoro para acompanhar os jogos do filho, atleta de rúgbi dos Estados Unidos. 

 

Curtindo a muvuca dos trens

 
 
Japoneses, americanos, europeus e latino-americanos experimentaram elementos comuns do subúrbio carioca, como os deslocamentos por trem ou o agito mais informal da noite, geralmente em casas de brasileiros que viraram amigos há poucos dias. 
 
"Pude ver como vive o povo, como convivem entre si, como se deslocam por transporte público, como são alegres e como têm orgulho de ser brasileiros e de viver no Rio de Janeiro", afirmou o mexicano Fernando Ortiz, que trabalhou como voluntário na zona de Deodoro e se hospedou na região.
 
"Nós conhecemos pessoas muito legais no trem", disse Sana Faavesi, americana que veio torcer pela irmã jogadora de rúgbi e se descreve como "uma pessoa do povo". "É muito lotado no trem! Mas não é um problema, é novo para mim. Todo mundo aqui está acostumado com isso, provavelmente faz parte da cultura, todos com muita pressa", descreveu a turista da Califórnia, falando sobre a experiência mais marcante no subúrbio.
 
Por sua vez, o argentino Raúl Gabellone disse ter se impressionado com a pobreza no caminho do aeroporto até a região, usando um carro alugado. No entanto, fez questão de estar em um local onde a filha adolescente pudesse conviver com outros estrangeiros e se sentiu em casa."Fomos até numa pizzaria aqui, foi tranquilo", afirmou. 
 
 

Carnaval japonês no subúrbio

 
 
Em Marechal Hermes, bairro vizinho a Deodoro, o hostel de Lúcia Boudrini foi um território internacional durante as duas semanas de Olimpíada. Única hospedaria do gênero em uma larga área do subúrbio, o local agradou com tratamento familiar e festas de rua bem informais. A anfitriã se acostumou a receber estrangeiros nos últimos nove anos. O movimento começou em razão de intercâmbios de estudantes, mas acabou se alastrando para entusiastas de Carnaval e por causa da série de eventos esportivos.
 
"Eu tenho sempre movimento de turistas estrangeiros aqui. Sempre tem um que está fazendo alguma coisa por aqui e quer ficar no subúrbio, quer conhecer a Zona Norte da cidade e aí se hospeda aqui comigo", relatou Lúcia. "São várias coisas culturais que o turista pode achar aqui no subúrbio, é só saber que isso existe. Todo mundo sabe que tem praia, que tem Zona Sul, mas não sabe o que tem no subúrbio carioca. A gente tem muita coisa aqui", completou.
 
Na primeira semana dos Jogos, Lúcia hospedou em sua casa 16 japoneses, todos familiares de jogadoras de rúgbi do país. A proprietária relata que os visitantes mudaram a rotina do hostel e da rua inteira. Os orientais acordavam às 5h para preparar refeições típicas para consumo nas arenas, faziam festas próprias com karaokê e chegaram a invadir residências de vizinhos para interagir. "Foi muito divertido. Mas eu tinha que ir atrás deles na rua toda, um em cada local", relatou.
 
 

Pagode diverte de bielorrussa a paquistanês

 
 
O UOL visitou Marechal Hermes numa noite em que uma única rua recebeu simultaneamente duas festas de estrangeiros. De um lado, Lúcia Boudrini promoveu uma de suas confraternizações para os hóspedes interagirem. Na calçada da frente, por sua vez, uma turma de voluntários comemorava o encerramento dos trabalhos em uma das seções de Deodoro. Lá, pagode, churrasco e cerveja brasileira esquentavam uma roda de dança, que juntava inglês, paquistanês, australiano, entre outras nacionalidades. A celebração acabou indo para a rua.
     
"Pessoalmente, gosto muito, porque é uma parte muito genuína. A Zona Sul do Rio, que é mais turística, tem as praias, mas não sei se você encontra tanto contato com os cariocas", disse o uruguaio Juan Pollio, voluntário da Olimpíada. "É a parte da hospitalidade carioca. Se fosse em outro lugar, não sei se convidariam 35, 50 pessoas para comer na sua casa", completou. 
 
A desenvoltura de Lydia Lysenkova era a grande atração da festa. A carismática voluntária vinda de Belarus cantou e dançou com os amigos na festa do subúrbio. Na noite anterior, a garota com inglês perfeito relata ter feito sucesso cantando de improviso em uma balada em Bangu, outro bairro bem distante do glamour da Zona Sul. 
 
"Eu gosto ainda mais desses lugares do que áreas típicas como Copacabana ou Ipanema, que todo mundo vai, se diverte e gasta dinheiro. E aqui você pode sentir o Brasil", relatou a bielorrussa. "O Brasil verdadeiro, não aquilo que a globalização trouxe ao Brasil", emendou a sorridente Lysenkova. 
 
 

Nada de zika e balas perdidas

 
 
O convívio com os cariocas da Zona Norte ofereceu aos estrangeiros que passaram pela região uma visão atualizada sobre o Brasil. O senso comum dos visitantes antes de pegar o avião era aquela disponível nos noticiários, pautados pelo alarmismo a respeito do risco de doenças ou da violência urbana do Rio. No entanto, os temores se dissolveram, muito graças à hospitalidade local. 
 
"Antes de vir, ouvi muito da imprensa, sobre zika vírus, que todo mundo aqui é baleado, roubado, como um país com muito crime. Mas desde que cheguei aqui tudo mudou. Eu realmente amei o Rio, amei o Brasil. Claro que existem problemas, como em todos os países, mas as pessoas aqui são muito amigáveis", comentou Lydia Lysenkova.
 
"Ouvi que era perigoso, que tinha muito crime, para ser cuidadoso com suas coisas pessoais. Eu vivo em Nova York, essas coisas são comuns por lá também, como em todos os lugares do mundo, podemos falar assim", endossou o americano Daniel O'Leary, na mesma linha de raciocínio. 
 
Os dias de agito estão para acabar em Deodoro. A Paraolímpiada vem por aí, mas o fluxo de estrangeiros não será o mesmo destas semanas especiais de agosto. Mas, no final de contas, uma parte de um Brasil mais real vai viajar ao mundo através das experiências colhidas. "Eu estou tentando aprender a cultura e a língua do Brasil. Agradeço a vocês pela hospitalidade", disse o paquistanês Muhammad Muntaz, usando uma camiseta de capoeira, em sua declaração de afeto à terra da Olimpíada. 

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