! Dos morros às Olimpíadas: como o samba se tornou um pilar dos jogos - 18/08/2016 - UOL Olimpíadas

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Dos morros às Olimpíadas: como o samba se tornou um pilar dos jogos

Daniel Lisboa

Do UOL, no Rio de Janeiro

Chegou a hora
Portela alegremente vem cantar (lá laiá lá)
Com um brilho atraente de swing irreverente
Fazendo assim o mundo inteiro "delirar" (ô delirar)

O samba-enredo do Carnaval de 1996 ilustra o momento do samba no Rio de Janeiro com as Olimpíadas. O gênero musical, marginalizado no início de sua história, foi abraçado pelo maior evento esportivo do planeta.

Milhões de espectadores ao redor do planeta assistiram aos quase 500 ritmistas que se apresentaram no Maracanã na festa de abertura. Eles acompanharam cada uma das delegações dos países participantes. Casais de mestre-salas e porta-bandeiras também desfilaram na frente de câmeras de todo o mundo. Escolas de samba têm tocado nos intervalos de diversas modalidades. E elas estarão presentes novamente na cerimônia de encerramento.

As escolas participarão também da cerimônia de encerramento que acontecerá domingo (21). A LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) intermediou o contato entre a organização dos jogos e as escolas. 

"Sabor local"

"É algo que iremos lembrar daqui mil anos", diz Luis Carlos Magalhães, vice-presidente da Portela. Para ele, participar das Olimpíadas prova que "a comunidade do samba é capaz de representar nossa cultura com galhardia e altivez" e que "o que antes era marginalizado hoje é referência".

A atenção dada ao samba também é bem vista por quem veio de fora acompanhar os jogos. Para os irmãos norte-americanos Adam e Annie Marszal, por exemplo, o ritmo "agrega um sabor local às Olimpíadas".  Eles comparam o que têm visto no Brasil com a experiência que tiveram acompanhando os jogos de Pequim, em 2008. "Estávamos comentando agora sobre isso, como o clima aqui é diferente, é festivo. Nada mais natural que o samba faça parte disto", diz Adam. 

Já o inglês Alex Morley vai além e acredita que a presença do samba nas Olimpíadas comprova o bom gosto musical dos brasileiros. "Na Inglaterra, a maioria escuta coisas mais comerciais, não sei...Aqui parece que as pessoas sabem mais o que é boa música", diz ele. 

Antes e depois de Paulo

O simbolismo do trecho citado no início da reportagem cabe, de certa forma, também à Portela, escola que levou sua melodia ao sambódromo naquele ano. A Portela é a mais antiga escola de samba ainda em atividade no Rio de Janeiro (foi fundada em 1923) e a maior campeã do Carnaval local com 21 títulos.

A trajetória da escola não apenas se confunde com a do próprio samba como seu maior ícone, Paulo da Portela, é um dos grandes responsáveis pela profissionalização dos sambistas.

Foi em grande parte devido ao trabalho de Paulo que o gênero passou a integrar o Carnaval carioca: antes das mudanças promovidas pelo sambista, os blocos, que tocavam samba, sequer faziam parte da programação oficial da festa. É de se imaginar o que diria Paulo da Portela ao ver seu samba presente na cerimônia de abertura do maior evento esportivo do planeta.  

Ontem marginalizado, hoje referência

É difícil afirmar se, de fato, existiram orientações oficiais para a polícia perseguir sambistas no Rio do começo do século. Ao pesquisar para seu livro "Making Samba" (fazendo samba), por exemplo, o historiador americano Marc Hertzman afirmou, em entrevista à revista "Carta Capital", que não encontrou nenhum documento que provasse a repressão policial aos músicos.

O que é possível afirmar com certeza é que, por ser um gênero popular entre os desfavorecidos, o samba sofria sim forte preconceito de classe. Tanto que alguns historiadores defendem que o samba só começou a ser de fato aceito pela elite após um processo de "sofisticação".

Isso teria acontecido durante a ditadura do Estado Novo (1930-1945), com a introduções de orquestras e canções de cunho ufanista.

"Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, seria um exemplo desse momento vivido pelo samba. "Ary Barroso começou a vestir o samba. Tirou-o das esquinas e terreiros para levá-lo ao municipal. Ary Barroso vestiu a primeira casaca no samba. O samba ganhou o smoking da orquestra", afirmou o crítico de rádio Pedro Anísio para o "Boletim dos Serviços de Transmissão da Rádio Nacional" em 1943.

Fusão no subúrbio

O UOL Esporte esteve presente em um evento simbólico para essa fusão de samba com Jogos Olímpicos. No sábado (13), integrantes da Portela fizeram um mini-desfile no Parque Madureira, zona norte do Rio.

Eles se encontraram com integrantes do tradicional Cordão da Bola Preta, o mais antigo bloco de Carnaval da cidade. O evento fez parte da programação oficial do Boulevard Olímpico do Parque Madureira, na zona norte da cidade.

Ao UOL Esporte, integrantes da Portela falaram sobre a emoção de participar das Olimpíadas, legado olímpico e o lugar do samba hoje.

Eles tinham ao fundo os arcos olímpicos instalados no parque. E a presença simbólica de Paulo da Portela, imortalizado em uma bandeira levada por uma das torcidas organizadas da escola. O que talvez prove que o sambista estava errado quando compôs a canção "O Meu Nome já Caiu no Esquecimento":

Chora cavaquinho chora
Chora violão também
O Paulo no esquecimento
Não interessa a mais ninguém

 

 



 

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