Lenda do atletismo diz por que Brasil não tem campeões: só pensa em futebol
Haile Gebrselassie diz que já virou fã do Brasil. A lenda do atletismo mundial já provou (e aprovou) água de coco, tomou açaí e até ensaia algumas palavras em português. Ele afirma também acompanhar o atletismo destas bandas. Ressalta que vê um grande potencial de desenvolvimento. Mas tem na ponta da língua a explicação para o Brasil não produzir campeões nas pistas de corrida: só quer saber de futebol.
“Todo mundo no Brasil quer ser jogador de futebol por causa dos grandes nomes desde Pelé, como Neymar, Ronaldo e Zico. Os meninos jovens na rua, se você pergunta ‘o que você quer ser?’, eles dizem ‘eu quero ser como Ronaldo, Pelé’ ou outros grandes nomes”, afirma. “Eu acredito que jovens que vivem em torno dessas áreas talvez digam... 'ah, corrida'... No esporte, você não pode pressionar outra pessoa a fazer. Tem que vir de dentro. Se não vier de dentro, você não pode ter sucesso”, completa o etíope.
Gebrselassie usa alguns resultados de Ronaldo da Costa como prova que o atletismo nacional pode ser bem sucedido em provas de fundo e maratonas. “O Brasil tem potencial, mas os brasileiros não fizeram o suficiente para serem corredores de longa distância. Me lembro de 1998, quando Ronaldo da Costa quebrou o recorde da Maratona de Berlim. É possível fazer isso, os brasileiros são bons para corridas de longa distância, mas eles não fazem nada”, analisa.
O etíope sabe bem o que precisa ser feito para ter sucesso. Seu currículo é irrepreensível. Bicampeão olímpico dos 10.000 m (Atlanta 1996 e Sydney 2000), Gebrselassie foi simplesmente nove vezes campeão mundial em sua carreira. Quebrou nada menos que 27 recordes mundiais. Além de todo o foco e treino, ele aponta uma questão cultural do seu país e de outras potências africanas na longa distância como vantagem quase biológica.
“Na Etiópia e no Quênia há muitas razões para o sucesso. Primeiramente, o lugar onde vivemos, a comida que comemos, o ato de treinar, o estilo de vida. Se você observar, um menino jovem no interior do Quênia e da Etiópia, com um par de sapatos, corre para todo lugar. Para nós, correr não começa aos 16, 17 anos. Começa aos 2, 3 anos. Correr faz parte da vida diária, ir para a escola, ajudar sua família. Por isso atletas da Etiópia e do Quênia são naturalmente privilegiados”, explica a lenda. Algo parecido com o "jogar bola" na rua para as crianças brasileiras.