Olimpíadas 2016

Operadora da máfia do ingresso olímpico teve sede e time de vendas no Rio

Tasso Marcelo/AFP
Polícia do Rio apreendeu 813 ingressos revendidos ilegalmente pela THG Sports imagem: Tasso Marcelo/AFP

Hanrrikson de Andrade e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

A THG Sports, empresa apontada como principal operadora da chamada máfia do ingresso da Olimpíada de 2016, manteve em um escritório na rua Debret, no centro do Rio de Janeiro, um time de vendas de serviços de hospitalidade VIP para os Jogos. Divididos em duas equipes, os profissionais abordavam empresários de alto poder aquisitivo com ofertas de pacotes que continham as entradas mais concorridas do evento, recepção com mesa exclusiva no hotel Copacabana Palace, um dos mais luxuosos da cidade, e encontros com astros olímpicos e ex-atletas badalados.

A reportagem do UOL teve acesso a cópias das propostas que eram enviadas pela THG Sports, subsidiária do grupo que leva o nome do milionário inglês Marcus Evans e que não possui autorização para comercializar entradas da Olimpíada. Os vendedores utilizavam a seguinte tática: buscavam potenciais clientes em redes sociais e sites de grandes empresas, entravam em contato por telefone e ofertavam 20 lugares para a cerimônia de abertura e para a decisão do futebol masculino. Os preços eram muito mais altos do que os originais.

Um tíquete para a festa que custaria R$ 1.400 era vendido dentro de um pacote por US$ 8.618, ou seja, mais de R$ 25 mil. A THG anunciava ainda que os pacotes poderiam ser comprados juntos a US$ 122.760 para grupos de dez pessoas, já incluindo grandes descontos.

Para justificar a oportunidade de compra, os negociadores alegavam que uma famosa fabricante de refrigerantes havia desistido dos ingressos. O roteiro de venda também incluía a oferta de transporte de luxo (ida e volta) entre o hotel e os locais dos eventos, espaços personalizados para convidados e bufê com direito a "champagne e canapés".

O escritório da THG foi fechado há cerca de um ano, segundo informações de pessoas que trabalham na portaria do imóvel. 

Investigadores da Nage (Núcleo de Apoio aos Grandes Eventos), da Polícia Civil, descobriram que a THG obtinha os ingressos da Rio-2016 com fontes credenciadas e os revendia de forma ilícita. A ação, deflagrada na última semana, resultou na prisão de um dos diretores da empresa, o irlandês Kevin James Mallon, e na apreensão de 813 entradas --que poderiam gerar um lucro de R$ 10 milhões. Os bilhetes foram localizados dentro do cofre do quarto de hotel no qual Mallon estava hospedado.

Os policiais constataram que esse hotel, o Next Flat, localizado na Barra da Tijuca, na zona oeste, sediava os eventos de recepção que foram prometidos para o Copacabana Palace. Em vez de grandes banquetes, afirmou o delegado Aloysio Falcão, os compradores foram recebidos apenas com "doces e salgados".

Hanrrikson de Andrade/UOL
Fachada do prédio onde funcionava escritório da THG Sports, no Rio imagem: Hanrrikson de Andrade/UOL

Bônus de R$ 50 mil em uma única venda

Um ex-funcionário da THG revelou ao UOL que os vendedores recebiam, por cada transação, uma bonificação que poderia variar de 5% a 7% do valor dos pacotes comercializados. As comissões formavam a maior parte da remuneração dos funcionários da THG. O salário-base, registrado na carteira de trabalho do profissional, era de R$ 1.200.

O ex-funcionário contou ainda que a líder de uma das equipes, identificada como P.L, faturou bônus de R$ 50 mil em uma única venda fechada.

Havia uma intensa competição interna entre os grupos de vendedores, cada qual com quatro ou cinco integrantes e um líder. Cada transação, quando perto de ser fechada, era acompanhada pessoalmente pelo gestor da equipe de vendas, o irlandês Christopher Dobbs, que não está mais no Brasil. Em maio, ele foi transferido para a sede da firma em Berlim.

O ex-funcionário ouvido pelo UOL disse que, certa vez, perguntou a Dobbs sobre a origem dos ingressos que eram comercializados junto com os pacotes de hospitalidade. O executivo teria respondido apenas que eram "das delegações". O UOL não conseguiu entrar em contato com Dobbs.

Os maiores clientes eram abordados por vendedores predeterminados, de acordo com o relato do ex-funcionário. "Tinha uma espécie de ficha. Cada vendedor tinha seu 'mailing'. Eu não podia chegar lá e mexer com o presidente de um grande banco. Eu tinha que descobrir os meus próprios compradores", afirmou ele, que fazia buscas em redes sociais como o LinkedIn, por exemplo, para prospectar negócios. 

Ele também disse que as transações tinham que ser fechadas na hora. "Não tinha possibilidade de agendar. Depois da negociação, a ligação era transferida para um auditor e a ele cabia fechar a venda. Algumas vendas foram fechadas pelo próprio gestor da equipe", disse ele, em referência a Dobbs.

O vínculo entre THG e Irlanda vai além da prisão de Mallon e da menção do ex-funcionário da empresa a Dobbs. Na terça-feira (9), reportagem do UOL revelou que tíquetes reservados ao comitê da Irlanda estavam entre os apreendidos pela Polícia Civil do Rio. Além disso, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, e Jogos de Inverno de Sochi, em 2014, a subsidiária da Marcus Evans Group era responsável pela venda de ingressos a clientes residentes na Irlanda.

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Ingresso da cerimônia de abertura é nominal a Comitê Olímpico Irlandês imagem: TASSO MARCELO/AFP PHOTO

Advogado nega crime

O advogado Franklin Gomes é responsável pela defesa de Mallon e da THG Sports no Brasil. Ele confirmou que a companhia manteve funcionários e um escritório no centro do Rio. Essa estrutura foi usada para a atuação da companhia no Brasil. Ele negou, contudo, qualquer atividade ilegal da empresa, inclusive no que diz respeito à Olimpíada de 2016.

Segundo Gomes, a THG é uma multinacional de renome que vende “pacotes de hospitalidade” para grandes eventos esportivos e de entretenimento realizados em várias partes do mundo. No caso da Rio-2016, o advogado disse que os produtos THG não incluem ingressos.

“Os contratos firmados pela THG com clientes não tratam de ingressos. Por isso, não há crime de cambismo”, disse ele, em entrevista ao UOL Esporte. “Mallon nega as acusações feitas contra ele pela polícia. Há um recurso judicial tramitando em Brasília para que ele seja libertado o mais rápido possível.”

Gomes não explicou o motivo de Mallon ter mantido 813 ingressos no seu quarto de hotel. Ressaltou que possuir ingresso não é ilegal. Ilegal é vender entradas por valor acima do original. O advogado informou que, como a THG não vendeu ingressos, não há irregularidade.

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Kevin James Mallon foi detido por policiais da Nage (Núcleo de Apoio a Grandes Eventos), da Polícia Civil do Rio imagem: Tasso Marcelo/AFP

O advogado ainda disse a THG ou seus representantes não respondem a qualquer processo relacionado à cambismo na Copa do Mundo de 2014. Segundo ele, o diretor da companhia, James Sinton, foi conduzido pela polícia para prestar esclarecimentos numa delegacia durante o torneio. Foi liberado em seguida e acabou saindo do país.

O Comitê Rio-2016 e o COI (Comitê Olímpico Internacional) informaram na terça que acompanham e apoiam o trabalho da polícia do Rio. Os órgãos disseram que não falarão sobre culpados e possíveis punições enquanto a investigação não for concluída. Já o Comitê Olímpico da Irlanda informou que abriu uma investigação interna assim que soube da apreensão de ingressos reservados à entidade no Rio de Janeiro. O órgão declarou seguir todas as normas do COI sobre revenda e distribuição de entradas olímpicas. O Comitê Irlandês diz tratar do assunto com a máxima seriedade.

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