Olimpíadas 2016

Atleta chilena sofreu abuso sexual do padrasto e é heroína em seu país

Patrick Semansky/AP
Maratonista Erika Olivera foi porta-bandeira do Chile na Rio-2016 imagem: Patrick Semansky/AP

José Ricardo Leite

Do UOL, no Rio de Janeiro

Ser violentada sexualmente já é uma das piores sensações da vida de uma mulher. Imagine, então, isso ocorrendo quando criança, e com uma dose a mais de constrangimento: a pessoa que a violentou ser o padrasto, marido da própria mãe da jovem. Esse fato triste ocorreu com uma atleta dos Jogos Olímpicos do Rio e ícone no Chile: a maratonista Erika Oliveira, de 40 anos.

A corredora é uma pessoa muito querida em seu país, tanto que foi porta-bandeira da nação no desfile de abertura do Maracanã depois de vencer eleição popular. Recebeu a bandeira das mãos da presidente Michelle Bachelet antes de chegar ao Rio. Seu carisma com os chilenos ocorre por se posicionar fortemente sobre questões políticas e esportivas e também por simbolizar garra e coragem pelas dificuldades superadas em sua vida.

Érika conta que sofreu abusos sexuais do padrasto dos cinco aos 17 anos, e que apenas quando tinha 12 decidiu ter coragem de contar para a mãe. Relata que o padrasto a ameaçou e forçou a dizer que era mentira. Ele disse que “ninguém iria querer saber de uma mulher que foi abusada, e que com isso à tona jamais conseguiria ter filhos e família”.

Nada mudaria durante alguns anos, até que certo dia decidiu encará-lo. Chamou toda a família e o fez assumir na frente de todos, inclusive seus filhos, dos abusos que cometeu. A consequência foi a fuga do padrasto, levando junto sua mãe, que virou as costas para a filha e ambas nunca mais se viram.  A corredora decidiu mover um processo contra o padrasto que ainda corre na justiça chilena.

Chilena virou exemplo e levantou bandeira contra abuso sexual

A difícil situação não gera nenhum arrependimento em Érika. Pelo contrário. A previsão de seu padrasto deu totalmente errada e ela se casou e hoje tem uma família com cinco filhos. Lamenta a postura da mãe, mas entende que o saldo de encarar a situação foi muito mais positivo. Virou bandeira contra abuso a mulheres em seu país e ajudou muitas delas a terem coragem de relatar o que passavam.

“Quando decidi expor esse caso pras pessoas, tive algumas intenções. A primeira foi por uma justiça comigo. Se a questão judicial (em esferas criminais) será feita ou não, não sei. Mas queria compartilhar isso com o Chile. Queria que as pessoas soubessem para que outras mulheres não se calassem. Que denunciam e exponham a situação quando isso ocorra”, falou ao UOL Esporte.

“Havia coisas em mim que estavam muito abertas pelo que vivia há alguns meses e isso me motivou a tomar tal medida pra buscar minha tranquilidade. É um peso muito grande que carrego. A mensagem que quero deixar é que precisamos de força. Muitas mulheres me escrevem sobre suas experiências, muito fortes de ler, mas me deixa feliz que poso ajudá-las em um tema tão horrível, mas também importante”, continuou.

Sobre a decisão da mãe de ficar do lado do padrasto, mágoa zero. Erika prefere entender o caminho e ver o lado positivo: o que tem de bom hoje, sua família.  “Não tenho mais contato com ela (mãe). Não sei como está, com quem está. Não vou julgá-la. Foi uma decisão dela e só tenho que respeitar e eu seguir com a minha. Tenho uma linda família, um marido, cinco filhos, e juntos vivemos situações maravilhosas. Estou feliz e quero muito que eles sejam. Deixo a situação da minha mãe nas mãos de Deus e que o tempo fale. Temos que ter tempo e quem sabe um dia não voltamos a ter contato. Mas não depende só de mim".

Recorde olímpico e receita: felicidade

Ganhadora da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1999, Erika Oliveira está em sua quinta Olimpíada e pode ser a primeira mulher a conseguir terminar os pouco mais de 42 km cinco vezes consecutivas em Jogos Olímpicos. A receita? Ser feliz.

“Corro com 40 anos porque sou uma pessoa em paz e que adoro felicidade e as coisas boas. Não faço tudo isso por uma medalha de metal. Mas sim pela medalha de vida que guardo em meu coração”, explicou. “Treinei em Natal por 40 dias com a intenção de me adaptar ao clima e terminar de uma maneira digna a maratona. Não tenho metas de marca e quero ser primeira mulher do mundo a terminar cinco maratonas olímpicas

Além de ser maratonista aos 40 anos e mãe de cinco filhas, Erika ainda encontra tempo para estudar. Se formará esse ano em administração de empresas e pensa, de alguma forma, em contribuir para a melhora de seu país. Na política? Talvez.

“Na política tem muitas coisas que podemos fazer. Quero aproveitar minha família e tenho outros projetos. Sei que é necessária a política e temas sociais pra nós. Mas quero poder trabalhar nesses temas e poder apoiar diferentes temas.”
 

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