#QueroTreinarEmPaz

"Me perguntam como sou musa se sou baixinha e gordinha", diz esgrimista

Luiz Pires/VIPCOMM
Amanda Simeão, esgrimista do Brasil, compete na categoria espada e participará do torneio por equipes imagem: Luiz Pires/VIPCOMM

Adriano Wilkson

Do UOL, no Rio de Janeiro

A mulher que disse não à Playboy. A musa da esgrima. É assim que as pessoas têm se referido à espadachim olímpica Amanda Simeão, 22 anos, depois que ela recusou um convite para fazer um ensaio para a revista masculina mais conhecida do mundo.

Ao contrário de atletas que não gostam de ser primeiro lembradas por seus atributos físicos, Amanda diz estar ok com esse tratamento. Ela só recusou fazer o ensaio porque, como é atleta militar, as fotos se chocariam com os valores das Forças Armadas.

“Se você passa na frente de uma obra e os pedreiros não falam nada, alguma coisa está errada com você”, afirmou ela no último sábado logo após perder seu combate e ser eliminada da competição individual da Rio-2016. Ela atuará de novo no torneio por equipes.

Mulher de luta: a vaga foi suada

Amanda não é uma atleta qualquer. No começo do ano, brigou para ter direito a competir nos Jogos e conseguiu provar a ilegalidade da naturalização de uma esgrimista húngara que tentava atuar pelo Brasil.

Reprodução/Facebook
imagem: Reprodução/Facebook

Amanda, sua mãe, seu técnico e um advogado fizeram uma investigação e conseguiram anular judicialmente o processo de naturalização de Emese Takács, baseando-se no argumento de que ela tinha um casamento fraudulento no Brasil. Com a saída da húngara, a curitibana, então a quarta melhor espadachim do país, ganhou a vaga.

“Eu tive que lutar muito para chegar aqui, e algumas pessoas não veem isso”, disse ela, no Parque Olímpico da Barra, entre um duelo e outro de Nathalie Moelhausen, a ítalo-brasileira melhor ranqueada da equipe.

As vantagens de não ser invisível

Amanda acredita que a atenção gerada sobre sua aparência é boa para a divulgação de um esporte ainda pouco conhecido e praticado no Brasil. Ela também diz crer que o assunto lhe traz inclusive vantagens esportivas.

“As outras meninas ficam perguntando como posso ser chamada de musa se eu sou baixinha e gordinha”, disse ela depois de mostrar em seu celular uma foto ao lado de uma adversária muito mais alta. “Elas se preocupam tanto com isso que acabam perdendo o foco do jogo e eu consigo levar alguma vantagem.”

Amanda mede 1,66 m e pesa 62 kg. Suas duas colegas do time de espada são dez centímetros mais altas e têm praticamente o mesmo peso.

Saulo Cruz/Exemplus/COB
imagem: Saulo Cruz/Exemplus/COB

No sábado, antes de entrar na pista para jogar sua primeira Olimpíada, enquanto as outras meninas se concentravam e soltavam gritos de guerra, Amanda ajeitava a maquiagem e o cabelo refletindo-se em um espelho de mão. “É só o jeito que eu sou, eu me sinto bem assim e gostaria que as pessoas não me julgassem”, disse ela. “Se a menina quiser se maquiar pode, se não quiser pode também, tanto faz, ela faz o que quiser com a vida dela.”

"É complicado escrever sobre mim"

Amanda gostar de ser tratada “como uma joia” e dar pontos a homens que lhe dão presentes e pagam toda a conta do restaurante, mas também tem opinião que pode ser considerada progressista sobre ao menos um tema controverso: aborto.

“É difícil, mas desde que não seja uma vida ainda, desde que não traga dor e sofrimento para um ser humano, acho que a mulher tem que ter o direito de fazer, sim. Em caso de estupro principalmente porque aí ela não pode ser responsabilizada pela gravidez.”

“Eu sei que é complicado escrever sobre mim”, afirma ela antes que a entrevista acabe. “Eu penso coisas que podem parecer conflitantes, mas as pessoas são assim, complexas. Eu mesma estou me conhecendo e tentando me entender sempre.”

(Esta reportagem faz parte do Especial #QueroTreinarEmPaz. Quando decide praticar esporte quase toda mulher enfrenta uma série de dificuldades que não deveriam existir. Dificuldades que homens não enfrentam. Se você, só porque é menina, já teve problema para praticar esporte, conte sua história nas redes sociais usando a hashtag #QueroTreinarEmPaz)

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