! Aluno de academia de boxe contestou professora. Só porque era uma mulher - 26/07/2016 - UOL Olimpíadas

Olimpíadas 2016

Aluno de academia de boxe contestou professora. Só porque era uma mulher

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

Quando era atleta de boxe, Katia já tinha sido chamada de machona. Ao virar treinadora, já com a carreira estabelecida, ainda teve que enfrentar outra situação: sua capacidade foi contestada por um rapaz. Apenas pelo fato de ser mulher. Na frente de toda a turma, ele afirmava que as instruções não eram corretas e sugeria outros exercícios.

A situação durou nove meses. Na hora do embate, ela se mantinha inabalável e fazia valer a autoridade. Longe dos outros, ruminava a história e tinha a confiança em si minada pelas atitudes do aluno.

“É para mexer com o ego de qualquer profissional. Eu era treinadora, não fui cuspida ali. Me capacitei para estar onde estava”.

(Esta reportagem faz parte do Especial #QueroTreinarEmPaz. Quando decide praticar esporte quase toda mulher enfrenta uma série de dificuldades que não deveriam existir. Dificuldades que homens não enfrentam. Se você, só porque é menina, já teve problema para praticar esporte, conte sua história nas redes sociais usando a hashtag #QueroTreinarEmPaz)

Katia Marcos da Silva, 42 anos, realmente ralou. Nascida na favela do Cantagalo, no Rio de Janeiro, foi a primeira treinadora de boxe do Brasil. Ela conta que sentia desconfiança por uma mulher estar na turma de formação de técnicos.

A contestação fez trabalhar mais e levou a um resultado inesperado. Na cerimônia de formatura, Katia foi a última a ser chamada para pegar o diploma, distinção feita a melhor da turma. A expressão no rosto dos outros integrantes do grupo, todos homens, não era de parabéns.

“Olhava nos olhos dos homens que diziam eu não tô acreditando que isto está acontecendo.”

Nos 19 anos de carreira, Katia trabalhou com a equipe de boxe olímpica do Brasil e lutadores de MMA como Minotauro e integrantes da família Gracie. Mas também se acostumou a ter tratamento diferente.

Os preços dos pacotes de aulas para iniciantes precisavam ser 30% mais baratos porque os alunos não aceitavam pagar o mesmo valor que um homem cobra. Ela conta que ouviu de donos de academia de bacanas do Rio que receberia menos por ser mulher.

“Quando começava esta conversa eu virava as costas e ia embora. Ouvi isso umas três vezes em academias conhecidas da Zona Sul”.

Ao longo dos anos, Katia aprendeu que os pais mantinham os filhos treinando com ela até os 10, 12 anos. A partir desta idade, procuravam um homem porque o esporte parava de ser brincadeira e virava sério.

Atrapalha na hora da paquera

Katia começou no boxe em um projeto social no Cantagalo. Estava com 16 anos e queria ficar com o corpo em dia. Ela se apaixonou pelo esporte, mas ficou mais complicado arrumar uma paixão.

O uniforme dos treinos é um bermudão gigante que começa no meio da barriga e desce até os joelhos. Fora dos ringues, vivia de moletom. Os modelitos, associados aos preconceitos, fizeram namorados em potencial se afastarem.

“Já teve rapazes que me paqueraram que falaram ‘eu jurava que você não gostava de homens’. Falaram isso para mim umas três vezes lá pelos meus vinte e poucos anos.”

Sempre que contava praticar boxe Katia escutava um por quê? A pergunta vinha num tom que revelava o que não estava contido nas palavras.

“Por que uma menina jovem, tão bonita lutar. Será que ela gosta de mulher?”

Ser tratada como lésbica não foi uma coisa que a treinadora precisou conviver. Muitos diziam que ficaria com o corpo masculinizado, braços definidos, costas largas. A reação dependia do estado de espírito do momento. Algumas vezes Katia dava de ombros porque não precisava dessas pessoas para viver. Em outras, sentia raiva por estarem julgando sem conhecê-la.

E pensar que todo este preconceito ocorreu sem ela sequer fazer uma luta na carreira. Eram tão poucas mulheres no boxe na década de 1990, quando era atleta, que jamais houve uma adversária de sua categoria. Mas Katia lutou outra batalha. Talvez nem tenha percebido que desde a adolescência ela combate o preconceito.

Arquivo pessoal
imagem: Arquivo pessoal

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