Olimpíadas 2016

A tocha é um sucesso, emociona e comove. Mas eu não senti nada de mais

Eduardo Martino/Divulgação
Momento em que recebo a tocha olímpica: estampei um sorriso e não o tirei mais imagem: Eduardo Martino/Divulgação

Murilo Garavello

Do UOL, em Osasco

Cresci amando jogar e ver jogar. O basquete ajudou a forjar meu caráter. Vejo no esporte o maior atalho para uma vida equilibrada, para autoconhecimento e aprimoramento, para aprender a conviver com diferenças. Mas o simbolismo da chama olímpica jamais me cativou. Nunca vi muita graça no revezamento da tocha. Não pensei que muita gente visse.

Estava enganado. A tocha é um sucesso. Centenas de cidades do país pararam para vê-la passar. Multidões se acotovelam buscando proximidade. Haja selfie. Condutores anônimos experimentam 10 minutos de celebridade. Participam celebridades de verdade, do presente e do passado, esportistas e ex-esportistas, todos honrados e emocionados. Um dos patrocinadores vê esgotadas as tochas de plástico que distribui e disparar o recall da marca. Se você acha que é exagero, dê uma olhadinha em algumas histórias que o UOL vem contando aqui.

Na quinta-feira, vivi essa realidade. A tocha emociona. Quem carrega e quem assiste. Homens e mulheres choraram. Me senti um Beatle, agarrado, beijado. Vi pessoas correndo quilômetros para acompanhar o comboio. Milhares de celulares clicando sem parar. Milhares de sorrisos, de mãos acenando. Alegria. 

Eduardo Martino/Divulgação
Uniformizado e de tocha na mão, vivi uns 6 ou 7 minutos de atordoamento. imagem: Eduardo Martino/Divulgação

Meu dia de condutor começou em Osasco às 16h, com uma sessão calculada para cultivo de emoção. Vestidos com os uniformes brancos que ganhamos, recebemos instruções. "Vocês têm de fazer festa para quem desce do ônibus. Cantar o nome, para incentivar". "Hoje quero ver todo mundo com a bochecha doendo de tanto sorrir". "Sorriam para a imprensa". "Mandem beijo para o público depois do 'beijo' da tocha" (quando a chama passa de uma tocha para outra). "Quando forem transferir a tocha, combinem um cumprimento com seu parceiro para mostrar empolgação". "Vocês representam os atletas olímpicos. Em Osasco, a Olimpíada é hoje".

Recebemos, então, a tocha. Cada um tem a sua. Os que, como eu, receberam convite de um dos patrocinadores, ganham-na. Os outros têm de devolver - a menos que paguem R$ 1980. E muita gente paga. Um deles me disse: "Vou dar para, sei lá, meu neto. Ou vendo. Já pensou quanto vai valer essa tocha em 20 anos? E em 50?". Tocha, um investimento.

Fomos, então, de ônibus. "Urrú, é nóis na Olimpíada", berrou uma das colegas condutoras. "Aaaaaaa, que emoçãããão". No caminho havia corredores de pessoas nos esperando. O motorista buzinava sem parar. Caminhão dos patrocinadores fazia festa, com música, dançarinos, animadores. A cada semáforo ou parada pelo trânsito, o povo se aproximava do ônibus para tirar fotos. 

Ao longo do percurso, dentro do ônibus, cada condutor contava um pouco da sua história. Por que estava ali. Eli, um israelense, veio com a esposa para o Brasil, como prêmio da Cisco para ele. Soledad, da secretaria de esporte de Osasco, chorou. Ivan Moré, o apresentador do Globo Esporte, trouxe a mãe do interior de SP, e ressaltou o privilégio de carregar um símbolo da paz. Gusta, influenciador do You Tube, falava do orgulho de um dia mostrar para os filhos a tocha. Todos tocados.

Cada condutor ia sendo deixado no ponto correto. O meu era uma esquina. Que tinha no mínimo umas 100 pessoas. Assim que desci, vivi a Beatlemania. Uniformizado e de tocha na mão, vivi uns 6 ou 7 minutos de atordoamento. O fotógrafo do patrocinador me puxava pra cá e pra lá. As pessoas se aproximavam. Queriam tirar fotos. Queriam que eu sorrisse. Que pusesse a tocha mais pra cá. Ou mais pra lá. Fui obedecendo todas as ordens. "Você é ator?". E as pessoas se aproximando mais. E mais. "Famoso e gostoso! Casa comigo?". Me agarraram pelo braço. Apertaram minha bunda. "Que esporte você pratica?". E selfies e mais selfies. Uma menina deu um beijo no meu rosto (sem pedir). Me puxaram parar tirar foto do lado de uma idosa. Depois, de uma menininha fantasiada de Branca de Neve. E a aglomeração começou de novo. Celulares para todo lado, abraços...

Eduardo Martino/Divulgação
Um momento de menor assédio durante o revezamento: vivi a Beatlemania imagem: Eduardo Martino/Divulgação
Então, fui "salvo" por uma pessoa da organização. A hora H estava chegando. Desde que soube que carregaria a tocha, fiquei curioso: predominaria o menino basqueteiro ou o jornalista treinado para ser cético (e, vamos falar a verdade, chato) e não se entusiasmar com nada? O que será que eu iria sentir? 

Senti honra. Estampei um sorriso e não o tirei mais. Peguei o fogo. Trotei, zeloso, durante 200 metros. Por uns 2 minutos, talvez, não cronometrei. Não estava tocado. Não me passou nada diferente pela cabeça. Comum até demais. Então, Nélio de Moura, o técnico da Maurren Maggi, que neste ano estará na Olimpíada pelo Uruguai, me esperava. Passei o fogo pra ele. Saí de cena. Apagaram minha tocha, entrei em um outro ônibus que recolhe os já ex-condutores. Acabou. Foi bom.

*Murilo Garavello carregou a tocha a convite da Coca-Cola

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