Olimpíadas 2016

A história do remador que treinou Nicolas Cage e viveu sonho hollywoodiano

Divulgação

Fernando Santos

Colaboração para o UOL

Um dos maiores remadores dos anos 70 é um exemplo da grande maioria dos atletas olímpicos brasileiros. Atalibio Magioni não só abandonou o esporte, mas também abandonou o país, foi ser treinador de remo no Canadá e em várias universidades (inclusive em Harvard), trabalhou como modelo fotográfico e até no cinema em Hollywood. Mas hoje, como pecuarista em Santa Catarina, ele guarda uma profunda e incurável dor por não ser mais lembrado, nem mesmo para conduzir a Tocha Olímpica.

"O Brasil é o país campeão em destruir talentos. Não só no esporte, mas em todas as áreas. Se tivesse a oportunidade, eu não seria capaz de fazer novamente o que fiz pelo esporte brasileiro", diz Atalibio, um emotivo senhor de 69 anos que foi redescoberto pela professora e pesquisadora Katia Rubio na produção do livro "Atletas Olímpicos Brasileiros", que conta a história dos 1.796 esportistas nacionais que participaram dos Jogos.

Despedida do Brasil e nova vida no Canadá

Em 1976, este gaúcho de Venâncio Aires foi à Olimpíada de Montreal, no Canadá. Atalibio competiu em Montreal na prova do dois com, ao lado do remador Wandir Kuntze e do timoneiro Nilton Alonço, o Gauchinho. Eles ficaram em quarto lugar na final B, décima colocação geral.

A prova encerrou a carreira de um atleta multicampeão nacional, sul-americano e Pan-Americano. Após as Olimpíadas, Atalibio aceitou um convite para ficar e morar no Canadá para formar a seleção local de remo. Começava então uma nova e vibrante fase em sua vida.

“Sempre quando voltava ao Brasil, após mais de 40 viagens ao exterior para representar o meu país, eu perdia o emprego, pois viajava sem permissão dos patrões. Vivia então de uns trocados que recebia do técnico Buck e dos clubes que defendi, Vasco e Flamengo. Mas isso não era vida para um atleta olímpico”, lembra, com olhos lacrimejantes e voz soluçante.

Durante dez anos, Atalibio treinou a equipe canadense de remo, três universidades do Canadá e também a consagrada universidade de Harvard, nos EUA.

Na época, ele também já seguia a carreira de modelo fotográfico, iniciada no Rio após ter servido a Polícia do Exército, com a participação em alguns comerciais e até mesmo em pontas de novelas, como em Selva de Pedra, antigo sucesso da TV Globo. Como modelo, ele diz ter desfilado em passarelas e feito centenas de trabalhos, no Brasil e no exterior, para grandes empresas, como companhias de cerveja e de aviação.

Sonho hollywoodiano e sucesso com mulheres

Reprodução
Remador brasileiro foi convidado para trabalhar com Nicolas Cage após ajuda em filme imagem: Reprodução

A fama de bom partido e o trabalho reconhecido com a equipe canadense de remo abriram as portas para o cinema em Hollywood. Atalibio treinou o ator norte-americano Nicolas Cage no filme “The Boy in Blue” (titulado no Brasil como “O Rapaz de Azul” e também como “Fúria de Vencer”), uma produção do Canadá de 1986 que mostra a história de um famoso remador local.

“Treinei o Nicolas Cage por três ou quatro meses para o skiff, no barco onde o remador compete sozinho. Depois, ele me chamou para trabalhar com seu escritório em Miami, mas preferi seguir um outro caminho”, conta, cheio de orgulho e resgatando a voz quase perdida.

“Eu era forte, bonito, vencedor. Conseguia tudo o que queria na América. Tive mais de mil mulheres sexualmente”, jura.

Remador largou vida de luxúria e voltou ao Brasil

Após um período de tantas aventuras e luxúrias, ele foi estudar, especializou-se em genética de gado, casou-se e teve três filhos. E sua vida mudou novamente.

"Certo dia, enquanto o Sol nascia, eu caminhava e vi Jesus Cristo. Ele apareceu e me disse: ‘Eu não te criei para ser meu escravo da religião, mas um servo meu’. Jesus revelou a terra onde eu deveria ficar. E foi então que larguei tudo e voltei ao Brasil, aonde estou até hoje".

Atalibio deixou a família no Canadá e instalou-se numa fazenda em Pinhalzinho, próximo a Chapecó, no interior de Santa Catarina. Lá, ele cria gado para exportação, com embriões franceses que aprendeu a lidar geneticamente, trabalho que começa às 7h e vai até as 18h, sem folgas nem no fim de semana. Com intervalos durante o dia, ele espera por um novo “presente de Deus”: rever os filhos que ele deixou no Canadá, com quem não tem contato há mais de 20 anos.

É nesta zona rural do interior catarinense que ele mora apenas com a companhia da mulher, Lizete, que conheceu no metrô de São Paulo, durante uma viagem a trabalho como modelo.

Diz estar "muito bem" de saúde após ser diagnosticado com um recente câncer de pele. "As manchas que apareceram e cresceram sumiram após o tratamento. Graças a Deus, estou forte e curado".

Mágoas olímpicas ainda estão na memória

É também neste local onde o ex-remador guarda suas mágoas olímpicas. “Até minha medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos foi roubada. Tiraram-me a medalha, mas não a minha vitória. O valor do esporte não está na medalha, mas em suas conquistas.”

Entre tantas memórias e desgostos, Atalibio diz que o Brasil de hoje é um país de ingratidão, onde só se pensa em levar vantagens. Ele lembra um episódio com o então presidente da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos), João Havelange, que chegou a intervir numa crise que teve com a comissão técnica da seleção de remo durante uma competição no Uruguai.

"O doutor Havelange resolveu o problema, venci a prova e quando voltei ao Brasil ele prometeu que iria tomar providências. Estou esperando até hoje".

 Fala também de dirigentes que viajavam de malas vazias e voltavam com elas cheias de presentes, o que explicaria o dinheiro que era destinado ao esporte, mas que segundo ele nunca chegava aos remadores. E de atletas indisciplinados e até mesmo desonestos, que furtavam lojas e até talheres nos restaurantes. "Eu nunca me considerei parte desta gente".

Por isso, Atalibio não acredita no sucesso dos Jogos do Rio. "O legado será negativo. Prometeram limpar a Baía da Guanabara e a Lagoa Rodrigo de Freitas, onde eu competia, mas continua uma imundice. Isso me faz lembrar dos vários momentos de constrangimento que passei no exterior quando se falava das coisas que acontecem aqui no Brasil".

Durante esta entrevista, Atalibio interrompeu várias vezes. Para chorar.

“Não choro de injustiça, choro de pena. Pena de ver a pobreza espiritual no Brasil. Só mentem, só enganam, só roubam, e ninguém assume nada”.

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