Violência policial ameaça legado olímpico, alerta Anistia Internacional
Hoje, ele vê risco de que isso volte a acontecer com ele ou com seus vizinhos. Teme que a Olimpíada motive novas ações violentas de forças de segurança contra moradores de áreas carentes da capital fluminense. “O medo é total. Está todo mundo apreensivo. Só nós sabemos o que aconteceu quando o Exército ocupou a Maré antes da Copa do Mundo”, disse ele.
Um relatório lançado nesta quinta-feira (2) pela ONG Anistia Internacional revela que o sentimento Vitor tem fundamento. Segundo a publicação, houve aumento dos casos de abuso das forças de segurança e de violações de direitos humanos no Rio durante os Jogos Pan-Americanos de 2007 e a Copa 2014. Membros da Anistia alertam ainda que, se medidas não forem tomadas, os problemas devem se repetir por conta da Rio-2016.
“Em abril deste ano, houve um aumento significativo do número de mortes causadas por operações policiais no Rio. Se nada for feito, podemos repetir os mesmos erros da Copa e do Pan e viver as mesmas violações de direitos”, disse Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.
Segundo o relatório da Anistia, só em 2014, ano da Copa, operações policiais realizadas no Estado do Rio resultaram em 580 mortes. O número foi 39,5% maior do que o de 2013, quando 416 pessoas morreram em decorrência de ações da polícia.
Já em 2015, a quantidade de mortes relacionadas a operações cresceu ainda mais. Um ano antes da Olimpíada, 645 pessoas morreram no Estado durante operações policiais (11% a mais que em 2014). Só na cidade do Rio, uma de cada cinco vítimas de homicídio em 2015 morreu numa ação da polícia.
O diretor executivo da Anistia, Atila Roque, indica que os aumentos não são mera coincidência. Segundo ele, megaeventos esportivos realizados no Brasil e fora dele, historicamente, estão relacionados a violações de direitos humanos.
Roque lembrou, entretanto, que autoridades brasileiras prometeram ampliar a segurança para toda a população quando o país foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos, em 2009. Por isso, medidas devem ser tomadas para que excessos das forças de segurança sejam evitados.
Segundo Roque, é preciso que governos invistam em treinamento, evitem o uso excessivo de armas letais e não letais e garantam os direitos individuais da população. Entre esses direitos, está o de livre expressão, mesmo durante os Jogos.
Violência na repressão de protestos
A Anistia Internacional, aliás, vê risco de repressão violenta de protestos durante a Rio-2016. Na Copa, dezenas de pessoas foram feridas em ações policiais enquanto se manifestavam no país.
Na Olimpíada, estarão em vigor a Lei Antiterrorismo e a Lei Geral da Olimpíada. Ambas foram sancionadas neste ano pela presidente afastada Dilma Rousseff e impõem restrições à liberdade de expressão, segundo a Anistia Internacional.
A entidade prometeu encaminhar seu relatório a autoridades de segurança junto com uma petição exigindo medidas contra as violações de direitos humanos. Procurada pelo UOL Esporte, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro informou que medidas como as sugeridas pela Anistia já vêm sendo tomadas desde 2007. E mais: tem dado resultado.
"Houve 17 mortes decorrentes de oposição à intervenção policial em áreas de UPP no primeiro semestre de 2015, o que equivale a uma redução de 82,8% se comparado ao registrado no primeiro semestre de 2008 (99 vítimas). As mortes decorrentes de oposição à intervenção policial também apresentaram redução no estado, entre 2007 e 2015 a redução foi de 51,5% (685 vítimas)", declarou a secretaria.
Já o secretário da Sesge (Secretaria Extraordinário de Segurança para Grandes Eventos), Andrei Rodrigues, disse em entrevista ao UOL que desconhece o relatório da Anistia, mas que qualquer previsão de violação de direitos motivada por grandes eventos não passa de especulação. Segundo ele, a Copa do Mundo, ao contrário do vê que a Anistia Internacional, foi um sucesso na área de segurança.
"Não tivemos nenhum grande incidente na Copa do Mundo. O planejamento da segurança da Olimpíada segue o mesmo modelo do adotado no Mundial de futebol. Não há alicerce qualquer previsão de violação de direito", afirmou Rodrigues, que coordena o trabalho das forças federais de segurança que atuarão na Rio-2016.
Nesta quarta-feira, aliás, todos os órgãos de segurança ligados à Olimpíada definiram protocolo de atuação durante o evento. "A responsabilidade de cada um está muito clara. Tudo está baseado em conversas e trabalho de inteligência", complementou Rodrigues.
O CML (Comando Militar do Leste) informou em comunicado que atuou na Maré após acordo entre governo do Estado do Rio e a Presidência da República. Informou que a operação realizada na área visava a reestabelecer a paz e colaborou para redução do índice de homicídios no local.
Sobre o caso de Vitor, o CML informou que ele foi atingido após o veículo em que ele estava não cumprir uma determinação de parada. O CML informou que ofereceu assistência a Vitor e que seu caso virou um processo que tramita na Justiça Militar.