Olimpíadas 2016

Atualizada em 01.06.2016 20h49

Violência policial ameaça legado olímpico, alerta Anistia Internacional

Fábio Teixeira
Exército ocupou o complexo de favelas da Maré, na zona norte do Rio, meses antes da Copa imagem: Fábio Teixeira

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

O carioca Vitor Santiago Borges, 30 anos, está com medo. Faltando 64 dias para o início da Olimpíada de 2016, ele teme que as Forças Armadas voltem a ocupar o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, área em que ele mora desde que nasceu.
 
Em 2015, durante uma ocupação iniciada meses antes da Copa do Mundo, Vitor foi baleado por militares em serviço enquanto voltava de carro para sua casa. Ficou paraplégico e teve uma perna amputada.

Hoje, ele vê risco de que isso volte a acontecer com ele ou com seus vizinhos. Teme que a Olimpíada motive novas ações violentas de forças de segurança contra moradores de áreas carentes da capital fluminense. “O medo é total. Está todo mundo apreensivo. Só nós sabemos o que aconteceu quando o Exército ocupou a Maré antes da Copa do Mundo”, disse ele.

Um relatório lançado nesta quinta-feira (2) pela ONG Anistia Internacional revela que o sentimento Vitor tem fundamento. Segundo a publicação, houve aumento dos casos de abuso das forças de segurança e de violações de direitos humanos no Rio durante os Jogos Pan-Americanos de 2007 e a Copa 2014. Membros da Anistia alertam ainda que, se medidas não forem tomadas, os problemas devem se repetir por conta da Rio-2016.

“Em abril deste ano, houve um aumento significativo do número de mortes causadas por operações policiais no Rio. Se nada for feito, podemos repetir os mesmos erros da Copa e do Pan e viver as mesmas violações de direitos”, disse Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.

Segundo o relatório da Anistia, só em 2014, ano da Copa, operações policiais realizadas no Estado do Rio resultaram em 580 mortes. O número foi 39,5% maior do que o de 2013, quando 416 pessoas morreram em decorrência de ações da polícia.

Já em 2015, a quantidade de mortes relacionadas a operações cresceu ainda mais. Um ano antes da Olimpíada, 645 pessoas morreram no Estado durante operações policiais (11% a mais que em 2014). Só na cidade do Rio, uma de cada cinco vítimas de homicídio em 2015 morreu numa ação da polícia.

O diretor executivo da Anistia, Atila Roque, indica que os aumentos não são mera coincidência. Segundo ele, megaeventos esportivos realizados no Brasil e fora dele, historicamente, estão relacionados a violações de direitos humanos.

Roque lembrou, entretanto, que autoridades brasileiras prometeram ampliar a segurança para toda a população quando o país foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos, em 2009. Por isso, medidas devem ser tomadas para que excessos das forças de segurança sejam evitados.

Segundo Roque, é preciso que governos invistam em treinamento, evitem o uso excessivo de armas letais e não letais e garantam os direitos individuais da população. Entre esses direitos, está o de livre expressão, mesmo durante os Jogos.

Violência na repressão de protestos

A Anistia Internacional, aliás, vê risco de repressão violenta de protestos durante a Rio-2016. Na Copa, dezenas de pessoas foram feridas em ações policiais enquanto se manifestavam no país.

Na Olimpíada, estarão em vigor a Lei Antiterrorismo e a Lei Geral da Olimpíada. Ambas foram sancionadas neste ano pela presidente afastada Dilma Rousseff e impõem restrições à liberdade de expressão, segundo a Anistia Internacional.

A entidade prometeu encaminhar seu relatório a autoridades de segurança junto com uma petição exigindo medidas contra as violações de direitos humanos. Procurada pelo UOL Esporte, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro informou que medidas como as sugeridas pela Anistia já vêm sendo tomadas desde 2007. E mais: tem dado resultado.

"Houve 17 mortes decorrentes de oposição à intervenção policial em áreas de UPP no primeiro semestre de 2015, o que equivale a uma redução de 82,8% se comparado ao registrado no primeiro semestre de 2008 (99 vítimas). As mortes decorrentes de oposição à intervenção policial também apresentaram redução no estado, entre 2007 e 2015 a redução foi de 51,5% (685 vítimas)", declarou a secretaria.

Já o secretário da Sesge (Secretaria Extraordinário de Segurança para Grandes Eventos), Andrei Rodrigues, disse em entrevista ao UOL que desconhece o relatório da Anistia, mas que qualquer previsão de violação de direitos motivada por grandes eventos não passa de especulação. Segundo ele, a Copa do Mundo, ao contrário do vê que a Anistia Internacional, foi um sucesso na área de segurança.

"Não tivemos nenhum grande incidente na Copa do Mundo. O planejamento da segurança da Olimpíada segue o mesmo modelo do adotado no Mundial de futebol. Não há alicerce qualquer previsão de violação de direito", afirmou Rodrigues, que coordena o trabalho das forças federais de segurança que atuarão na Rio-2016.

Nesta quarta-feira, aliás, todos os órgãos de segurança ligados à Olimpíada definiram protocolo de atuação durante o evento. "A responsabilidade de cada um está muito clara. Tudo está baseado em conversas e trabalho de inteligência", complementou Rodrigues.

O CML (Comando Militar do Leste) informou em comunicado que atuou na Maré após acordo entre governo do Estado do Rio e a Presidência da República. Informou que a operação realizada na área visava a reestabelecer a paz e colaborou para redução do índice de homicídios no local.

Sobre o caso de Vitor, o CML informou que ele foi atingido após o veículo em que ele estava não cumprir uma determinação de parada. O CML informou que ofereceu assistência a Vitor e que seu caso virou um processo que tramita na Justiça Militar.

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