Pressão do público é crucial para avanço do futebol feminino, diz Marta
Bicampeã do Pan-Americano, duas medalhas de prata em Olimpíadas, um vice-campeonato mundial, ganhadora do prêmio da Fifa de melhor jogadora do mundo por cinco vezes consecutivas - o currículo de Marta é extenso, mas a conquista que ela mais almeja ainda está por vir: a profissionalização do futebol feminino no Brasil.
Na Rio 2016, o objetivo da seleção feminina era a inédita medalha de ouro, que não veio - a equipe perdeu na semifinal e na disputa pelo bronze. Mas Marta argumenta que o "prêmio" conquistado nessa Olimpíada superou a ausência de medalhas.
Em entrevista à BBC Brasil, a camisa 10 se emociona ao falar do carinho que recebeu nos estádios brasileiros durante os Jogos.
"Fomos aplaudidas em todos os lugares onde passamos. Enchemos os estádios, uma coisa de louco. Até hoje não caiu a ficha. Nessa Olimpíada, foi o maior prêmio que a gente podia ganhar", diz Marta.
Somando os públicos do Engenhão (em dois jogos), Arena Amazônia, Mineirão, Maracanã e Arena Corinthians, mais de 270 mil pessoas foram ver as mulheres brasileiras no futebol - com destaque para a semifinal contra a Suécia no Maracanã, que teve quase 70 mil presentes.
"Não conseguimos o pódio, mas conseguimos uma coisa muito maior: o carinho das pessoas. Conseguimos acordar o Brasil nesse sentido. E a gente espera que isso continue, porque, se tivermos o povo do nosso lado, vamos dar um passo muito grande."
Além disso, não foram poucas as camisas da seleção que apareciam com o nome de Marta escrito de improviso, à caneta, por torcedores empolgados.
"Ver todo esse carinho me deixa muito orgulhosa, porque tá valendo a pena tudo que passei e ainda passo. Uma vida inteira dedicada a isso, vale a pena", diz Marta.
Na televisão, a quarta maior audiência entre os eventos olímpicos da Rio 2016 foi justamente o jogo entre Brasil e Austrália pelas quartas de final, que acabou com a vitória brasileira nos pênaltis.
No entanto, terminada a Olimpíada, há indícios de que o futebol feminino ainda tenha grandes desafios de público: na última quarta-feira, jogo da Copa do Brasil feminina entre as equipes União, do Rio Grande do Norte, e Caucaia, do Ceará, teve apenas 194 pagantes na Arena das Dunas (Natal), apesar dos ingressos a preços populares (R$ 5 a R$ 10), segundo o portal UOL.
'Conheceram o futebol feminino'
O futebol feminino foi proibido por lei durante muito tempo no Brasil - entre as décadas de 1940 e 1980, a modalidade era considerada "caso de polícia", e muitas mulheres eram levadas para a delegacia se fossem vistas jogando.
Por isso, a modalidade acabou se desenvolvendo de maneira tardia no país. Até hoje não é considerada profissional, nem tem um calendário movimentado para todas as equipes.
Marta levou o nome do Brasil para o mundo, mas praticamente não jogou no país. Sem encontrar estrutura nos clubes daqui, foi jogar na Suécia logo que começou a se destacar na seleção, quando ainda tinha 17 anos e, desde então, só voltou a atuar em solo brasileiro por alguns meses, emprestada.
Também por esse motivo, a camisa 10 considera que a Olimpíada do Rio foi importante para que os brasileiros "conhecessem" o futebol feminino - como é raro ver campeonatos de mulheres na TV, o período olímpico foi o primeiro contato de muita gente com a modalidade.
"Acho que precisava desse momento para que as pessoas pudessem conhecer a gente, porque eu, por exemplo, moro lá fora tem quase 11 anos. As pessoas me veem de quatro em quatro anos, quando estou na seleção, quando vou jogar uma Olimpíada. Dificilmente sabem do meu dia a dia por lá", diz Marta.
A esperança da jogadora agora é que, havendo "pressão" do público, a realidade do futebol feminino no Brasil possa mudar de verdade para as próximas gerações.
"A Formiga (meio-campista da seleção), por exemplo, dedicou a vida ao esporte. E as pessoas foram conhecer a Formiga praticamente agora. Ela está há 21 anos jogando pela seleção e da mesma maneira, com raça, com garra. Se não for pra mim, vai ser para as meninas que estão vindo depois de mim."
"Se as pessoas estiverem do nosso lado, dificilmente a gente não vai conseguir nosso objetivo, trazer melhorias para a modalidade, dar a oportunidade para as crianças fazerem o que querem e quebrar esse preconceito de esporte de menina e de menino."
Futuro
Passado o boom da Olimpíada, os próximos passos da seleção e do futebol feminino no Brasil ainda estão sendo definidos.
O que se sabe por enquanto é que a equipe nacional tem um amistoso à vista com uma das maiores forças da modalidade atualmente - Brasil e França se enfrentam em 16 de setembro na casa do adversário (ainda não há confirmação se alguma emissora exibirá a partida).
Depois, virão Mundiais Sub-17 (setembro) e Sub-20 (novembro), mais um amistoso em outubro e o tradicional Torneio Internacional, que é disputado no Brasil anualmente em dezembro e, nesta edição, ocorrerá em Manaus.
"Não depende de nós. Com o futebol masculino, a gente vende os direitos. Com o feminino, a gente pede para ser transmitido. Agora, depois desse boom, é bem provável que as TVs queiram exibir ao menos a fase final."
O coordenador também prometeu buscar mais apoio na TV a cabo e aumentar a divulgação da modalidade. Ele afirma que há um projeto na CBF para estimular a prática do futebol feminino nas escolas.
"Nós vamos tentar, com apoio das TVs fechadas, falar mais sobre futebol feminino, vamos divulgar muito no site da CBF também. E queremos estimular esse fomento. Estamos falando de formação de base. Queremos levar as meninas da seleção para falar sobre futebol feminino nas escolas."
A seleção permanente, no entanto, não deve continuar. O projeto foi criado com vistas à Olimpíada de 2016, principalmente para manter as principais jogadoras do país em atividade - muitas estavam sem clube, e as que jogavam aqui acabavam ficando meses paradas por causa da falta de calendário de jogos. Como a maioria das atletas agora atua fora do país, a iniciativa será repensada.
"Vamos continuar a seleção permanente com quem? Não existe seleção permanente sem jogadoras. Se a maioria está no exterior, vou convocá-las no momento que tivermos compromissos", disse o coordenador do futebol feminino da CBF, Marco Aurélio Cunha, à BBC Brasil.
Sobre a falta de visibilidade para o futebol feminino - a Copa do Brasil, por exemplo, começou nesta quarta-feira sem nenhuma transmissão de TV no país -, o dirigente afirma que a confederação "está fazendo sua parte".