Povo emotivo? Por que choramos, rimos, vaiamos e ficamos furiosos intensamente na Rio 2016
Como emoções à flor da pele na Olimpíada se relacionam a aspectos do cotidiano, identidade cultural e cenário atual do Brasil.
A torcida brasileira nos Jogos do Rio foi alvo de atenção pelas vaias aos atletas rivais, mas também pela animação e emoção no apoio a competidores nacionais.
A BBC Brasil, que acompanhou relatos e análises na imprensa nacional e internacional sobre o país e os brasileiros durante a Rio 2016, conversou com especialistas para investigar por que, afinal de contas, somos vistos ou nos percebemos como um "povo emotivo".
Para Bader Sawaia, professora de psicologia social da PUC-SP, isso ocorre porque demonstrar emoções é algo mais aceito socialmente no Brasil. "O Brasil sempre foi um país mais alegre, que não inibe a demonstração de afetos", diz.
O cientista social Alberto Carlos Almeida, autor de "A Cabeça do Brasileiro" (editora Record), destaca esse aspecto de nossa tradição cultural ao afirmar que "nossa socialização não é tão rígida no controle das emoções".
"Crescemos e não temos essa obrigação de controlar o choro como, por exemplo, em países nórdicos e nos Estados Unidos."
Autores que se tornaram referência no estudo da identidade nacional também destacaram o papel da emotividade, afirma a antropóloga da UERJ Claudia Barcellos Rezende, coautora de "Antropologia das Emoções" (editora FGV), ao lado de Maria Cláudia Pereira.
"O pensamento social brasileiro, toda tradição de Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre, a partir da década de 1920 e 1930, começou a construir essa visão da emotividade do brasileiro como algo característico nosso e ambivalente: em alguns momentos seria positiva e em outros, nem tanto", afirma.
"Mas ao longo do século passado, a gente viu a construção da identidade nacional com essa ideia de que o brasileiro expressa a emoção mais facilmente, de uma maneira mais explícita e espontânea, e que isso é do brasileiro, diferentemente de outras sociedades e culturas."
'Sou brasileiro, com muito orgulho'
Embora ressaltem o papel da tradição e dos relatos clássicos sobre nossa "identidade emotiva", pesquisadores também citam o atual contexto do país e a dimensão da Rio 2016 como causas da extrapolação de emoções - positivas e negativas - pelos brasileiros durante os Jogos.
"A Olimpíada foi um momento em que o brasileiro sentiu que poderia potencializar a forma de se sentir parte de um país, porque a gente vinha de um momento de humilhação política e econômica. Na cerimônia de abertura, mostramos que temos capacidade, apesar das dificuldades", afirma Sawaia.
Para Claudia Barcellos, a possibilidade de expor e comparar nossa identidade com outros países torna algumas de nossas características - como a emotividade - mais visíveis.
"Esse é um contexto em que você reúne vários estrangeiros em um ambiente só, então a identidade brasileira está muito em foco, porque é a identidade brasileira versus a americana, a inglesa e outras nacionalidades. Num contexto assim, chorar mais ou expressar as emoções de maneira mais intensa fica ainda mais presente, faz ainda mais sentido para os brasileiros."
O cenário da maior competição esportiva do planeta, diz a antropóloga, também favorece a percepção da emotividade, neste momento, como algo positivo.
"Houve momentos em nossa história em que ser emotivo foi sinônimo de ser menos civilizado, ou o contrário do europeu. A grande virada (na história do pensamento social brasileiro) foi essa ressignificação da emoção como algo positivo da nossa identidade", diz.
"Então o Brasil pode não ser um país desenvolvido, civilizado e moderno pelo olhar do outro, mas temos a facilidade de fazer amigos, somos mais emotivos. E isso de repente vira uma característica positiva, que nos diferencia de outras pessoas", conclui.