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Atualizada em 13.04.2016 15h43

Prefeitura do Rio muda Parque Olímpico para favorecer Odebrecht e parceiros

Divulgação
Projeto original do Parque Olímpico (imagem) foi alterado para valorizar terrenos imagem: Divulgação

Rodrigo Mattos e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

A prefeitura do Rio de Janeiro mudou o projeto do Parque Olímpico da Rio-2016 para beneficiar a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Carvalho Hosken –as três construtoras responsáveis pela obra. Essa informação consta de um relatório do COI (Comitê Olímpico Internacional) anexo a um aditivo do contrato assinado pelo município e pelas empresas para a construção da maior instalação esportiva da Olimpíada. A Carvalho Hosken é doadora de campanha do prefeito Eduardo Paes, e ele aparece como um dos políticos beneficiados por dinheiro da Odebrecht em planilha obtida na operação Lava Jato.

Por meio da Lei de Acesso à informação, o UOL Esporte obteve acesso a 33 volumes de documentos que compõem o processo administrativo mantido pela prefeitura sobre o Parque Olímpico. No processo, estão detalhadas as alterações realizadas em 2012 em favor das empreiteiras no masterplan do empreendimento. Isso ocorreu após a licitação, isto é, impediu que outras empresas pudessem concorrer com as novas condições. Os documentos apontam ainda que o município executou a obra já com base no novo projeto mesmo sem ter formalizado essas alterações em contrato, dificultado assim a fiscalização.

O projeto conceitual (ou masterplan) do Parque Olímpico foi feito pela empresa de arquitetura Aecom, vencedora de uma concorrência realizada pela prefeitura em 2011. Nesse masterplan, a Aecom indicou como as instalações esportivas da Olimpíada deveriam ser distribuídas no terreno do parque para a realização dos Jogos, para o melhor aproveitamento de arenas esportivas já construídas para os Jogos Pan-Americanos de 2007 e para maximização do legado da Rio-2016.

De acordo com esse projeto conceitual, o velódromo do Pan, construído no lado Sul do terreno do Parque Olímpico, seria reformado para a Olimpíada. Ao lado dele, também na parte Sul do parque e à beira da Lagoa de Jacarepaguá, ficariam as quadras olímpicas de tênis. Já as arenas temporárias, como a de natação, ficariam no lado Norte. Após a Olimpíada, elas seriam desmontadas e dariam lugar a prédios comerciais ou residenciais.

O plano da Aecom foi incluído no edital da concorrência lançada pela prefeitura em 2011 para seleção das construtoras do Parque Olímpico. O município decidiu tocar a obra por meio de uma PPP (parceria público-privada), na qual as empresas escolhidas executariam as obras necessárias para a Olimpíada e, como parte de seu pagamento, receberiam do município a posse dos terrenos ocupados pelas estruturas temporárias ou estacionamento durante a Rio-2016.

Todos esses terrenos, devidamente demarcados com base no projeto da Aecom, foram avaliados em R$ 850 milhões. A transferência deles para as construtoras foi esquematizada para o custeio da obra do Parque Olímpico.

A concorrência para a escolha das construtoras do Parque Olímpico foi concluída em março de 2012. Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken associaram-se num consórcio --a Concessionária Rio Mais— para disputar a licitação. Acabaram sendo candidatas únicas para assumir a obra do parque e, assim, foram declaradas vencedoras da concorrência.

Acontece que, no mês que a concorrência foi concluída, a prefeitura já apresentava ao COI um plano para a obra do Parque Olímpico diferente do produzido pela Aecom e, portanto, distinto do incluído na licitação. Nesse novo projeto, já estava prevista a demolição do velódromo do Pan, a mudança do local do centro de tênis e a modificação dos espaços destinados a arenas temporárias.

Com as alterações, abriram-se espaços para projetos imobiliários das construtoras em terrenos próximos à lagoa, os quais tendem a ser mais valorizados pela sua localização privilegiada. É justamente por isso que o próprio COI avaliou que mudança no projeto do parque beneficiou as empreiteiras.

Arte UOL
imagem: Arte UOL

O comitê analisou o novo projeto conceitual do Parque Olímpico quando a prefeitura ainda discutia as alterações. Informou em relatório enviado ao município: “O rascunho do masterplan revisado foi apresentado nos dias 6 e 7 de março [de 2012]. O masterplan apresentou várias mudanças com relação ao masterplan anterior da Aecom para o design da competição. Essas revisões são resultado de uma consulta com as empreiteiras da PPP e são motivadas por esforços de maximizar o valor dos terrenos e as oportunidades de desenvolvimento”.

No mesmo documento, o COI afirmou que “a prefeitura reconhece que a empreiteira do PPP tende a ter dois objetivos primários: maximizar o valor dos terrenos e cumprir as obrigações das sedes a baixo preço”.

Por fim, o comitê olímpico deu seu aval às mudanças. Ratificou até a decisão da prefeitura de demolir velódromo do Pan, cujas condições técnicas haviam sido condenadas pela federação de ciclismo.

Advogados apontam irregularidades em mudanças

Segundo advogados especialistas em licitações e concessões, as mudanças no projeto do Parque Olímpico deveriam ter sido combinadas com um reequilíbrio financeiro da PPP já que beneficiou empreiteiras. Esse reequilíbrio, motivado pela alteração do valor dos terrenos concedidos das construtoras, nunca foi realizado. Os terrenos continuaram a ser avaliados em R$ 1,8 mil por metro quadrado.

“A modificação dos terrenos que ficarão com o grupo Rio Mais, se representam uma maior valia para o grupo contratado, altera a equação econômico-financeira e poderiam, sim, vir a alterar o equilíbrio contratual, demandando um reequilíbrio”, disse a advogada Ana Hohmann, especialista em direito administrativo.

Maria Sylvia Zanella di Pietro, ex-professora da USP (Universidade de São Paulo) e advogada especialista em direito administrativo, concorda com Hohmann e vê outro problema na mudança do projeto do Parque Olímpico. “Se você altera o projeto após a licitação, você muda as regras da concorrência. Se outra empresa soubesse que os terrenos seriam outros, talvez, ela poderia ter disputado a licitação”, explicou ela. “A empresa que disputou sozinha foi favorecida.”

O processo administrativo do Parque Olímpico aponta, aliás, que a revisão do masterplan do espaço negociada em 2012 foi formalizada em agosto de 2015. Só então a prefeitura assinou um aditivo ao contrato fechado com as empreiteiras anos antes. No aditivo, o município também transferiu às empresas a responsabilidade sobre a construção do IBC (Centro Internacional de Transmissão, na sigla em inglês) em troca de uma autorização para que prédios que serão futuramente construídos no parque sejam ainda mais altos que o inicialmente combinados. Dos 12 andares previstos, agora, os edifícios poderão ter 18 pavimentos.

O atraso na formalização das mudanças foi tema de diversos questionamentos do TCM (Tribunal de Contas do Município). A advogada di Pietro afirmou que a prefeitura não poderia ter autorizado a execução de uma obra diferente da prevista na concorrência sem que o novo projeto tivesse sido tema de um aditivo contratual. “Primeiro você formaliza as mudanças. Depois, realiza a obra”, afirmou.

Para o engenheiro Pedro Celestino Pereira, presidente do Clube de Engenharia, com o atraso na formalização, a prefeitura dificultou a atuação de órgãos de controle. “Como a fiscalização vai inspecionar uma obra sem saber o que deve exatamente o que deveria estar sendo feito? Fica impossível”, disse ele.

Doações a campanha meses após mudanças

As mudanças no Parque Olímpico favoráveis às construtoras envolvidas nos projetos foram no ano em que Paes foi reeleito prefeito do Rio. Campanha do prefeito, aliás, contou com contribuição declarada da Carvalho Hosken, uma das empresas que compõem o consórcio construtor parque e que foram beneficiadas pelas alterações no masterplan da obra.

A Carvalho Hosken, do empresário Carlos Carvalho, doou R$ 150 mil diretamente à campanha de Paes à reeleição em agosto de 2012. A contribuição foi registrada na prestação de contas da campanha do prefeito apresentada à Justiça Eleitoral.

Já em setembro, a Carvalho Hosken, repassou outros R$ 500 mil ao comitê financeiro do PMDB do Rio, ao qual Paes é filiado. Esse comitê foi o grande financiador da campanha para a reeleição prefeito. Dos R$ 21,2 milhões arrecadados, R$ 15,5 milhões foram doados pelo órgão. Essa segunda doação também foi registrada na Justiça Eleitoral.

A Carvalho Hosken foi procurada para comentar as doações e as mudanças no projeto do Parque Olímpico. Ratificou as contribuições eleitorais. Contudo, não se pronunciou sobre as alterações no projeto da obra.

As contas da campanha de 2012 de Paes foram aprovadas pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral). Nessas contas, porém, não constam doações da Odebrecht. Planilhas obtidas pela Polícia Federal durante a Operação Lava Jato sugerem que a empresa repassou até R$ 3 milhões em favor do prefeito em 2012.

Os documentos foram revelados pelo Blog do Fernando Rodrigues. Neles, o prefeito do Rio é citado 14 vezes e é identificado com o codinome “Nervosinho”. Procurada, a Odebrecht não comentou o assunto.

Após a divulgação das planilhas, Paes ratificou que todas as doações feitas à sua campanha foram feitas de forma legal, devidamente registradas na Justiça Eleitoral e aprovadas pelo TRE.

Obras olímpicas investigadas por corrupção

A Odebrecht já está sendo investigada na Lava Jato por suspeitas de corrupção em duas obras prometidas para a Olimpíada: a construção da Linha 4 do metrô do Rio e o projeto Porto Maravilha, para revitalização da região portuária da capital fluminense. A construtora atua nos dois projetos em parceria com outras empresas também suspeitas de corrupção.

No mês passado, executivos da Odebrecht foram presos temporariamente por suspeitas de pagamento de propina relacionada ao Porto Maravilha. As prisões fizeram parte da 26ª fase da Lava, batizada de Operação Xepa.

Relatórios da Polícia Federal que embasaram a operação apontam ainda que R$ 2,5 milhões em propinas ligadas à obra do metrô foram pagas em 2014 pela Odebrecht a um suspeito identificado como “Proximus”. Em planilhas apreendidas pela PF, “Proximus” é o codinome do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Cabral afirmou que todas as doações a sua campanha foram legais. Em 2014, porém, ele não disputou eleição.

Paes defende benefício para "entes privados"

O UOL Esporte enviou perguntas para a prefeitura do Rio na quarta-feira passada (6) sobre as mudanças do projeto do Parque Olímpico e os benefícios a construtoras. Não recebeu respostas. Horas após a publicação da reportagem, porém, a administração municipal divulgou uma nota (leia a íntegra abaixo).

Na terça-feira (12), a reportagem abordou o prefeito para lhe questionar sobre o tema. Embora tenha ressaltado que não se lembrava dos detalhes técnicos do projeto, Paes defendeu modificações visando a melhorias para as empreiteiras.

"Se queremos ter o dinheiro do ente privado, temos que atender os seus interesses. Estamos muito tranquilos quanto a isso. Atender o privado não é pecado", afirmou o prefeito. Questionado sobre opiniões de advogados de que o contrato deveria ser revisto, com reequilíbrio em favor da prefeitura, Paes minimizou: "Especialistas têm sempre opinião."

A Concessionária Rio Mais, formada por uma sociedade entre Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Carvalho Hosken, também foi questionada na quarta passada (6). Informou que responderia às perguntas enviadas pelo UOL Esporte na sexta. Depois, informou que se pronunciaria na segunda-feira. Não respondeu.

O mesmo ocorreu com o COI e o Comitê Organizador Rio-2016, entidades que acompanharam e avaliaram as mudanças no projeto do Parque Olímpico. As entidades não se pronunciaram sobre as alterações no masterplan da principal instalação esportiva da Olimpíada de 2016.

Confira a íntegra da nota da Prefeitura do Rio:

Sobre as alterações de projeto do Parque Olímpico apontadas na reportagem do UOL, elas ocorreram conforme previsto na legislação de PPPs (Lei Federal 11.079/2004, no seu art. 10, inciso 4) que prevê possibilidade de mudanças quando o anteprojeto, da fase de licitação, evolui para projetos básico e executivo. Todas as mudanças citadas – que foram acordadas com o Comitê Rio 2016 e com o Comitê Olímpico Internacional - seguiram critérios técnicos com foco em economia de recursos públicos, ampliação do legado para a cidade, redução do custo de manutenção da área após os Jogos Olímpicos e atendimento às exigências das federações esportivas internacionais.

No caso do Parque Olímpico, foi considerado como anteprojeto o masterplan elaborado pela AECOM, ganhadora do Concurso Público Internacional realizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) entre dezembro de 2010 e agosto de 2011. O anteprojeto foi colocado em consulta pública em setembro de 2011 e submetido à audiência publica em outubro de 2011, conforme documentos anexos ao processo administrativo nº 01/001685/11 disponibilizados à reportagem do UOL. Em seguida, houve a aprovação dos documentos licitatórios pelo TCM em fevereiro de 2012, a realização da licitação da PPP do Parque Olímpico em março e a assinatura do contrato com o consórcio vencedor em abril.

As alterações citadas na reportagem do UOL fizeram parte da evolução do anteprojeto para projeto básico, conforme previsto na cláusula 4.3 do contrato, dentro do prazo de 180 dias após a assinatura com o consórcio vencedor. As mudanças tiveram como objetivo garantir a redução de custos, a ampliação do legado para a população e o atendimento aos requisitos essenciais para a realização dos Jogos Olímpicos. Por exemplo, a necessidade de construção de um novo Velódromo foi baseada na decisão da Federação Internacional de Ciclismo que não aprovou as condições técnicas do Velódromo já existente. Com a construção de um novo Velódromo, a própria Aecom sugeriu as mudanças na localização das instalações que resultariam na diminuição de custos futuros com operação e manutenção.    Assim, ficou acordado entre os entes governamentais e o Comitê Rio 2016 que o novo Velódromo ficaria logo na entrada do Parque Olímpico, em frente à Avenida Abelardo Bueno, uma área mais perto dos demais equipamentos que, após os Jogos, farão parte do legado esportivo e social do evento. A localização atual diminui o deslocamento da força de trabalho, os gastos com segurança e a necessidade de controle de acessos.

É importante destacar que, em um projeto dessa magnitude, alterações são normais. O anteprojeto da Aecom, por exemplo, previa que o Centro de Hóquei seria no Parque Olímpico. Para maximizar a utilização do legado esportivo dos Jogos Pan-americanos, as quadras construídas em Deodoro foram reformadas e a competição será realizada no local.   Também no projeto inicial da Aecom, a Arena do Futuro seria uma arena permanente, ligada às Arenas Cariocas. Com a preocupação de não erguer construções permanentes que ficassem subutilizadas após os Jogos, a Prefeitura definiu que instalação seria temporária e implantou o conceito de arquitetura nômade. Assim, após o evento, a Arena do Futuro será desmontada e seus componentes serão remontados, dando origem a quatro escolas municipais, cada uma com capacidade para 500 alunos.

É infundada a informação de que estas alterações impediram a participação de outras empresas no processo licitatório, uma vez que TODAS as condições estavam previstas no edital e na minuta de contrato submetida à consulta e audiência pública, com destaque para a referida cláusula 4.3 do contrato.

Em relação à fiscalização e acompanhamento do TCM (prática usual e comum a todos os processos do município), a proposta de realização da PPP foi apresentada aos técnicos e bastante debatida mesmo antes da submissão formal dos documentos. O TCM nomeou uma comissão específica de fiscalização do contrato, composta por técnicos de várias inspetorias, que vem realizando, desde então, reuniões e visitas mensais ao Parque Olímpico. Até a presente data, já houve 37 visitas técnicas, cujos relatórios são sistematicamente respondidos pela Prefeitura, aos quais a reportagem do UOL teve acesso.

Sobre a precificação do terreno, é importante destacar que, após as mudanças, não houve aumento do potencial construtivo da concessionária privada, que permaneceu em 1.180.000m², e também não houve alteração da área destinada ao legado público, que corresponde a 60% do terreno.  Em relação à possível valorização da área em função das alterações, ressaltamos que a precificação do terreno considerou a totalidade do potencial construtivo sem especificação de lotes individualizados. Além disso, todo o risco imobiliário foi assumido integralmente pela Concessionária privada no momento de assinatura do contrato, ou seja, não há possibilidade de alegação de desequilíbrio econômico financeiro, conforme disposto na cláusula 21.4, e eventuais prejuízos não podem impactar no andamento da obra.

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