Como a Máfia italiana agiu para mudar uma prova ciclística em 1999
O Giro d’Italia é considerado uma das mais importante competições do calendário ciclístico internacional. O que não quer dizer que esteja isento de influências externas – e nem sempre legais.
Em 1999, uma das etapas da prova teve participação decisiva da Camorra, grupo mafioso italiano que age a partir da região de Nápoles desde o século XVIII. Segundo o jornal La Gazzetta dello Sport, o grupo pressionou organizadores da prova para forçar a exclusão de um dos favoritos à vitória.
Aconteceu em 5 de junho de 1999, na penúltima etapa da edição da prova naquele ano. Até então, a liderança pertencia ao ciclista italiano Marco Pantani, contra quem integrantes da Camorra haviam apostado. O atleta havia vencido quatro das 20 primeiras etapas.
Entretanto, antes da largada para a penúltima etapa, entre Madonna di Campiglio e Aprica, passando pelas cidades de Gavia e Mortirolo, a organização do Giro d’Italia anunciou o resultado de um exame antidoping de Pantani. O ciclista italiano havia registrado 51,9% na leitura de um exame de hematócritos, que aponta o percentual de glóbulos vermelhos no sangue. A União Ciclística Internacional aceita que os competidores disputem provas com até 50% de hemáceas no sangue; acima disso, com valor possivelmente obtido mediante uso de substâncias proibidas, o atleta pode se beneficiar de uma melhor oxigenação sanguínea.
É aí que entra a Camorra. Segundo documentação de autoridades à qual a imprensa italiana teve acesso, “um membro de um clã da Camorra ameaçou a um médico, para que alterasse o exame” de forma a excluir Pantani. O ciclista italiano acabou, de fato, excluído do Giro d’Italia 1999, vencido pelo também italiano Ivan Gotti, e acabou não mais competindo naquele ano.
Pantani – apelidade de ‘Pirata’, graças à bandana com a qual era constantemente visto – viveu os anos seguintes afastado dos familiares e morreu em fevereiro de 2004, aos 34 anos. A autópsia revelou um edema cerebral e uma parada cardíaca. Exames detectaram ainda traços de cocaína.
A Justiça italiana abriu investigação a respeito do Giro d’Italia em 16 de outubro de 2014, ouvindo inclusive integrantes da Camorra. O caso chegou a ser arquivado em 1999, mas foi reaberto diante de incídios de “associação criminosa para fraude esportiva”. Segundo a promotoria, testemunhas confirmam a alteração dos exames de Marco Pantani, o que poderia inocentá-lo no caso de um exame de contraprova em 1999.