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Maria Firmina dos Reis se mostra poeta bem diferente da romancista

'Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas' formula emoções represadas como uma espécie de diário íntimo

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Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas

  • Preço R$ 94,90 (280 págs.); R$ 62,90 (ebook)
  • Autoria Maria Firmina dos Reis (org. Luciana Martins Diogo)
  • Editora Círculo de Poemas

"Cantos à Beira-Mar", de Maria Firmina dos Reis, foi publicado originalmente em 1871, há 153 anos, no mesmo ano da morte do jovem "poeta dos escravos", o baiano Castro Alves. Com o acréscimo agora de "Outros Poemas", a obra amplia o universo poético da maranhense, conhecida pelo romance "Úrsula", libelo abolicionista de 1859.

ilustração em preto e branco de mulher deitada
Ilustrações de Heloisa Hariadne para recente edição de 'Úrsula', de Maria Firmina dos Reis, publicado pela Antofágica - Heloisa Hariadne/Divulgação

Estes poemas, ao contrário do livro de estreia de Firmina, surgem para chancelar uma autoria negra distinguida, já naquela época, como a poeta "muito conhecida pelos seus trabalhos literários que têm corrido impressos nos nossos jornais", conforme notícia de um jornal sobre seu livro.

A romancista e a poeta em Firmina tem uma distinção forte e expressiva. Como romancista, ela se engaja nas ideias do movimento abolicionista nascente no seio de uma nação escravista e conservadora. "Úrsula", nesse contexto, é visto como obra pioneira dentro da estética romântica —além de ter sido escrito por uma mulher negra e abarcar as observâncias dos males da escravidão brasileira.

Nesse sentido, é lícito proclamá-lo como voz contra o cativeiro, dado seu arrojo ao impor o engajamento de pessoas escravizadas na condução de suas próprias histórias, em repúdio ao sistema colonial, violento e opressor.

A narrativa proposta no romance abolicionista, corrente no século 19, não adere à lírica dos poemas de Firmina. "Cantos à Beira-Mar" é carregado de outra pegada assertiva. Como poeta, dentro da lógica intelectual e ativista, Firmina envereda pelo romantismo, onde o nativismo e o sentimento herdado da recordação, de sua herança africana, misto de banzo, saudade e perda, tem muito da subjetividade diaspórica —não a dela, seja dito, mas dos seus antepassados, os escravizados da família, seus entes mais próximos.

O conjunto de poemas, preparado após a edição de "Úrsula", chega a nós como formulação de emoções represadas, espécie de diário íntimo, onde Firmina se confessa e proclama seu amor e sua dor, por meio de cismas e luto.

Assim diz em "Uns olhos": "Vi uns olhos... que olhos tão belos!/ Esses olhos têm certo volver,/ Que me obrigam a profundo cismar,/ Que despertam-me um vago querer."

O livro, nesse compasso, é patriótico e amoroso, ao mesmo tempo familiar, e se orienta pela lembrança, em parte pela memória da mãe Leonor, glorificada no poema fúnebre "Uma lágrima", que abre o volume. "Era ela o encanto de meus dias tristes,/ Era o conforto na aflição, na dor!/ Que era ela a amiga, que valeu-me a infância,/ Que foi a guia desta vida em flor!"

Esse tempo de desilusão e nostalgia surge em outro belo poema, "Uma Tarde no Cumã" —digressão de passeios ao vilarejo e à praia por onde sua alma "expande-se" sobre "a branca areia". Em um dos versos, canta: "Aqui se ameigam de meu peito as dores/ Menos ardente me goteja o pranto;/ Aqui, na lira maviosa e doce/ Minha alma trina melodioso canto."

A relação com morte, incompletude e ausência é constante em todo o livro, acrescido de 35 novas composições a partir da edição original. Firmina propõe diversos marcadores sociais em sua obra —seja em prosa, seja em verso—, que incluem palavras como liberdade, amor e sonho.

Em "Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas" preconiza-se pensadora e emotiva. Homenageia parentes e amigos, mas toca de leve a questão racial, sobretudo em "Minha Terra", quando, falando do Maranhão, cita "a cativa": "Princesa do oceano! A fronte alçaste/ Por tantos séculos abatida, e triste.../ Um eco aqui repercutir-se – ouviste,/ E as vis algemas sob os pés quebraste."

Como romancista e poeta, Maria Firmina dos Reis é hoje inconteste. Como cidadã brasileira, ainda é cercada de mistérios. Agrava-se o fato de que não há imagem de seu rosto, de seu corpo negro. Seu nascimento traz outra interrogação: nasceu em 1822, como ela afirma; ou em 1825, como querem seus biógrafos?

O certo é que trazer Firmina pelos seus poemas é referendar seu legado literário e reivindicar, merecidamente, seu ingresso no cânone como a primeira escritora negra do romantismo brasileiro.

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