Briguentos de Brasil e Argentina nas torcidas olímpicas não nos representam
Vamos começar pelo começo: há toda uma mitologia em torno dessa rivalidade que leva mais tempo do que o imaginado. Brasil e Argentina já eram territórios disputados por portugueses e espanhóis antes mesmo de existirem. E depois, como nações independentes, passaram por uma guerra (1826-27) tendo o mesmo apetite colonial: possuir a província cisplatina ou a banda oriental do Uruguai.
A desconfiança sempre é maior entre vizinhos. Que o digam os paraguaios, alvos da sanha argentina e brasileira durante a Guerra do Paraguai, mancha ignominiosa que ambos os países, junto com o Uruguai, levam em sua história - curiosamente, como aliados!
O fato é que qualquer construção nacional sempre precisa do outro para se edificar, se fortalecer. Nesse sentido, as semelhanças coloniais colocam a Argentina e o Brasil do mesmo lado, com histórias político-culturais parecidas. Mas, como nações, sempre se olharam com receio. E tudo o que em política foi mera especulação, no mundo do esporte, fundamentalmente no futebol, fez-se na prática.
No entanto, isso ocorre de forma diametralmente oposta nas aproximações culturais, pois há, além de respeito, admiração às produções culturais dos vizinhos: música, literatura, cinema, artes plásticas, história em quadrinhos, dança, etc.
Eis uma ideia para se pensar. Por que essa supremacia do mundo esportivo em relação ao cultural?
O que aconteceu nas arquibancadas (e fora delas) entre alguns argentinos e brasileiros nesses dias olímpicos não é mais do que uma continuação do que acontece dentro dos próprios países entre torcedores de times rivais: intolerância, falta de espírito esportivo, estupidez. Enfim, violência.
Mesmo que Maradona tenha abraçado Pelé publicamente um pouco antes do início dos Jogos, que Neymar se orgulhe de sua amizade com Messi. Mesmo que jogadores argentinos no Brasil ou brasileiros na Argentina se sintam bem-vindos e tenham se tornado ídolos em alguns clubes (como Tevez no Corinthians ou Iarley no Boca), mesmo inclusive que muitos brasileiros andem pela rua com camisas da seleção argentina ou de times argentinos e outros tantos argentinos vistam a amarelinha ou camisas de times brasileiros, sempre permanece uma incômoda sensação de um assunto mal resolvido.
Há certos setores da mídia que não fazem nada em prol da necessária aproximação. Pelo contrário, a mídia muitas vezes difama, ensombrece, atiça o pior sentimento: o tosco ufanismo nacional que se alimenta da dor ou da derrota alheias.
O que é engraçado para alguns comentaristas do jornal argentino “Olé” muitas vezes é ofensivo e beira o racismo deste lado do Prata. O que poderia gerar risos nos telespectadores de algum canal esportivo brasileiro é puro preconceito e rancor quando ouvido por um cidadão argentino.
Nesse sentido, sou contra a ideia de que tudo isso faça parte de um suposto “folclore esportivo”. É violência pura e simples. Deixemos as raízes populares de certas crenças fora do jogo. Nunca vi um Saci ou um “Gauchito Gil” (figura do folclore rural argentino) se esgueirando na arquibancada para agredir ou insultar o adversário!
Essa não é uma rivalidade provinda das classes populares: não são folclóricos o forcejo, o insulto ou o racismo. Todas essas formas de intolerância parecem vir de outros setores sociais, afinal, são poucos os que podem pagar viagens e ingressos para as Olimpíadas, tanto aqui como lá.
Nas arquibancadas dos Jogos, onde deveria prevalecer um espírito de enlace sem bandeiras (por acaso o emblema dos Jogos não representa o abraço simbólico dos cinco continentes?), domina o mais tosco bairrismo. Tão tosco que nem os jogadores se sentem identificados com a disputa - Scola, pivô da seleção de basquete da Argentina, chamou essa encenação de “pura besteira” e disse que não se sente representado pelos briguentos.
Hermanos-irmãos, quando o assunto é competir, atrás de uma bola, numa piscina, numa quadra ou numa várzea, tudo bem querer ganhar dentro do campo. Já fora, o problema da torcida passa por outro lado. Torcer contra é tão impopular quanto torpe e só mostra a pior das caras possíveis. Ao invés de alimentar essa rixa, deveríamos deixar em evidência, como quero deixá-lo aqui, que, como disseram alguns atletas, esses atos de violência não nos representam. Repudiar essa mesquinhez de pensamento é tarefa de todos!
A rivalidade continuará a existir. As diferenças também. Isso é saudável. Celebremos as diferenças, como disse Regina Casé na abertura. Com humor, com piadas. Nunca com violência! Seja verbal ou física, seja sugerida pela mídia ou exercida pelos marmanjos nas arquibancadas.
Pelé ou Maradona? Não! Chico Buarque e Spinetta!
* Diego Molina é argentino, casado com uma brasileira e vive em São Paulo há oito anos, onde nasceram suas duas filhas. É licenciado em Letras Modernas pela Universidade de Buenos Aires, Mestre em Literatura Brasileira e Doutor em Literatura Hispano-americana pela USP. Participa do grupo de pesquisa “Historia Comparada de las Literaturas Argentina y Brasileña” da Universidade de Buenos Aires. É autor de vários artigos e ensaios em revistas e livros acadêmicos
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL