Coluna

Roberto Salim

A história do brasileiro que brilhava na marcha atlética e não veio ao Rio

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Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

Hiago Garcia saiu ainda menino de Pernambuco. Era fenômeno do atletismo. Recebeu convite para treinar na Rússia. Seus planos? Treinar, marchar e marchar. Com 21 anos voltaria ao Brasil, tiraria sua família da miséria em que vive em Petrolina e disputaria a prova de marcha atlética, com grande chances de chegar ao pódio olímpico. Afinal era um fora de série e estaria na manhã desta sexta-feira ao lado dos melhores do mundo, na Praia do Pontal, para largar na prova dos 50 quilômetros.

Mas o sonho virou pesadelo: ele foi apanhado no exame antidoping, pegou quatro anos de punição, continua na Rússia e a família segue lutando com dificuldades no interior pernambucano. Com a palavra, o marchador Hiago, seus sonhos e frustrações.

UOL: Se você não tivesse sido apanhado no exame antidoping, estaria competindo no Rio? Conseguiria a vaga?
Hiago Garcia
: Sim, eu estaria na Olimpíada. A última competição da qual participei, eu fiquei a alguns minutos do índice olímpico. Após isso estava treinando muito forte para a etapa do circuito mundial de Dundice, na Eslováquia, que aconteceu em março deste ano. Pelos treinamentos que estava fazendo e por alguns testes que fizemos aqui, eu conseguiria com certeza a vaga olímpica e participaria da minha primeira olimpíada aos 21 anos de idade.

UOL: Quando e por que foi para a Rússia? A convite de quem?
Eu vim para a Rússia em 2013, quando recebi um convite do treinador principal para treinar no Centro Olímpico de marcha atlética, na Cidade de Penza, e tentar a minha vaga para as Olimpíadas de 2016, além de defender o clube em competições universitárias em terras na Rússia. Vivo na cidade de Penza, cidade onde moram muitos campeões olímpicos, como por exemplo Aliya Mustafina, da ginástica artística.

UOL: O que você faz aí na Rússia e pretende ficar até quando?
Além de treinar, eu estudo na Universidade e falo russo fluentemente. Não tenho uma meta (data) certa para viver aqui, apenas vou vivendo até quando der.

UOL: Onde vive sua família?
A minha família vive na cidade de Petrolina, Pernambuco. Na rua 9 do Barqueiro, 290, Santa Luzia, Petrolina.

UOL: Qual o sonho que tem para sua mãe?
O sonho que tenho para minha mãe é construir uma casa para ela viver com meus cinco irmãos, que lá estão. Sempre tivemos uma vida não muito fácil, o nosso “pai” nos abandonou quando eu tinha mais ou menos 16 anos. E “sumiu”. Até hoje a minha mãe tenta encontrá-lo na justiça para tentar conseguir a pensão ao menos para os filhos pequenos. Mas não tem obtido sucesso nesta busca... Eu no momento, infelizmente, não tenho condições de realizar este sonho, só mesmo o programa do Luciano Hulk, com o quadro “Lar doce Lar” para ajudar. Minha mãe está desempregada e não fosse a ajuda que mando daqui, ela estaria na rua com os meus irmãos... Gostaria muito que o Luciano Hulk e sua equipe realizassem esse sonho. Para mim, ver a felicidade da minha mãe e dos meus irmãos, vale mais que qualquer medalha ou participação olímpica.

UOL: É você quem sustenta a sua família?
Sim. Eu é que ajudo a minha mãe com o que posso, mas está mais complicado pois perdi todos os apoios e patrocínios que tinha no Brasil, do governo federal e estadual, por conta do doping.

UOL: Você tem planos para o seu irmão esportista?
Sobre meu irmão, gostaria de vê-lo em algum clube de futebol. Ele joga como goleiro. E leva jeito. Eu gostaria que ele tivesse chance de treinar em um time de verdade.

UOL: Uma vez você disse que queria participar do BBB...
Eu gostaria sim de participar do próximo BBB. Eu até fiz a inscrição para a etapa nacional, mas não com o interesse de ficar famoso ou coisas do tipo, mas sim para tentar ganhar os prêmios e ajudar minha mãe e abrir um pequeno clube de marcha atlética lá na minha cidade.

UOL: Como essa retirada da Rússia das grandes competições é recebida aí onde você vive?
É recebida com muitas críticas por parte deles (os russos). Muitos falam que o fato de terem suspendido todos os competidores do atletismo da Rússia nas Olimpíadas, até mesmo aqueles que não tiveram mostra de exames positivos, como Yelena Isinbayeva, é estranho e não é o correto... porém, eles afirmam que a questão é política...

UOL: A questão é política mesmo ou só os russos se dopam no mundo do esporte?
Eles dizem que a questão é política.

UOL: Como foi o seu doping, qual a substância encontrada? Você sentiu mudança em sua performance?
Eu fiz esse exame antidoping após ter ganho o campeonato nacional russo universitário, na cidade de Petrozavodsk, em primeiro de julho de 2015, e só fui informado no final do ano, ou seja houve erro... O primeiro erro foi a demora deles em me informar sobre o resultado de um possível teste positivo, e o segundo: a RUSADA (órgão do combate antidoping da Rússia) me julgou sem ao menos ter me ouvido. Ou seja, me julgaram sem eu ter dado as explicações. Eu só fiquei sabendo porque uma amiga minha russa me contou que viu a nota no site da RUSADA. As substâncias encontradas foram: fenoterol e peroxisome e seus agonistas. Eu não sei nem o que é isso e qual a função disso no organismo. Porém, foi encontrado na amostra “A”. Estou tentando levar o caso para que a CBAt me julgue e quem sabe consiga menos tempo de suspensão ao invés de quatro anos... ou recorrer junto ao CAS. Mas está difícil. Troco emails com CBAt e eles dizem que IAAF não responde. Já enviei email para a Federação Internacional e eles também não respondem... eu preciso de um advogado... mas para isso preciso de dinheiro e no momento não tenho condições financeiras para isso. Infelizmente, estou pagando por uma coisa que não fiz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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