Coluna

Roberto Salim

Um pouco de Luz para salvar o basquete feminino do Brasil

Roberto Salim
As meninas que podem renovar a seleção feminina de basquete imagem: Roberto Salim
Divulgação
Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

Miguel Ângelo da Luz parou sua bicicleta na praia do Leblon na manhã deste sábado (13) e fez uma viagem mental de 20 anos: puxou pela memória e disse que, após a conquista da medalha de prata em Atlanta-1996, ele e sua comissão técnica entregaram um plano de salvação para o basquete feminino nacional.

“Sabíamos que Paula e Hortência iriam terminar um dia e que era preciso buscar novas jogadoras pelo país”, afirmou.

Vocês acham que o plano foi aceito pela Confederação Brasileira?

Não foi. E além disso Miguel recebeu um conselho do então presidente: descanse um pouco.

“Fiquei três anos afastado do basquete. Desempregado. Na época todos falavam de Paula e Hortência e se esqueceram do trabalho feito pela comissão técnica, pelo preparador físico, pelo lançamento de jovens talentos. Disseram que eu tive sorte. Eu até acho que deveriam fazer estátuas para Paula e Hortência, mas eu sabia que teríamos dificuldades quando elas parassem. Daí o nosso plano...”

O técnico campeão do mundo de 1994 e medalhista de prata em Atlanta acha que a fase atual do basquete feminino é fruto do descaso que se arrasta desde aquela época. Mesmo assim, ele não entende como o time chegou ao jogo contra a Turquia com quatro derrotas consecutivas – um verdadeiro desastre olímpico da equipe do técnico Antônio Carlos Barbosa.

“Vi pela TV os jogos da equipe feminina. Comprei ingresso para o basquete masculino, mas não tive ânimo de comprar, nem ganhei para ver as meninas”, admite Luz.

Esse desânimo tem a ver com o descaso com que seu projeto foi tratado: “Eu e o Sérgio Maronesi falamos até hoje do desperdício do projeto. O Hermes Balbino foi para a seleção de vôlei e seu Waldir Pagan já faleceu sem ver nosso sonho realizado”, lamenta.

Antes de subir à bicicleta e voltar a pedalar pelo sábado ensolarado, Miguel Ângelo da Luz, o técnico campeão do mundo, disse que se for chamado aceita pôr o projeto em execução. Mesmo vinte anos depois de ser boicotado por dirigentes incompetentes.

O recomeço pode estar nesse plano de garimpo de talentos pelo território nacional. Mas com certeza está no trabalho de base. O Rio de Janeiro, território olímpico, tratou com desprezo o basquete das meninas nos últimos anos. O maior exemplo estava na manhã deste sábado na quadra Jamelão, na Vila Olímpica da Mangueira, onde era jogada a fase final dos Jogos Estudantis do Rio de Janeiro.

“O basquete é jogo de pobre e preto, por isso os responsáveis estão deixando o esporte morrer no Rio”, denunciou o técnico da equipe do CIEP Professor Álvaro Lontra, da cidade de Miracema, a 300 quilômetros da capital olímpica. Mesmo assim, o técnico Carlinhos Bessa não desiste: ”Minhas atletas são da comunidade de Alto do Cruzeiro, gente humilde, não podemos abandoná-las”, avisa.

“O erro está em ter só quatro equipes disputando o inter-colegial na capital olímpica”, disse o treinador Victor Ventura, da equipe da Escola Municipal Jornalista Daniel Pizza. E por que isso ocorre? Com a palavra o técnico Fábio Walsh, do Colégio Loyde Martha: “Temos cinco mil professores de educação física no Estado, mas poucos para desenvolver a parte técnica”.

A realização da Olimpíada seria a grande chance de mudar isso, com investimento em professores, em quadras, em equipamento esportivo. Mas os dirigentes, os políticos e os pensadores do Comitê Olímpico Brasileiro estavam mais preocupados com as obras e com o alto rendimento. Legado esportivo? Difundir o esporte pelo país? Isso é para gente sonhadora.

Ainda assim, as novas jogadoras surgem, como no time do Santa Mônica Centro Educacional. Ali, a mais nova candidata a revelação é Vitória, 13 anos, 1,85m de altura. Ele ainda é da categoria mirim, mas já mostra talento de gente grande: “Não fui ver os jogos de basquete da seleção porque minha mãe não tinha dinheiro, mas ainda vou jogar naquele time”, avisou a adolescente.

Guilherme Vós, técnico de Vitória, não duvida disso. “Ela deve seguir os mesmos passos de Érika, Clarissa e Isabela Ramona, que também começaram jogando aqui”, prevê.

Guilherme é técnico também da forte equipe da Mangueira e das equipes de base da seleção brasileira. Ele sabe que vai ser difícil reanimar o nocauteado basquete feminino do país, mas concorda que o reinício está no trabalho de base.

“Depois vem uma organização mais consistente na parte diretiva, e é preciso um esforço brutal das meninas da seleção para aperfeiçoar o seu basquete”, analisa o treinador.

Então é preciso apagar tudo e começar de novo?

“Talvez... mas é importante criar uma via de mão dupla: as jogadoras devem ter condições de viver do basquete, mas devem também se preparar mais e dedicar mais tempo aos treinamentos, ao refinamento de suas performances. Veja que as jogadoras estrangeiras executam os arremessos com perfeição, os passes, enquanto as nossas hesitam. Paula e Hortência só chegaram onde chegaram porque arremessavam mais de 500 bolas à cesta por dia após ou antes dos treinos. É preciso que as meninas entendam que elas precisam melhorar”.

Cada um tem uma receita. Um conselho.

Mas todos têm certeza de que a reconstrução vai levar tempo.

Talvez mais, talvez menos que os 20 anos perdidos com o desprezo ao plano do técnico Miguel Ângelo da Luz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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