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Roberto Salim

O racismo não impediu Aída dos Santos de ser ícone do atletismo brasileiro

Roberto Salim
Aída dos Santos ao lado da filha Valeskinha imagem: Roberto Salim
Divulgação
Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

Símbolo do esporte nacional. Única mulher na delegação que disputou os Jogos Olímpicos de 1964. Quarta colocada no salto em altura, mesmo abandonada no estádio olímpico de Tóquio pelos dirigentes da época, dona Aída do Santos segue marcando presença na maior disputa de sua vida: a luta contra o racismo. Por isso chegou toda animada ao lado de sua filha Valeskinha à festa em sua homenagem na rua Visconde de Sepetiba, em Niterói.

“Quando soube que era organizada pelo grupo afro-cultural aqui da cidade aceitei na hora”, disse dona Aída, ao ser recebida por Denise Lima, uma das organizadoras do evento promovido pelo grupo Baobá. “Sabe, eu queria ser jogadora de vôlei, mas o técnico do Botafogo, na época, disse que vôlei não era esporte para negra”.

Sorte do atletismo, porque ela seria uma esportista fantástica em qualquer modalidade que escolhesse: ”Eu sempre curti a minha cor e fui humilhada desde o primário. Tinha uma professora na escola que me punha de castigo e dizia: crioula feia, beiçuda, filha do Grande Otelo”.

Professor infeliz, a que ofendeu a menina Aída.

“Eu ficava triste, mas não ligava. Ia à luta, como fui na Olimpíada de Tóquio, quando os dirigentes não me acompanharam ao estádio para a disputa do salto em altura”.

Ela era a única mulher da delegação, mas não se encolheu. Sem entender o que os japoneses falavam ela entrou na disputa, torceu o tornozelo, foi tratada por um massagista de Cuba e só não ganhou medalha por um triz: ”Foi um momento de tristeza e de imensa alegria também”, disse ela ao assistir ao documentário de sua vida, passado na homenagem do grupo Baobá.

“No ginásio, em um campeonato estudantil também sofri com o preconceito. Eu era a única negra no time e na arquibancada a torcida gritava: sai daí crioula, seu lugar é na cozinha”.

O lugar de dona Aída do Santos é de honra, em qualquer história que seja contada do esporte nacional. Ela e atletismo brasileiro são sinônimos. Por isso, ela quase ficou doente quando destruíram a pista do estádio Célio de Barros: “Eu chorei muito e ainda choro quando passo ali no Maracanã e vejo que fizeram estacionamento da nossa pista”.

Segundo ela, isso explica porque o atletismo do Rio de Janeiro está em um nível tão ruim e porque o Brasil não tem um saltador de triplo no masculino nesta olimpíada: “Esta prova era nossa, nossa tradição, mas estão acabando com nosso esporte”.

Essa consciência não a impede de continuar praticando atletismo com as veteranas, nem de bater seu vôlei.

“Estou acompanhando também a Olimpíada pela TV e neste domingo eu vou ao Engenhão. Quero ver o Bolt... ele é muito bom e sabe o que é melhor? Ele não é mascarado”.

Se não fosse a festa em Niterói, dona Aída já teria conhecido o jamaicano no sábado mesmo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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