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Roberto Salim

"É preciso ter delação premiada", diz amigo de ciclista flagrado no doping

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Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colaboração para o UOL

O ciclista Kleber da Silva Ramos foi apanhado no teste surpresa feito antes dos Jogos Olímpicos, exatamente no dia 31 de julho. Ele não era um atleta comum: pertence à equipe Funvic, de São José dos Campos – única com status internacional em nosso país. Por isso, Kleber era controlado de perto pela União Internacional de Ciclismo e possuía o passaporte biológico, estando sempre à disposição de exames fora de competição.

Por que um atleta deste nível iria se expor usando a terceira geração da eritropoetina? A eficiente CERA? Ainda mais às vésperas de um torneio olímpico, do qual ele efetivamente participou sem ter concluído a prova de estrada defendendo o Brasil?

Essas perguntas vão ser respondidas por um velho amigo, para quem Kleber é o Bozó, apelido pelo qual ele é conhecido no meio ciclístico. É o parceiro Almério Marra, ex-presidente da Federação Paraibana de Ciclismo, que conhece Bozó desde os tempos em que ele deixou a pequena Soledade, no interior da Paraíba, e foi morar em João Pessoa.

UOL Esporte: Você já conversou com o Bozó após o anúncio do doping?
Almério Marra:
Ainda não, mas ele já voltou para a Paraíba. Chegou na quinta-feira à noite e foi direto para Soledade, onde nasceu e vive a sua família.

O que você acha que aconteceu?
Almério Marra:
O Bozó estava treinando aqui até três semanas atrás. Andando 150 quilômetros em média, todo dia. Ele é um menino humilde, que enfrentou sempre muitas dificuldades. Para você ter uma ideia, os problemas com pneus e câmeras de ar são resolvidos e custeados pelo próprio ciclista e eu o ajudei nas despesas do treinamento aqui antes da olimpíada. O pai dele tem uma oficina de bicicleta no quintal de casa lá em Soledade. Gente simples, trabalhadora e humilde. Não sei o que aconteceu. Só sei que não foi aqui.

Então onde foi?
Almério Marra:
Só pode ter sido onde ele treina, em São Paulo. Ele não iria fazer por conta própria, mesmo porque eu estava lendo e vi que é um remédio usado para tratamento reumático e custa muito caro. Caríssimo, vi nas redes sociais. O Bozó não tem acesso a esses remédios, não teria por conta própria. Acho que está na hora de se fazer delação premiada no ciclismo brasileiro.

Como assim?
Almério Marra:
É que sempre quem paga é o atleta. Nunca é o técnico, nunca é o dirigente, nunca é o médico quando tem. Será que não tem ninguém por trás disso, por trás do doping? É hora das autoridades se interessarem pelo assunto. Saber dos atletas quem é que incentiva o uso dessas substâncias proibidas. Aqui na Paraíba não foi...

Você acha que tem uma máfia do doping no ciclismo brasileiro?
Almério Marra:
Até poderia ser isso mesmo, um grupo controlando a distribuição, mas com a globalização os jovens também tem acesso a tudo, sabem onde encontrar as substâncias. Agora é claro que tem gente vendendo, incentivando, forçando. Essa política de ciclismo profissional influi, mas não sei como o Bozó entrou nessa parada, nessa onda.

O que você acha que vai acontecer com ele?
Almério Marra:
A equipe dele tem de dar apoio, advogado, tem de defendê-lo, mas não sei se farão isso. Se a Funvic não ajudar, podem ter certeza de que nós aqui na Paraíba não vamos deixá-lo na mão.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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