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Roberto Salim

Como Janice superou um AVC para defender o Brasil no tiro esportivo

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Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

Desde os 7 anos, Janice Teixeira é uma praticante de esportes. E sempre sonhou que um dia estaria disputando uma Olimpíada. Mas exatamente há 8 anos, quase o seu projeto de infância virou uma tragédia. Foi durante a Olimpíada de Pequim, ela era comentarista de tiro de uma emissora de TV, estava conversando com uma amiga em uma cafeteria aqui no Brasil quando seu mundo desabou.

"Estava tranqüila, batendo o maior papo, quando sofri um AVC, um enfarto cerebral frontal, de proporção muito alta", relembra agora que está diante da realização de sua vida. "Metade do meu corpo ficou paralisado, minha boca entortou, ficou para trás, fui para o hospital sem entender nada".

Foi aí que a sua força interior e o seu histórico de atleta falaram mais alto.

"Em 40 minutos, eu tinha recuperado todos os movimentos e com o correr do tratamento não tive qualquer seqüela".

Porque evita tomar remédios, todos os medicamentos receitados na época fizeram o efeito pretendido pelos médicos.

"Logo eu estava inteirinha de novo, mas precisava me testar, ver se não havia perdido os reflexos tão necessários na minha modalidade esportiva, que é o tiro ao prato".

Aí então desobedecendo as ordens dos médicos, depois de 30 dias, colocou silicone na arma para evitar o tranco dos tiros e foi para um stand desafiar a si própria. "Havia um risco, porque eu estava tomando anticoagulantes, poderia sofrer uma hemorragia, mas ao mesmo tempo eu precisava ver como estava de verdade, saber se eu era ainda a Janice atiradora. E deu tudo certo".

Tão certo que ela estará competindo nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Não para ganhar medalhas na fossa olímpica, mas sim para ser feliz.

Realizar aquilo que a menina de 7 anos idelizou quando começou a praticar todos os esportes possíveis na capital gaúcha.

E para chegar a essa olimpíada, ela fez de tudo. Até sair do Rio de Janeiro, onde mora, para viajar 900 quilômetros para chegar ao local de seus treinos na capital paranaense. O Centro de Tiro de Deodoro - que fica a 35 km de onde ela mora — ficou fechado desde março de 2015 para reformas e, então, Janice teve de se deslocar toda semana para Curitiba.

"Primeiro às minhas custas", conforma-se Janice, principal nome do tiro ao prato feminino do país. "Só a partir de novembro a Confederação Brasileira começou a cobrir as despesas via COB".

O absurdo dessa história é que o Centro Nacional de Tiro foi a obra mais cara dos Jogos Pan-americanos de 2007. Custou inacreditáveis 105 milhões de reais, quando a 162 quilômetros do Rio, na cidade de Resende, havia o stand de tiro da Academia Militar de Agulhas Negras. O absurdo se torna maior ainda quando se leva em consideração a pouquíssima utilização do local para competições desde que foi construído.

Ainda assim o Centro Nacional de Tiro está fechado para reformas. No momento, Janice não quer entrar em polêmicas. Agora, dedica-se inteiramente aos treinos com o técnico italiano Carlo Danna, no Clube Paranaense de Tiro.

"Se eu conseguir quebrar 70 pratos, em 75 tiros, na fase classificatória, alcanço a fase final, para a qual só passam as seis melhores", sonha a atleta que já foi cantora, uma espécie de Zizi Possi gaúcha. "Já fiz essa marca, quando quebrei o recorde sul-americano da fossa olímpica, lá no Azerbaijão, mas no momento eu só penso em ser feliz no dia da prova, esse é meu objetivo, o tiro é minha vida", revela a mulher irrequieta que praticou salto em altura, vôlei, remo, ciclismo e descobriu o tiro ao prato nas Serras Gaúchas.

E ser feliz no dia da competição não significa exatamente subir ao pódio, mesmo porque a italiana Jessica Rossi é um bicho em sua prova. Na Olimpíada de Londres, ela simplesmente quebrou todos os 75 pratos na fase classificatória e na final espatifou mais 24 em 25 chances. É um monstro e favorita ao bicampeonato: "Mas ela não está numa temporada muito boa, não, vai adivinhar o que acontecerá no Rio?"

No fim desta semana, quando retornar da última viagem de preparação a Curitiba, finalmente Janice entrará na Vila Olímpica e começará a treinar no local da competição. Então, espera viver os momentos mais felizes de sua vida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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