Olimpíadas 2016

A noite em que a judoca Soraya André pensou em suicídio

Arquivo pessoal
Soraya André imagem: Arquivo pessoal
Divulgação
Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

O judô feminino do Brasil está bem cotado para estes jogos do Rio de Janeiro. Foram anos de evolução e sacrifícios de gente como Soraya André, uma das referências dos nossos tatames. Ela é de uma época em que se lutava com e sem quimono. Adversários eram o preconceito, os desmandos da Confederação Brasileira da modalidade e as leis da ditadura, que impediam as mulheres de praticar artes marciais.

“Parece até mentira, mas é a pura verdade” – relembra a professora Soraya, psicóloga da equipe da Associação Desportiva de Santo André e que luta também para publicar o livro de sua vida. Vai se chamar “Japonegra, uma história de superação, fé e amor”.
 
“Era assim que me chamavam na época” - não existiam negras nas academias conta a atleta de 51 anos que, no dia 10 de agosto, receberá o título de cidadã honorária de Santo André. “Por conta das leis da época da ditadura, apenas as esposas ou filhas dos mestres japoneses é que aprendiam, escondidas, os segredos do judô”.
 
Um dia, a menina cismou que queria isso para sua vida. Tanto insistiu que o pai a levou a uma academia no bairro do Imirim. Então ela alisou o cabelo com ferro elétrico e tentou de tudo para virar nissei.
 
“Meus olhos já eram naturalmente puxadinhos...” – sorri Soraya, que no último dia 3 carregou a tocha olímpica na cidade de Chapecó, a convite da Confederação Brasileira de Judô, a mesma entidade que ela tanto desafiou. Durante os tempos de atleta chegou a se exibir com o judogui negro, para protestar contra o presidente Joaquim Mamede.
 
Foi perseguida por ele, mas era tão vitoriosa que não teve como não levá-la para os Jogos de demonstração em Seul, em 1988, e depois Barcelona.  Em terras espanholas tentaria alcançar sua glória. Afinal, era campeã pan-americana de Indianápolis e 10 vezes campeã brasileira.
 
“Não lutei bem na Espanha, perdi a chance de medalha, fui eliminada após três lutas”, conta ela, que durante a olimpíada do Rio de Janeiro estará acompanhando tudo pela televisão e tocando seu projeto de judô na Igreja Evangélica Povo Livre com crianças em situação de risco – como ela que, quando pequena, sofreu abusos sexuais.
 
Na volta à Vila Olímpica em Barcelona, após a frustrante atuação de 1992, a meio-pesado andou sozinha a noite inteira pensando em como acabar com o pesadelo. A única saída seria o suicídio. A morte com honra, tão ao gosto dos samurais. Pensou várias vezes como tiraria a própria vida.
 
“Não foi ninguém que me convenceu, eu estava só e desesperada... Como mudei de idéia? Foi Deus, só pode ter sido”.
Esse é um dos pontos mais emocionantes do livro a ser lançado logo após a Olimpíada, que Soraya não vai assistir pessoalmente porque não conseguiu comprar ingressos.
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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