Por que a ginástica é artística só para as mulheres?
Assistindo às provas de ginástica deste final de semana, foi impossível não notar que a apresentação feminina do solo é guiada por música, com passinhos e carão na coreografia, enquanto a masculina não tem som algum e fica restrita às acrobacias. Fica a dúvida: por que existe essa diferença?
Só na ginástica, os aparelhos mudam por completo do masculino para o feminino: enquanto eles competem no cavalo com alça, nas argolas, nas barras paralelas e nas fixas, elas passam pelas barras assimétricas e a trave. Mas existem também diferenças em vários outros esportes: no vôlei feminino, a rede é mais baixa (2,24m de altura para elas e 2,43m para eles); no atletismo, ciclismo e natação, há provas em que as distâncias percorridas por mulheres são menores e nado sincronizado e ginástica rítimica são disputados apenas por mulheres.
A maior parte desta variação nas regras entre os esportes masculinos e femininos é explicada pelas diferenças físicas entre os corpos. “A maior diferença é a produção de força, o homem tem uma capacidade de explosão muscular maior do que a mulher, isso por causa da quantidade de massa muscular. O homem tem várias outras características em comparação à mulher que estão em vantagem: ele é mais alto, tem mais massa óssea, maior produção hormonal”, explica o fisiologista do esporte do HCor, Diego Leite Barros. Então, a rede é mais baixa porque mulheres são mais baixas, homens fazem aparelhos que requerem mais força na ginástica, e assim por diante. Mas será que isso é verdade?
No livro “Playing withe the boys: why separate is not equal” (tradução livre: Jogando com os meninos, porque separação não é igualdade) , as americanas Eileen McDonagh e Laura Pappano questionam as pesquisas que afirmam essas diferenças. Enquanto, de fato, existem, sim, características diferentes entre os grupos de homens e mulheres, há também desempenhos individuais femininos que superam os masculinos e, a cada ano que passa, mais e mais mulheres diminuem a distância entre os resultados. Uma história emblemática é da nadadora chinesa Ye Shiwen que, aos 16 anos, nas Olimpíadas de Londres, superou o campeão masculino na mesma prova, fazendo um tempo menor que ele nos últimos 50 m.
Será que as diferenças físicas, na verdade, não surgem de os homens serem mais estimulados ao esporte e ao treino?
Por ser uma questão ainda sem resposta científica definitiva, ficam dúvidas sobre a necessidade de regras diferentes. Ao mesmo tempo em que a rede mais baixa para o vôlei feminino pode ser uma forma de nivelar a qualidade com o masculino, pode ser também um preconceito. No futebol, por exemplo, o campo e o gol têm o mesmo tamanho para ambos os gêneros e as mulheres estão se saindo muito bem, obrigada.
Regras sexistas
Sabemos que pelo menos no caso da ginástica artística, nado sincronizado e ginástica rítimica, a questão vai bem além das possíveis diferenças biológicas entre os corpos masculinos e femininos: as regras são claramente sexistas. Elas partem do princípio de que as mulheres são mais dadas à beleza, ao artístico, ao carisma, enquanto os homens ficam com a técnica. O treinador Osmar Fagundes Oliveira Jr., de Guarulhos, que treinou Rebeca Andrade antes de entrar para a seleção, explica que “a ginástica masculina tem a ver com o treino para a guerra, enquanto a feminina foca mais no artístico”.
Ele treina ginastas meninas há 20 anos e explicou que o preparo delas passa, além das técnicas da própria modalidade, por aulas de ballet, ensaio de coreografia e até a necessidade de aprender a ser carismática nos aparelhos. “É bem difícil, um coreógrafo que monta nossa série", conta a ginasta Julia Postigo, de 14 anos. "Só que a gente tem que se expressar conforme dança, não podemos ficar com a mão relaxada, temos que ter postura e sorrir. Temos que fazer tudo isso com a técnica, para sair bem bonitinho.”
Ou seja: enquanto os homens dedicam 100% dos seus treinos a aprimorar a habilidade técnica dos movimentos próprios da ginástica, as mulheres dividem a atenção com dança e carisma. E, mesmo assim, Simone Biles tem feito movimentos que poquíssimos homens conseguem fazer. Imagine como seria se ela não precisasse ensaiar passos de dança?
* Helena Bertho é subeditora executiva da Revista AzMina (facebook.com/azmina), jornalista formada pela USP e com pós-graduação em roteiro pela FAAP. Como jornalista, já escreveu para as revistas Sou Mais Eu, Veja São Paulo, Minha Casa e Super Interessante, além dos sites M de Mulher, Casa.com e Crescer. Foi escrevendo para mulheres e falando de dietas que começou a se frustrar com o jornalismo e decidiu buscar outro caminho, onde pudesse passar suas mensagens. Uniu sua paixão por séries com essa vontade e tornou-se roteirista, área na qual atua hoje, escrevendo institucionais e também sua série própria – que, obviamente, tem uma protagonista forte e guerreira.